5 de set. de 2007

A cartomante

Não. Não falarei sobre o conto de Machado de Assis. Também não farei uma introdução sobre a história da quiromancia e suas técnicas, já que não conheço nada do riscado, confesso. Apenas sei que Aristóteles era um craque na leitura de mãos, além da minha querida amiga Leila. Mas vamos ao assunto, o Luciano.

Luciano é um colega meu da época de faculdade. Única pessoa que bebia comigo no buteco mais sujo – Bar do Gênis – duma travessa da Rua Maria Antonia, que é infestada de bares “descolados”. Ele, assim como eu, pouco assistia às aulas do imprestável curso de administração de empresas. Mas não é sobre o curso que quero discorrer. Seria desperdício de tempo. O Luciano é um sujeito de poucos amigos e não dá trela pra quase ninguém. Muita gente o acha esquisito e tímido, o que não procede. Mas também não é sobre o gênio e o jeito do baixote (tem pouco mais de 1,60m o Luciano) que vou falar. Quero é contar-lhes sobre o dia em que ele foi a uma consulta lá no Ipiranga, perto da fábrica de calhas de seu pai, empresa em que ele finge que trabalha. Não era uma consulta médica. Luciano, um cético convicto, após meses cedeu às investidas de uma cartomante e entregou sua mão à leitura.

O fato de o Luciano ter ido à cartomante causou-me enorme estranheza, já que ele não acredita em nada que os olhos não vêem, tampouco em previsões de futuro, horóscopo, oráculos, santos, hipnose e também na quiromancia.

A explicação que me deu o Luciano é de que ele já não agüentava mais a cartomante, vizinha da fábrica, enchendo diariamente seu saco, chamando-o para a consulta. Era chegar pra trabalhar e lá estava a mulher na porta acenando para ele entrar. Na hora de ir embora, a mesma coisa. Isso por meses a fio. Era muito suspeito aquele beco, pois ele nunca vira alguém entrar ali, a não ser um rapaz que parecia ser o filho dela, que, vez em quando, aparecia com duas crianças para uma breve visita. A insistência da cartomante deu certo.

É claro que meu camarada adentraria a estreita entrada da casa da cartomante com o principal propósito de se livrar do grude que a mulher havia se tornado, além de tirar a prova, ou melhor, comprovar, que ela e aquilo tudo eram uma baita charlatanice. Sua previsão – ironia – seria confirmada, não obstante a um alto preço, o que o credenciou como um otário frente àquela mulher enigmática.

A educação da contumaz cartomante era de deixar o queixo caído. Palitando os dentes, a mulher, após um colossal arroto o recebeu com ar de desdém quando de sua aproximação:

- Até que enfim, hein! Demorou pra vir aqui. Paga dez adiantado.

Esboçando um sorriso amarelo e já pensando na roubada em que se metera, Luciano sacou da carteira uma solitária nota de cinqüenta, uma onça, que fez os olhos levemente puxados da mulher brilharem.

- Não precisa pagar adiantado. Venha comigo.

O longo e estreito corredor de menos de setenta centímetros de largura desembocava numa saleta cheia de adornos exóticos para o leigo cliente que ali se encontrava. Um cliente com uma bela onça na carteira, pensava a sortista, imaginando a nota devidamente alocada em seu sutiã, já que não dispunha de bolsos no enorme vestido em tons de rosa e vermelho e várias camadas de pano.

Após algumas obviedades, um impaciente Luciano reclamou:

- Pô, fala alguma coisa que presta.
- Cala a boca e deixa-me fazer meu trabalho. Estou vendo aqui na esquina dessas duas linhas que vai acontecer uma grande mudança no seu trabalho. – Sussurrava a mulher, dando ares de suspense. - Pra essa revelação, você terá que pagar mais dez.
- Puta que pariu! Tá bom. O que é?
- Você será o dono dessa fábrica dentro de três anos! – Isso era óbvio, mas o herdeiro da Forte Calhas imaginou por um instante que seu pai morreria ou sofreria alguma restrição grave que o impediria de tocar os negócios.
- Vai acontecer alguma coisa ruim na minha família? Algum problema de saúde?
- Vejo aqui sua família. Mas pra te revelar essa questão, venha com mais dez.
- Que é isso? Você falou que a consulta era só dez e já tô pagando vinte, quer trinta agora? Isso é roubo!

O diálogo neste instante foi interrompido por duas tapas na testa de Luciano:

- Quieto! Vejo aqui sua mãe e duas crianças. Sua mãe tem dois filhos!
- Não. Minha mãe tem três filhos. Tenho dois irmãos.
- Ah é. Estou vendo o terceiro aqui no cantinho. – Encostando o indicador no pulso do Luciano, que guinchou de rir.

Após a confirmação de que seu pai não morreria, o suspense voltou a reinar e Luciano pagou mais dez pela informação sobre seu futuro amoroso. Ele, que tem muita dificuldade com as mulheres (além de pouco falar, não é provido de qualquer beleza física, mínima que seja), ficou sabendo que casaria perto de seu aniversário de 28.

Ao final, acabou deixando a nota de cinqüenta e foi embora com a certeza de que aquilo tudo era mesmo patifaria pura. Mas inconscientemente, a dois meses de completar os 28 e com tremendo medo de ficar pra titio, procura desesperadamente a tal mulher que lhe dirá o “sim” no altar.

3 Comentários:

Anonymous Anônimo disse...

Amei o texto. Muito bom. Um pouco polêmico, pra quem gosta.

Eu e minha mãe de vez em quando vamos em uma cartomante alí no Jardim São Bento. Eu gosto, acho legal, porque em todas as consultas que tivemos, não foi nada exagerado, ela falou sim, coisas que realmente aconteceram, e acabaram acontecendo, e é obvio, outras não. Não que eu leve isso super a sério, mas curto ... Além de tudo, ela lê as mãos, a borra do café, cartas e joga tarô ... Muuuito interessante ...
Sei lá.
Não vou todo mês, nem a cada dois meses, a gente vai quando tem vontade e dinheiro. É diferente.

Beijo Tuuuco.

6 de setembro de 2007 às 08:30  
Anonymous Anônimo disse...

Artú, apresente a Bebel para ele!rsrs

abrax
Adri Tironi

11 de setembro de 2007 às 09:57  
Anonymous Anônimo disse...

É Arthur, ele pode ter difuldade com as mulheres, mas, em compensação com a cachaça, nenhuma, beijos.

11 de setembro de 2007 às 10:55  

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