O Wande e o Vai-Vem
O futebol, a maior paixão nacional (há bestas que dizem que o automóvel também ocupa este cargo), é um esporte polêmico. Mais do que isso, é um assunto polêmico. É polêmico justamente porque mexe com a paixão, com os nervos, com o brio e com a honra. Por isso não é difícil o pau quebrar, verbal ou fisicamente, em torno do futebol. Seja no campo, no buteco ou até na internet.
Dentre os inúmeros motivos que acabam em arranca-rabo está o drible, fundamento que não é básico por depender exclusivamente da habilidade do jogador, e habilidade é coisa pouco comum nos atletas atuais, o que acaba tornando o futebol mais burocrático. A arte de driblar, consequentemente, vira “artigo de luxo” e é discriminada pela classe, formada quase totalmente por cabeças-de-bagre. Driblar, então, vira sinônimo de humilhar, troçar, aloprar.
Para ser mais claro, cito um exemplo atual. Kerlon, jogador do Cruzeiro, é conhecido como Foca por lançar mão de um drible nada convencional (ele corre fazendo embaixadinhas com a cabeça sem deixar a bola cair, como uma foquinha de circo). Como o drible é uma inovação, ainda nenhum jogador descobriu a melhor maneira de parar tal jogada. Isso causa irritação nos beques e aí o jogador-foca toma chute na cara e no peito, porrada no cocuruto, cabeçada na orelha e por aí vai... Alguns zagueiros, inclusive, já deram entrevistas ameaçando o focídeo de agressão caso ele tente essa investida pra cima deles.
Particularmente, acho que existe um limite que separa o drible do menosprezo. Dois bons exemplos: Dizem que Luisinho, o Pequeno Polegar, grande craque do Corinthians da década de 50, sentou na bola na frente do educado Luiz Villa, do Palmeiras e o Edmundo, há poucos anos, rebolou na frente do Gonçalves, do Botafogo. Em casos como estes dois, é justo dar um golpe de karatê no pescoço do infeliz. Os outros dribles, como o chapéu, o rolinho ou caneta, o drible da vaca ou meia-lua, a pedalada, o elástico e até esse da foca são coisas do futebol.
Houve uma épica confusão causada por um drible num jogo entre o time do colégio Marechal Deodoro, da Rua dos Italianos, e o Monteiro Lobato, de Guarulhos, em 1962. Meu falecido tio Wanderlei, o Wande, grande centroavante, foi quem deu o tal drible. Dizem que ele foi o melhor atacante da região. Seus dois apelidos eram Pagão e Gol Difícil, o que atesta a veracidade de sua exímia habilidade. O Grajaú, que contava com uma linha composta por Peck, Lostal, Wande e Armando, tinha – dizem os mais velhos – o melhor time varzeano de São Paulo no começo da década de sessenta, um verdadeiro esquadrão, e representava o time do Marechal Deodoro.
Neste jogo, no campo do time de Guarulhos, que estava lotado, o bicho estava pegando. Jogo muito acirrado os jogadores enervados. O time do Bom Retiro ganhava por dois a zero. Num lance na ponta esquerda, Wande aplicou o recém inventado drible “vai e vem”. Este drible consiste em, com o pé sobre a bola, ameaçar tocá-la. Quando o adversário chega junto pra tirar, a bola é puxada pra trás, voltando pra perto do driblador. O zagueiro geralmente não acha nada, dá uma “furada” vergonhosa e vai parar longe.
Um becão do Guarulhos, maior que uma semana, já vinha distribuindo pernada pra tudo que é lado. Neste lance, correu com tudo pra cima do Wande e, sem conhecer a artimanha do “vai e vem”, caiu no truque e acabou enfiando a cara no alambrado, que era encostado à linha lateral. A torcida, em uníssono, sem ensaio, mandou um “Olé” de tremer o chão. O problema é que, do jeito que o cara foi, ele voltou correndo e, numa voadora, enfiou os dois pés nas costas do meu tio. O jogo acabou aí e o couro comeu.
O Wande só voltou a utilizar o “vai e vem” quando o drible se disseminou e o despeitado zagueiro foi apelidado de... Vai-Vem.
Dentre os inúmeros motivos que acabam em arranca-rabo está o drible, fundamento que não é básico por depender exclusivamente da habilidade do jogador, e habilidade é coisa pouco comum nos atletas atuais, o que acaba tornando o futebol mais burocrático. A arte de driblar, consequentemente, vira “artigo de luxo” e é discriminada pela classe, formada quase totalmente por cabeças-de-bagre. Driblar, então, vira sinônimo de humilhar, troçar, aloprar.
