17 de ago. de 2007

Mesa de salada

Pretendo aqui escrever algumas histórias, inaugurando assim uma série, de alguém que marcou sua passagem por onde andou de maneira única, por vários motivos que abordarei. Pessoa essa que me fará muita falta até o fim da minha linha.

Eu aprendi a gostar de histórias acompanhando, desde muito pequeno, meu avô, o Velho Tirone. Seu nome, como eu já falei aqui, era Osvaldo, na Barra Funda chamado de Tirone desde quando assumiu a braçadeira de capitão do Sport do Anhanguera, aos dezesseis anos. Este, aliás, provavelmente foi o acontecimento que marcou sua transição completa para a fase adulta, já que trabalhava desde os oito e a virgindade já havia ficado pra trás há muito tempo. Começou cedo na orgia, o Velho. De fato, o beque-capitão do Sport tinha que ser um homem respeitado. A faixa não era pra qualquer um.

O Tirone era pra lá de brabo, embora esta “qualidade” não seja o centro de minha abordagem hoje, mas sim o seu insaciável apetite. Comia demais o homem. Uma de minhas lembranças mais remotas em relação à voracidade do Tirone foi quando, num lanche vespertino, ele mandou brasa em 12 - por escrito agora - doze pães franceses, do “cascudinho” da padaria da Rua dos Italianos, que era o pão francês que ele mais gostava (seu preferido era o italiano). Estávamos acostumados a vê-lo comer sete ou oito, mas nunca doze! Mas o que eu vi não se compara ao que ouvi de seus amigos e familiares, que presenciaram cenas vikings de exibição de seu poderoso maxilar.

Como eu dizia, eu gostava de acompanhá-lo, sempre nas manhãs de Sábado, até a esquina da Rua Anhanguera com a Rua do Bosque, embaixo da antiga sede do Anhanguera, onde ele se encontrava com amigos de cinco, seis décadas. Que beleza! Eu achava aquilo fantástico e lindo demais, como ainda acho uma amizade que se mantêm uma vida inteira. Vários senhores de mais de setenta na cara lembrando as coisas dos idos tempos. E eu sacava que, quando meu avô me mandava comprar qualquer coisa na padaria era porque eles comentariam alguma coisa que ele não quisesse que eu ouvisse. Provavelmente falariam de mulheres. Dentro de casa, ele não dava corda pra esses assuntos e inclusive desligava a TV quando alguma cena de beijo lingüístico estampava a tela. Exigia respeito, o Velho, dizendo: “Isso é uma pouca vergonha!”. O que eu sei é que ele não era flor que se cheirasse neste quesito também. Mas voltemos ao seu infinito estômago.

Num Domingo após o jogo, no bar Sempre Aberto estava lá o Velho (que na época não era velho) tranqüilo, bebendo com seu irmão, o Antonio. Um estranho, conversando com outro estranho, cismou que ninguém conseguiria comer uma senhora travessa de marias-moles que ali se encontrava, sob o vidro do balcão. Começaram os dois a discutir e um deles, nervoso, exclamou que pagaria duas caixas de cervejas para o homem que comesse aquela travessa inteira. Tirone, na hora, mandou para o dono do bar: “Bota essa travessa aqui, ô Manoel!”. O cara que pagaria as cervejas, neste instante riu muito. Para entender o motivo da gargalhada, vou pormenorizar a tal travessa. Eram 42 marias-moles e não eram comuns. Elas tinham 15 cm de comprimento por 8 cm de largura e 6 cm de altura, bem consistentes, não dessas ocas industrializadas. Ele amassava as marias juntando-as de três em três e ia devorando, até “limpar” a travessa. E à medida que isso acontecia, o apostador, esfregando os olhos, não acreditava que aquilo poderia ser verdade. O Tirone acabou de comer e foi pra casa. Antonio, pra tirar um barato do cara, pediu para Ayrton, seu pequeno sobrinho, ir até a casa do homem ver o que ele estava fazendo. O pequeno Ayrton voltou com a constatação: “Tio, o tio Osvaldo tá comendo um pratão de macarrão.”.

Este episódio das marias-moles é tão famoso quanto o da monstruosa marmita do barbeiro (de quem não me lembro do nome) da Rua Garibaldi. A marmita tinha 5 andares bem amplos, que eram sumariamente devorados por um ainda matreiro adolescente Tirone, que, assim como um gato sorrateiro, esperava o barbeiro se distrair para entrar no quartinho da barbearia e mandar tudo pro bucho. Isso durou algumas semanas, até o dia em que foi descoberto e perseguido pela rua por uma navalha prontinha para degolá-lo.

Mas o ápice de sua performance foi, sem dúvida, na inesquecível mesa de salada, na sede do Anhanguera, em meados da década de 40. Era uma reunião entre os diretores do clube, regada a muita cerveja e uma enorme mesa com variadas saladas. Todos os tipos de verduras e legumes estavam ali, sobre a “tauba”. Ao subir para a sede, o homem foi comunicado que não poderia permanecer e muito menos provar os muitos sabores disponíveis, ele que era um dos que mais lutavam pelas coisas da agremiação. O sentimento de revolta foi tão grande que, perante mais de vinte homens, o Velho não teve dúvidas. Abriu a braguilha e mostrou seu portentoso instrumento reprodutor a todos, que, sabendo da força dele, não ousaram bater de frente. Porém, a coisa ficou mais feia. Era claro que ele guardaria aquele troço e iria embora, mas não. Com a mão direita segurando firme, levantou os pés pra ficar na altura ideal para um ritual que durou cerca de 3 minutos, pincelando pacientemente toda a salada, até então intacta e “arrumada”, para incredulidade dos estarrecidos diretores, que ainda presenciaram, após o ritual, o Velho não deixar nem uma folhinha de alface pra contar história...

