18 de jan. de 2010

Porranca excepcional

Tenho tentado desde o começo do ano, sem sucesso, falar com Daniel Frangiotti, o Gordo. Sendo ele um sujeito fundamental pra mim, confesso que fico meio perdido quando passo tanto tempo assim sem falar – ou melhor: beber – com ele. E falando nisso, eis aí uma das inúmeras qualidades que o Gordo detém: é um bom cachaça, daqueles que não tombam nem a cacete.

Exibindo um alto nível de desempenho etílico há anos, Gordo atingiu um grau de respeito insuspeito. Ainda ontem, no Anhangüera, comentávamos sobre a última sexta feira do ano no bar do Sinval, noite em que o homem mandou pro bucho uma garrafa de vodca, fora a cerveja. Depois, sedento, bebeu – junto do Xam e Ronaldinho - mais um engradado numa barraca de rua no ensaio dos Gaviões da Fiel – na esquina de sua casa.

Quem o conhece assim, de prima, chega a se assustar. Até eu, que já estou acostumado, às vezes não acredito como pode um fígado trabalhar de maneira tão acurada. Não hesito em dizer que o Gordo é um dos três mais eficientes que conheço no ramo. Mas até um bebedor calejado tem seus momentos de deslize. Lembro-me, em especial, de uma passagem hilária.

Durante muitos anos, Gordo foi o primeiro a chegar, todos os domingos, ao Anhangüera. No embalo da madrugada, fedendo a suor de cana e fumaça de cigarro, já ia pedindo uma Brahma às sete da manhã. Junto com ele chegavam os velhinhos e os pernas-de-pau que jogavam no Sucatão. Os velhos no cafezinho e o Gordo na enésima cerveja. Aliás, há que se fazer uma observação. Havia, até pouco tempo, uma profusão de anciãos na agremiação – infelizmente restam poucos; a quadra de bocha, símbolo maior das artrites e artroses, vive às moscas.

Teve um dia o Gordo chegou pior que de costume. Parece que tinha bebido até gasolina de foguete! Efusivo, abraçava os velhotes como se fossem seus amigos de infância: Cantava enrolando a língua, no melhor estilo “danusa”, a Mulata Bossa Nova: “- Diego toca a bola, Robinho deita e rola, e só dá Santos, lê lê lê lê lê lê lê lê, bota pra fuder!”.

Outra breve observação: Gordo é o único torcedor do Santos, no Bom Retiro, com menos de 50 anos. Os outros são o Tadeu e o Gaggini, este último freqüentador do Anhangüera e entusiasta do Gordo. A torcida praiana é tão insignificante que o nosso personagem é chamado na Torcida Jovem do Santos - torcida da qual ele chegou a ser diretor – como “Bom Retiro”. Carregar o peso de representar um bairro inteiro, pra mim, era um privilégio dos torcedores do Juventos – exceto o bairro da Mooca.

A empolgação demasiada do nosso Gordo tinha explicação: seu time jogaria a tarde no Pacaembu contra o Flamengo, pelo campeonato brasileiro, e seu ingresso já estava no bolso. O plano era continuar bebendo no Anhangüera e de lá seguir para o estádio municipal.

Em determinado momento, porém, a canjebrina bateu-lhe à cabeça violentamente. Gordo assistia ao jogo dos veteranos sentado numa cadeira encostada ao alambrado, perto do bar. Dormiu, roncou e babou de uma maneira nojenta. Exalava uma cruaca braba! Ali, todo desarrumado na cadeira, permaneceu por um bom tempo.

Os veteranos saíram e entrou em campo o 2º quadro rubro negro. Eu, inclusive, estava em campo – época e que ainda jogava. O jogo era contra um time da Zona Leste – não me recordo o nome do time – que tinha o uniforme todo branco. Começou o jogo e os moleques do time branco nos deram uma canseira danada. Ao lado do campo uma torcida composta por vinte ou trinta caboclos fazia barulho a favor deles. Imagino que a esta altura o bom Gordo estava naquele estágio do sono em que a realidade se confunde com o sonho.

O ponta direita deles, um negrinho habilidoso, driblou um, cortou outro e bateu na saída do nosso goleiro: golaço. A torcida, que estava pertinho do Gordo, gritou “gol”; o Gordo acordou ainda naquele estado inconsciente e se viu no Pacaembu: Santos um, Flamengo zero, gol de Robinho: gritou gol de uma maneira enlouquecida e deu um salto da cadeira que o fez se esborrachar no chão.

A gargalhada geral foi assustadora. Nêgo rolava no chão, outro perdeu o ar, outro dava murros na parede, ninguém se agüentava. A torcida adversária aderiu; perdeu a compostura de tanto rir. Com todo o barulho o jogo parou; todos os jogadores se amontoaram no alambrado pra tirar uma lasquinha também. Foi quando eu vi meu amigo de barriga pra cima – parecia uma tartaruga. Seu estado larval não lhe permitiria levantar, a cachaça era absoluta.

Num rompante de dignidade, Gordo se levantou com certa dificuldade e procurou uma única pessoa que poderia redimir um pouco da vergonha: Gaggini, o único santista da paróquia. Abraçou-o, enlaçou-o. Gaggini, naquele instante infernal, era seu cúmplice.

5 Comentários:

Anonymous Sylas Mello disse...

Pô,aí!Toda minha solidariedade ao Gordo,deste tambem GORDO,Santista,mas levemente passado dos cinquentinha.Abraços!

19 de janeiro de 2010 às 14:01  
Blogger Carol disse...

Hehehehe, excelente texto Arthur.
Muito bom.

O Gordo, apesar de encher a cara e de torcer para o peixe, tem um espaço muito grande no coração de todos que o conhecem né ? Você sabe bem, melhor que eu !!

Gordo ... Adoro você ...
E parabéns pelo texto Arthur.

Beijos

19 de janeiro de 2010 às 15:23  
Blogger Arthur Tirone disse...

Sylas, é difícil encontrar santista com menos de cinqüenta.
E repito: um sujeito ser conhecido na torcida do seu time pelo nome do bairro em que mora é demais!

Carol: Não entendi a relação entre "encher a cara" e "ter um espaço no coração da gente". Pra mim, uma não depende da outra...
Beijos.

19 de janeiro de 2010 às 15:51  
Anonymous Anônimo disse...

Cabra,

O Gordo merece muitos textos nesse espaço..pois ele é uma pessoa especial em nossas vidas.

Te adoramos Gordinho !
Abs,
Angelo e Nelma

20 de janeiro de 2010 às 18:54  
Anonymous Daniel Frangiotti (Gordo) disse...

Arthur, porra você é meu irmão, você é "imprestável" para mim, não "impresto" para ninguém", saudade mano!

Confesso, nessa época de 2002, 2003 e 2004 o Santos acabava comigo, era realmente uma grande emoção, só bebendo para aliviar euforia do coração santista aqui.
Aquele time mereceu cada porre loco que tomei, era lindo, lindo!

Obrigado Carol, também te adoro!
Angelo e Nelmas, vocês são especial para mim também, aliás toda família Tirone!

Sylas Mello! Mano! Viva no Peixe, abraço!

*Viva o Anhanguera!

20 de janeiro de 2010 às 21:05  

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