Triplo Burro
Os bondes, no começo do século passado, eram o meio de transporte mais eficiente para se deslocar pela cidade. Poucos tinham automóveis. Na década de 30, por exemplo, as linhas dos bondes correspondiam a quatro vezes o que temos de linha de metrô hoje. Era trilho pra cacete! O bonde foi extinto em São Paulo em 1968 e, quando foi inaugurado em 1872, era puxado por burros. Introdução feita para falar justamente dos burros – várias espécies deles –, voltemos ao começo dos anos 30, na Barra Funda.
O bonde era o principal meio de transporte de pessoas, já o transporte de cargas ficava por conta deles, os burros (os caminhões eram pouco acessíveis). O Nôno mesmo, meu bisavô, criava vários burricos. Meu avô, o Velho Tirone, começou desde muito jovem a trabalhar como carroceiro de burros, ajudando seu pai. Tinham seis animais. A cada dia saiam três para puxar a carroça, que era carregada principalmente de farinha, do Moinho Manetti Gamba (onde hoje é o Moinho Santo Antonio), na Mooca, até a Barra Funda. Uma caminhada e tanto. Contava meu velho avô que ao voltar da Mooca sempre entornavam, ele e seu pai, um garrafão de vinho e ligavam o piloto automático quando o Perí, que era o animal mais inteligente e portentoso daquela meia dúzia, estava puxando a carroça. Voltava sozinho, o inteligentíssimo burro Perí.
Durante este período, os carroceiros eram muitos e o trânsito, muitas vezes, complicava. Como não havia buzinas, muitos carroceiros treinavam seus burros para aplicar temíveis coices nos inimigos de trânsito. Além dessa desordem, muitos “carroças” abusavam do trabalho pesado dos animais, impondo dias a fio de trabalho escravo e sem nenhum descanso para os pobres. Alguns, desumanos, colocavam à frente dos veículos animais muito jovens, que não agüentavam o tranco e chegavam a falecer. Infelizmente, nem todos os burros desfrutavam de uma boa alfafa, água limpa, três descansos semanais, pêlo escovado e remuneração em legumes, como o bom Perí.
Como a coisa estava ficando descontrolada, a prefeitura, na gestão de Fábio da Silva Prado, intensificou a fiscalização sobre os carroceiros. Era necessário, a partir de então, ter uma identificação legal para poder carrocear por aí. Abriram muitas vagas para tal serviço fiscalizador e é aí que entra, na história, o Barraca.
Barraca é uma lenda no bairro. Foi presidente do Sulamericano e do Anhanguera, depois de encerrar sua carreira como goleiro. Foi um dos maiores briguentos da região, tendo inclusive originado uma confusão que começou no Bom Retiro e foi parar na Barra Funda. Era, também, um completo analfabeto, o que lhe causava situações embaraçosas principalmente quando, todo garboso dos pés à cabeça, pegava o bonde. O homem sempre comprava o jornal do dia, subia no bonde e “lia” o diário, fazendo pose. O único problema é que na época não havia figuras nos jornais e era constante alguém alertar-lhe para que virasse o jornal, que estava na maioria das vezes, assim como o pão com manteiga quando cai no chão, de cabeça pra baixo.
A sua ignorância alfabética não impediu, no entanto, que fosse aprovado e contratado como fiscal de carroceiros. Barraca atuava na região da Barra Funda e Bom Retiro e, como conhecia quase todo mundo não autuava ninguém em troca de umas boas biritas no Fecha Nunca. Porém, certo dia, passava pela Rua dos Americanos um português com sua carroça puxada por duas burricas magricelas. Barraca, que estava sentindo falta de impor sua autoridade, sentiu que era o momento de fazê-lo. Chegou de soslaio, assuntando o gajo:
- Ô da carroça! Deixe-me ver os documentos. Sou fiscal. – Mostrando sua carteira.
- Oras, eu não tenho o documento aqui. Estou a tirá-lo na prefeitura. – Ofegava o portuga, amedrontado pelo rude fiscal.
- Pois então, como castigo, o senhor mesmo vai preencher sua multa. Escreva aqui o que a ficha pede.
- Mas eu não sei escrever, ó pá!
- Então passa pra cá cinco contos e nunca mais apareça por aqui, seu burro!
O bonde era o principal meio de transporte de pessoas, já o transporte de cargas ficava por conta deles, os burros (os caminhões eram pouco acessíveis). O Nôno mesmo, meu bisavô, criava vários burricos. Meu avô, o Velho Tirone, começou desde muito jovem a trabalhar como carroceiro de burros, ajudando seu pai. Tinham seis animais. A cada dia saiam três para puxar a carroça, que era carregada principalmente de farinha, do Moinho Manetti Gamba (onde hoje é o Moinho Santo Antonio), na Mooca, até a Barra Funda. Uma caminhada e tanto. Contava meu velho avô que ao voltar da Mooca sempre entornavam, ele e seu pai, um garrafão de vinho e ligavam o piloto automático quando o Perí, que era o animal mais inteligente e portentoso daquela meia dúzia, estava puxando a carroça. Voltava sozinho, o inteligentíssimo burro Perí.