11 Comentários:

Anonymous Anônimo disse...

Arthur, não costumo comentar em nenhum blog, mas esse não vai ter jeito de passar batido, pois você está falando de uma pessoa que era como se fosse nosso pai, aliás ficavamos mais tempo junto com ele do que com nossos próprios pais, que trabalhavam, sensacional esse texto, tomara que não seja o último que você escreva dele, que é uma das melhores pessoas que eu já conheci na minha vida, e é sempre bom relembrar dele com aquela cara vermelha e aquela gargalhada com algumas engasgadas.

PS:O nome do barbeiro era Totó
Beijos do mano
Bruno Tirone

17 de agosto de 2007 às 14:11  
Blogger Craudio disse...

Porra, Favela, impagável esse seu avô!!!

E por essas e outras que eu abomino os vegetarianos hahahahahahahhahaha...

Abraços!

17 de agosto de 2007 às 17:16  
Anonymous Anônimo disse...

Esse velho era foda!
Num tinha um dia em que eu aparecia na sua casa que eu não dava risada com ele. Principalmente quando ele brigava com seu ''irmaozinho'' mais novo.
Ah se eu soubesse dessas histórias de saladas pinceladas à lá sarobadas...hahahahhaha

abraços

17 de agosto de 2007 às 21:32  
Anonymous Anônimo disse...

HAHAHAHAHAHAHAHAHHAHAHAHAHAHHA
HAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHHA ...
HAHAHAHAHAHAHHA ... Que loooooouco Seu Tironeee meu ... HAHAHAHAHAH ...
Inacreditável !!!!!! Hahahahaha ...
Esse deixou histórias pros netos viu ? Será que meu Vô Rolando ficou sabendo dessa ? Provavelmente. Hahahaha ... Anhanguera pra ele tb era lei. Quer dizer, pra eles ... Domingos, festas, amigos ...
E que saudade. Saudade boa, essa que caminha comigo, pro resto da minha vida. De Seu Tirone, e do Seu Rolando. Tenho certeza, que Seu Tirone está te aplaudindo muito, ou se cair uma gotinha na sua cabeça, cuidado, deve ser uma cuspidinha dele de leve, como mais uma de suas peripércias ...
Parabéns. Pelo texto, e sem esquecer, pelo evento de sexta.
Vc arrasa.
Beijooooos

19 de agosto de 2007 às 14:31  
Blogger Unknown disse...

Que maravilha! Estou chorando de rir, porra!!!

19 de agosto de 2007 às 23:29  
Anonymous Anônimo disse...

HAHAHAHAHAHAHAHAHA....PQP e ainda por cima mandou a salada pra dentro ...
Só de olhar pro seu avô ja dava pra imaginar histórias como essa, tava na cara dele......rssss


GIL

20 de agosto de 2007 às 16:58  
Anonymous Anônimo disse...

É, Artú, o vô realmente era um "espeto", como ele mesmo dizia.
Talvez vc ainda vá escrever sobre várias histórias do "nosso" velho Tirone, mas tem uma que adoro... É aquela do jogo entre o timão e o SP, cuja qual vc sabe o final e que não vou escrever aqui para não perder a graça.

bj Adri

20 de agosto de 2007 às 17:56  
Blogger Arthur Tirone disse...

Bruno: Só um texto falando do Velho pra arrancar um comentário seu! Totó! É isso. Valeu, beijo!

Craudio: Imagina viver sem comer aquela costelinha, aquele cupim... Sem chance!

Glauton: você ainda vai saber de outras histórias... Aguarde.

Carol: é certo que os dois, onde estiverem, estão fazendo alguma merda. Beijo e obrigado pela força!

Bruno Ribeiro: É ou não é foda essa história, mano?

Gil: Você, como o conheceu, não deveria se surpreender, né?

Adri: deixa comigo. Beijo.

21 de agosto de 2007 às 12:58  
Anonymous Anônimo disse...

È Arthur, o vô era soda com F, cada uma que ele aprontou, heim, e bem que voce falou, que não era só com comida, esperamos, por outras histórias do velho, um beijão.

21 de agosto de 2007 às 18:17  
Anonymous Anônimo disse...

ahahahah eu nao conheci o seu Tirone muito bem, mas pelo pouco que conheci, e pelo muito que ouvi falar dele, ele com cereteza era uma figura incrivel.
E agora eu já sei a que o Bruno puxou, ahahah
ÓTIMO TEXTO...e estou aperfeiçoando meu vocabulário ainda.

beejo arthuca

21 de agosto de 2007 às 20:35  
Anonymous Anônimo disse...

Cabra, muito bom !!! Graças a Deus tivemos o privilégio de viver 18 anos com aquele velho meigo e doce...hahahahaha. Não esqueça de escrever um história sobre o lenço dele. Mamãe !!! Essa merece.

Bjs,
Angelo

23 de agosto de 2007 às 18:42  

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