4 de nov. de 2009

Okê, Caboclo!



Meu gosto pelo batuque foi construído ainda no ventre materno. Eu já disse por aqui que uma das minhas lembranças mais remotas era a da minha mãe fazendo faxina em casa - impreterivelmente aos sábados pela manhã – ao som de Clara, Paulinho, Fundo, Beth e Martinho. Meu pai, antes do matrimônio, tocava caixa e repinique pelos pagodes do bairro e das peladas – eu e meus irmãos não presenciamos por razões óbvias.

O batuque encravado e encrostado em minha alma certamente não veio do samba. O samba me chegou depois. E quando me vi nesse “depois”, os crioulos velhos me chamavam de “pretinho”. Aos catorze comecei a arranhar uns acordes no cavaquinho (o que faço até hoje) e aos dezesseis me embrenhava em tudo quanto era samba; de quintal, de bar, de futebol e de favela. Sempre gostando de cantar os sambas pra santo, pras divindades, samba de macumba, de terreiro. Foi nessa época que eu virei o “Favela”, o branquinho que tinha “um pé na senzala” – ouvi isso trocentas vezes.

De vez em quando junta toda a família na casa da minha mãe e a gente faz umas cantorias. Fica bonito porque todo mundo é do riscado. Meus irmãos, nossas mulheres, meus pais... É um pagode de responsa. De vez em quando o Mimi – meu pai – pega a timba e dá mostras de uma versão bem peculiar. Valtinho, um amigão meu, certa vez me cutucou: “Esse jeito do seu pai tocar é estranho, mas eu gosto”.

Vai daí que toda vez que estamos fazendo esta confraternização – acho que o termo “ritual” cai melhor – familiar, volto pra uma cachoeira de infância nas festas em que eu ia, ainda bem fedelho, no meio de uma gente pobre e preta toda congregada pela Dona Joana, uma senhora doce que me metia muito medo de vez em quando. Eu não entendia como ela podia alternar de humor, de voz e de postura com tanta facilidade – fui sacar quando já era maiorzinho.

Mas o que me fascinava mesmo era a cachoeira; a água caía e o batuque corria. Essa lembrança vem antes da faxina nas manhãs de sábado. No atabaque da esquerda meu pai batendo o som que eu já estava acostumado há tempos. No centro da gira, entre tantos outros, minha mãe, penas e pemba.

Quando cheguei a este mundão, foi o Caboclo Pena Dourada quem riscou o chão e que me levou pra mata; foi ele quem me bafarou na cara o charuto do limpamento e que me assoviou no ouvido as coisas que sei-não-sei.

Em casa, minha mãe mantém um altar com imagens de Jesus Cristo, caboclos, preto-velho, Cosme e Damião, Nossa Senhora Aparecida, Zé Pelintra, Santo Antonio e outros santos. É o Brasil em seu estado-bruto, com toda a sua herança, rica em fé. E se eu sou do samba, sou antes de uma religião afro-brasileira, assim como toda a nossa riqueza musical sofre influência dos batuques para as divindades.

Fecho com o áudio de um ponto de caboclo que considero dos mais lindos e que canto pra os nossos ancestrais de pele morena; a primeira música que ouvi na vida. Salve, meu pai!

3 Comentários:

Blogger Unknown disse...

Okê Arô! Salve todos os caboclos desse Brasilzão! Mojubá, querido!

5 de novembro de 2009 às 11:24  
Blogger Luiz Antonio Simas disse...

Que beleza!

5 de novembro de 2009 às 15:32  
Blogger Unknown disse...

Belíssimo ponto !!!! Saravá !!

17 de novembro de 2009 às 16:41  

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