Para ser mais claro, cito um exemplo atual. Kerlon, jogador do Cruzeiro, é conhecido como Foca por lançar mão de um drible nada convencional (ele corre fazendo embaixadinhas com a cabeça sem deixar a bola cair, como uma foquinha de circo). Como o drible é uma inovação, ainda nenhum jogador descobriu a melhor maneira de parar tal jogada. Isso causa irritação nos beques e aí o jogador-foca toma chute na cara e no peito, porrada no cocuruto, cabeçada na orelha e por aí vai... Alguns zagueiros, inclusive, já deram entrevistas ameaçando o focídeo de agressão caso ele tente essa investida pra cima deles.
Particularmente, acho que existe um limite que separa o drible do menosprezo. Dois bons exemplos: Dizem que Luisinho, o Pequeno Polegar, grande craque do Corinthians da década de 50, sentou na bola na frente do educado Luiz Villa, do Palmeiras e o Edmundo, há poucos anos, rebolou na frente do Gonçalves, do Botafogo. Em casos como estes dois, é justo dar um golpe de karatê no pescoço do infeliz. Os outros dribles, como o chapéu, o rolinho ou caneta, o drible da vaca ou meia-lua, a pedalada, o elástico e até esse da foca são coisas do futebol.
Houve uma épica confusão causada por um drible num jogo entre o time do colégio Marechal Deodoro, da Rua dos Italianos, e o Monteiro Lobato, de Guarulhos, em 1962. Meu falecido tio Wanderlei, o Wande, grande centroavante, foi quem deu o tal drible. Dizem que ele foi o melhor atacante da região. Seus dois apelidos eram Pagão e Gol Difícil, o que atesta a veracidade de sua exímia habilidade. O Grajaú, que contava com uma linha composta por Peck, Lostal, Wande e Armando, tinha – dizem os mais velhos – o melhor time varzeano de São Paulo no começo da década de sessenta, um verdadeiro esquadrão, e representava o time do Marechal Deodoro.
Neste jogo, no campo do time de Guarulhos, que estava lotado, o bicho estava pegando. Jogo muito acirrado os jogadores enervados. O time do Bom Retiro ganhava por dois a zero. Num lance na ponta esquerda, Wande aplicou o recém inventado drible “vai e vem”. Este drible consiste em, com o pé sobre a bola, ameaçar tocá-la. Quando o adversário chega junto pra tirar, a bola é puxada pra trás, voltando pra perto do driblador. O zagueiro geralmente não acha nada, dá uma “furada” vergonhosa e vai parar longe.
Um becão do Guarulhos, maior que uma semana, já vinha distribuindo pernada pra tudo que é lado. Neste lance, correu com tudo pra cima do Wande e, sem conhecer a artimanha do “vai e vem”, caiu no truque e acabou enfiando a cara no alambrado, que era encostado à linha lateral. A torcida, em uníssono, sem ensaio, mandou um “Olé” de tremer o chão. O problema é que, do jeito que o cara foi, ele voltou correndo e, numa voadora, enfiou os dois pés nas costas do meu tio. O jogo acabou aí e o couro comeu.
O Wande só voltou a utilizar o “vai e vem” quando o drible se disseminou e o despeitado zagueiro foi apelidado de... Vai-Vem.
13 Comentários:
hahahahaha
Vai-Vem ficou louco!!
mas discutir futebol nao dá mais Kid, verdade. Ainda mais com os fanáticos que eu conheço...vide Gordo, Bruno, André, Avary, Arthur, eu e por ae vai!! hahahaha
Abraços
Não tem coisa melhor que discutir futebol, principalmente, com alguns fanáticos, pois eles alem de não entederem futebol discutem a toa mesmo quando eu sou o inquiridor, pois de futebol o que entendo!!! mas é divertido ve-los nervosos, Boa lembrança do Wande que por azar meu não vi jogar. mais conheço a História.
Artú, faltou comentar que qdo o chupeta foi separar a briga o cara chamou o meu pai de FDP. O que o mané não sabia é que a mãe dos dois jogadores - o ofendido e o que separava - era a mesma senhora... O cabra levou um safanão no escutador de novelas que deve doer até hj.rsrs
Bjo,
Adri
Eu já discordo em partes, Favela. Sou a favor de todo e qualquer drible, por mais desconcertante que seja. Também acho válida a provocação gratuita. Desde que o provocador saiba a conseqüência disso tudo - no caso do Vande, a voadora.