Durante este período, os carroceiros eram muitos e o trânsito, muitas vezes, complicava. Como não havia buzinas, muitos carroceiros treinavam seus burros para aplicar temíveis coices nos inimigos de trânsito. Além dessa desordem, muitos “carroças” abusavam do trabalho pesado dos animais, impondo dias a fio de trabalho escravo e sem nenhum descanso para os pobres. Alguns, desumanos, colocavam à frente dos veículos animais muito jovens, que não agüentavam o tranco e chegavam a falecer. Infelizmente, nem todos os burros desfrutavam de uma boa alfafa, água limpa, três descansos semanais, pêlo escovado e remuneração em legumes, como o bom Perí.
Como a coisa estava ficando descontrolada, a prefeitura, na gestão de Fábio da Silva Prado, intensificou a fiscalização sobre os carroceiros. Era necessário, a partir de então, ter uma identificação legal para poder carrocear por aí. Abriram muitas vagas para tal serviço fiscalizador e é aí que entra, na história, o Barraca.
Barraca é uma lenda no bairro. Foi presidente do Sulamericano e do Anhanguera, depois de encerrar sua carreira como goleiro. Foi um dos maiores briguentos da região, tendo inclusive originado uma confusão que começou no Bom Retiro e foi parar na Barra Funda. Era, também, um completo analfabeto, o que lhe causava situações embaraçosas principalmente quando, todo garboso dos pés à cabeça, pegava o bonde. O homem sempre comprava o jornal do dia, subia no bonde e “lia” o diário, fazendo pose. O único problema é que na época não havia figuras nos jornais e era constante alguém alertar-lhe para que virasse o jornal, que estava na maioria das vezes, assim como o pão com manteiga quando cai no chão, de cabeça pra baixo.
A sua ignorância alfabética não impediu, no entanto, que fosse aprovado e contratado como fiscal de carroceiros. Barraca atuava na região da Barra Funda e Bom Retiro e, como conhecia quase todo mundo não autuava ninguém em troca de umas boas biritas no Fecha Nunca. Porém, certo dia, passava pela Rua dos Americanos um português com sua carroça puxada por duas burricas magricelas. Barraca, que estava sentindo falta de impor sua autoridade, sentiu que era o momento de fazê-lo. Chegou de soslaio, assuntando o gajo:
- Ô da carroça! Deixe-me ver os documentos. Sou fiscal. – Mostrando sua carteira.
- Oras, eu não tenho o documento aqui. Estou a tirá-lo na prefeitura. – Ofegava o portuga, amedrontado pelo rude fiscal.
- Pois então, como castigo, o senhor mesmo vai preencher sua multa. Escreva aqui o que a ficha pede.
- Mas eu não sei escrever, ó pá!
- Então passa pra cá cinco contos e nunca mais apareça por aqui, seu burro!
5 Comentários:
Favela, do jeito que anda nosso trânsito paulistano, tem mais burros hoje que nos tempos do velho Tirone.
abraços!
Falou, Cráudio!
Um causo pra você. Referente a um outro post seu, tão bom quanto todos. Dia desses, em mais uma busca interminável por algo que fosse "assistível" na TV, após perder alguns minutos e quase ter adquirido preciosidades como um multi-triturador-ralador-centrifugador de alimentos ou um aparelho eletrocondutor-personal-academia portátil com direito a 5 tubos do milagroso creme de barbatana de tubarão (que me faria perder 15 quilos em uma semana) de brinde... Fui atraída por um homem de terno barato cor de caramelo, camisa azul e uma gravata horroroza, que, aos berros "exorcisava" uma pessoa. Pasme! Pelo telefone!! O pastor dizia que todos os problemas que a pessoa, do outro lado da linha, tinha eram gerados pelo "DEMO" que estava ao seu lado. E esse, o do outro lado da linha, mudou a voz! Rugia, rosnava, balbuciava sons difícieis de distinguir. Bem, no ápice da "exorção" o pastor ordena ao "DEMO" que manifesta-se ao telefone:
"_ LÍvre Êsse fÍlho do senhÔr de sÚas gÁrras! QuÊm lhe ordÊna É o discÍpulo do senhÔr JeovÁ!"
E os grunhidos ao "Graham Bell" concordam em refrescar o pobre possuído.
Então o "discípulo de Jeová" volta a ordenar:
"_ LevÂnte sÚas mÃos Áos cÉus e recÊba a lÚz do senhÔr!"
Os rugidos cessam e o silêncio sopra por segundos.
O pastor, tão em dúvida quanto eu, lança a pergunta:
"_EstÁ cÔm as mÃos voltÁdas À morÁda de nÓsso senhÔr JeovÁ?"
E a voz, que num passe de mágica, volta ao normal responde:
"_SIM! Estou e estou curado! O Senhor operou mais um de seus milagres em minha vida!"
E a pergunta que tira meu sono por dias toda vez que paro pra pensar nisso:
Quem segurou o telefone pro abençoado falar ao telefone mesmo com as duas mãos levantadas??? O "DEMO"??? O espírito do Graham Bell??? Um terceiro braço mutante???
Deus! Isso me mata de curiosodade!
É... esse 'Barraca' realmente existiu então... sempre ouço falar deste na minha família ;-(
Barraca, Figura ilustre de nossa família Benetti, e olha que tem história. Para quem não sabe o terreno do Campo do Sul Americano, foi um dos grandes feitos e através do Barraca, que como sempre, conseguiu um audiência com o então Prefeito Jânio Quadros, e simplesmente pediu pra o mesmo assinar um documento, e sem saber estava cedendo o terreno ao Sul Americano. Se contarmos as História do Barraca haja página.
Obrigado a família Benetti, agradece.
João Batista Benetti
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