11 de mar. de 2010

O melhor emprego do mundo

A Inglaterra foi o palco do nascimento do capitalismo. No começo do século XV começa a se forjar as bases do mundo louco em que vivemos. A ilha tinha – tem – uma boa topografia para plantações. O sistema feudal, aos poucos, foi indo pro beleléu. Resumidamente, cercaram as terras, destituíram pequenos proprietários e a plantação de subsistência deu lugar ao cultivo de produção.

Este processo - a chamada Revolução Inglesa - veio com tudo e uma burguesia emergiu. Seu poder a cada dia aumentava. A concepção de mundo e de vida foi virada de cabeça pra baixo: agora quem produzia riqueza para o país é que deveria ser valorizado socialmente. A escravidão, neste novo cenário, remava contra a maré: paguemos salários – miseráveis, mas salários – aos trabalhadores; eles agora são consumidores.

Os membros da nobreza, que até então tinham seus luxos sustentados através dos impostos pagos pela ralé, passam a ser chamados de “parasitas”. De lá pra cá é assim que é: quem não tem trabalho não tem nada: nem teto nem moral.

E sobre trabalho é que quero falar. Lembro que no ano passado uma notícia estampou jornais do mundo inteiro: “O melhor emprego do mundo!”. O tal emprego, que consistia basicamente em “cuidar”, durante seis meses, de uma ilha na Austrália cercada de corais, arrebanhou milhares de inscritos de 200 países e foi conquistado justamente por um britânico, a um salário astronômico de 105 mil dólares. Imagino que Robinson Crusoé deve ter se revirado no caixão; ele, um náufrago numa ilha durante inacreditáveis 25 anos, ganharia mais de cinco milhões de dólares, proporcionalmente.

O que Ben Southall – o louro aguado que ganhou o emprego – não sabe é que o melhor emprego do mundo foi de outro homem: Antonio Carlos Apolinário; ele mesmo, Zulu!

Zulu já havia sido gerente de banco durante mais de vinte anos e já fora dono de três bares quando foi trabalhar na empresa de um amigo, uma firma que fabricava peças para equipamentos médicos. Acho que era isso, mas também pouco importa. Zulu foi contratado como gerente financeiro, função que tirava de letra. A saúde financeira da empresa correria bem, não fosse um mero detalhe: o dono. Se não me engano, seu nome é Cláudio.

Cláudio é, segundo meu mestre Zulu, o homem mais burro do mundo, com um agravante: é um cordeiro da mulher, uma megera que se metia nos negócios da firma. Após dois anos aconselhando o Cláudio a aplicar “ali”, reduzir custos “aqui”, melhorar a operação “lá”, tudo evidentemente sem sucesso, nosso bom Zulu tomou uma decisão séria – que fez questão de avisar ao patrão da seguinte maneira: “- Cláudio, você é muito, mas muito burro! Daqui pra frente não faço rigorosamente mais nada.”. E foi assim durante os outros nove anos em que lá permaneceu.

Sua rotina era invejável! Atentem: chegava às nove e meia da manhã. Lia, esparramado na cadeira e com os pés sobre a mesa, o jornal O Estadão inteiro - inclusive as propagandas. Saia para almoçar ao meio dia e voltava às duas da tarde. Recostado na cadeira, tirava uma pestana até as três, horário em que ia embora para jogar tranca no bar do Mauro, na Rua Dobrada. Essa dura e estafante rotina era bem paga: 3.800 reais, gastos dignamente em cerveja, cachaça e cigarro – diferentemente do britânico da ilha, que levava uma insuportável vida saudável.

Cláudio, o amigo-patrão, não tinha coragem de demitir Zulu. Sua mulher, no entanto, contratou cinco diretores com a função primordial de botar o negrão no olho da rua. Em pouco tempo os caras acabavam ficando amigos do Zulu e o deixavam em paz – motivo que fez com que eles próprios fossem despedidos. Um desses diretores, porém, era casca dura e começou a dar tarefas para o homem que, evidente, não as cumpriu. O diretor, certa feita, foi chamar-lhe a atenção e ouviu a seguinte frase, dita em tom baixo, amigável: “- Fulano, passa este serviço pro Cláudio. E me faz um favor: me deixa quietinho aqui no meu canto”.

No fim das contas, Zulu acabou sendo despedido após desfrutar um feriado prolongado de nove anos. Abriu seu bar na Dobrada – que bebeu inteiro -, e faleceu poucos meses depois. Muita gente acredita que ficou desgostoso porque não tinha mais o emprego – e aí a gente volta lá no começo do texto, com a concepção de sociedade que valoriza apenas os “que produzem”. A questão é simples: ninguém gostaria de perder o melhor emprego do mundo, ora!

A essa hora – são quase quatro da tarde –, onde estiver, certamente Zulu já está jogando uma partidinha de tranca.

5 Comentários:

Anonymous Anônimo disse...

Sensacional...Cabra. Mas uma pérola do nosso eterno Tio ZULA...hahahah.

Abs,

Angelo

11 de março de 2010 às 20:36  
Blogger Unknown disse...

Saudades do Zulu...

16 de março de 2010 às 16:03  
Blogger Mari disse...

Lindo! E você deve ter ligado no número dele...
Não me esqueço disso.

16 de março de 2010 às 17:15  
Anonymous Luiz disse...

Oi, Arthur. Tudo bom? Você pode adiantar, ao menos aqui nos comentários, quem será o convidado desta sexta-feira no Anhanguera dá Samba?
abs!

22 de março de 2010 às 10:41  
Blogger Arthur Tirone disse...

Luiz, o convidado é o Bira da Vila. Aguarde novidades aqui no blogue. Até sexta.

22 de março de 2010 às 18:05  

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