Tão certo quanto o tal Foca é o cara que der uma cacetada bem no meio da cara dele por causa do drible. Sem o menor direito de reclamação do agredido. Eu, nas raríssimas vezes que acerto uma caneta em alguém, já procuro jogar o resto da partida na lateral oposta ao marcador. E às vezes, mesmo assim, ainda sobra pra canela...
abraços!
Craudio, você não entendeu algumas coisas. Sou a favor do drible, e eu disse isso. No caso do Vande não foi provocação, foi um drible. Sou contra o menosprezo, como os dois casos que citei no texto. Eu fui criado na várzea, Craudio. Já vi neguinho quase morrer na porrada após fazer uma merda dessas. Na várzea, meu cumpadre, não dá tempo de provocar e ir pro outro lado do campo. Se o lateral direito não te pegar, o esquerdo pega. Drible é admitido. Provocação gratuita, malandro, tem que ter muito culhão.
Este comentário foi removido pelo autor.
Assino embaixo com o Favela!
Cabra,
Ótimo texto...muito bom !!! ahahhahahaha.
Gostaria de fazer uma observação que muito me agrada e me enche de orgulho...quando vovô me comparava ao tio Vande, que não tive a oportunidade de conhecer, infelizmente, na época em que corria e fazia gols feito louco. Hoje se o velho estivesse vivo me compararia com o Alfonso..hahahahha
Abs,
Angelo
FUTEBOL ARTE (MARCIAL) RSRSRSRSRSRS
Quem domina a arte do drible tem mais � que mostrar mesmo! E quem tiver a infelicidade de encontrar com um artista desse pela frente, tem que aceitar ser driblado (PONTO). T� na chuva � pra se molhar n�?! Ou sai de casa de gurada-chuva!! O certo seria o desconcertado devolver na mesma moeda; mostrar sua arte tamb�m (n�o a arte marcial), fazer uma jogada genial... mas arte � assim, alguns tem o dom e outros nem a sensibilidade de entender!
Agora... v�rzea ou n�o... Sentar na bola o cacete!! Sentar � o cacete no cretino que faz isso!! kkkkkkkkkkkkkkkkk
Esse causo � muito bom!!!
Favela
Você está se mostrando um cronista de mão cheia!! Mais um ótimo texto...
Só uma coisa, veja como o tempo passa rápido, a provocada do Edmundo no Gonçalves já está quase completando uma década!!!!! Tamo ficando véio....
Eu sou zagueiro e desço o sarrafo mesmo, to nem aí
abs
Piruca
Justamente, Favela. Também acho que o menosprezo mereça toda e qualquer repressão do adversário (vide o Edílson na final do Paulista-99). A questão é saber o que o zagueiro vai definir como drible ou provocação.
O que eu defendo é o legítimo direito de todo jogador que se sentir ofendido - por drible ou provocação - de dar uma sapatada na cara do engraçadinho.
Abraços!
Favelídeo, eu que sempre assino embaixo, dessa vez tou com o Cráudio e o Piruca. Primeiro, porque eu também era zagueiro e dos ruins (em ambos os sentidos). Se o tal foca me aparecesse com essa, arrancaria a cabeça dele com toda a gentileza. Segundo, mais filosoficamente, porque futebol se joga no chão. Por isso que você não pode dar pé alto, solada, bicicleta etc, que o juiz apita jogo perigoso. O tal foca, é claro, habilmente se vale de uma "deficiência" da regra, que nunca ninguém pensou. Pois, como é que vai tirar a bola dele? Ou empurrando, ou com um "salto no vácuo com joelhada" (quem descobrir a origem desta pago uma cerveja no Ó), ou com uma voadora... Não tem jeito de tirar a bola sem falta! É como se no basquete o cara andasse com a bola de baixo do braço, o que evidentemente não pode! Como não podia o goleiro, antigamente (antes da ridícula e incumprida lei dos 6 segundos) dar mais que 3 passos segurando a bola! Talvez, a partir do tal foca, mude a regra e alguém resolva inventar que o cara só pode dar até 3 toques com a cabeça, sei lá. Mas o que o cara faz, claramente, é contrário ao espírito do futebol. Habilidade, malandro, no futiba, é com os pés. Falado?
Szegeri, admito que não dá pra parar, sem fazer falta, a jogada da foca. Porém, o rapaz vai parar com essa jogada logo, logo, por não querer mais apanhar. Quanto à habilidade com os pés, tudo bem. Então você não admira as tabelinhas de cabeça entre Pelé e Coutinho? Nem os "chutes" com a cuca do Leivinha e do Baltazar?
Beijo.
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