2 de out. de 2009

Concorrência leal

Acho uma boa comemorar aniversário em bar. Mas o aniversariante que se presta a tal papel tem por obrigação, se não arrematar a conta toda, pagar pelo menos algumas rodadas aos convidados. Ando com o pé atrás quando o convite é para comemorar em bar; compareço, sem pestanejar, quando o aniversariante é de confiança ou quando o bar faz parte do meu roteiro. O pessoal que estudou comigo no Mackenzie, por exemplo, só convida pra bar de fresco. Minha ausência é certa. Eles entendem minha negativa porque eu era o único que bebia, dia após dia, no Bar do Gênis, o boteco mais imundo ali das imediações. Fui o primeiro e único aluno daquela faculdade a pisar lá.

Há alguns anos organizei, no Bar do Sinval, um pagode de aniversário num sábado à tarde. Eu, que só mantenho contato com dois camaradas dessa turma, convidei o pessoal da faculdade. Para minha surpresa uma moça “antenada” reclamou que, após procurar em vários sites especializados em bares, não descobriu nada sobre o Bar do Sinval. No fim das contas veio só o povo da Barra Funda, do Bom Retiro e o couro comeu.

Minha relação com os donos dos bares da região - Sinval, Valter (do Fofoca), Dona Ana, Mauro – é de número baixo. Por isso prefiro ficar por aqui sempre que possível. O único problema é que todos esses bares fecham invariavelmente antes da uma da manhã (a exceção é o Fofoca que fica um pouco mais). Aí a gente que gosta de um biricotico tem que se aventurar em outras paragens – estou me referindo única e exclusivamente ao ato de beber -, o que não era necessário até a década de 50.

A Barra Funda – quando me refiro à Barra Funda obviamente falo do México, a parte de baixo do bairro – viveu duas décadas mágicas no quesito “bar”. Três bares se notabilizaram pelos nomes, pela proximidade um do outro, pela qualidade das cartas de bebidas, pelo rodízio dos MESMOS clientes – dizem que todo mundo bebia nos três - e, principalmente, pela cordialidade entre os donos dos três históricos bares: Nunca Fecha; Fecha Nunca; e Sempre Aberto.

Até hoje os velhos dizem que não houve melhor lugar pra se praticar o nobre esporte de enxugar umas ampolas. Todos os homens da Barra Funda e dos bairros adjacentes sabiam que, se quisessem entornar sem a preocupação de serem enxotados pelo dono do bar, era lá que deviam beber. O alvoroço era enorme. Em pouco espaço, três senhores botecos entravam noite adentro. No mapa abaixo ilustro: em vermelho o Nunca Fecha (esquina da Garibaldi com Cruzeiro), em verde o Fecha Nunca (esquina de Garibaldi com Anhangüera) e em azul o Sempre Aberto (esquina de Cruzeiro com Salta-Salta).


As histórias envolvendo os três bares são infinitas, mas já que falei sobre comemorar aniversário em bar, vou nessa toada. Naquele tempo não tinha esse negócio de bolo de aniversário pra marmanjo crescido – pelo menos entre os carcamanos daqui da área. Depois de um dia de trabalho era de lei ir para um dos três bares; fazendo anos ou não. Dizia meu velho avô, o Tirone, que quando um sujeito ficava mais velho, tinha por obrigação pagar cerveja no Fecha Nunca, no Nunca Fecha e no Sempre Aberto. Independente da ordem, os três donos já sabiam que tinham que esperar a comitiva de bêbados a hora que fosse, o que pra eles não fazia diferença, já que não abaixavam as portas mesmo.

Meu avô (o da esquerda) e alguns amigos no Fecha Nunca, em 1946.
Mas o mais bonito é que, em três dias do ano, dois dos bares fechavam suas portas. Era justamente quando aniversariavam seus donos: no dia do Teófilo, por exemplo, dono do Fecha Nunca, o Mateus, do Nunca Fecha e o Nelson, do Sempre Aberto, baixavam as portas e iam para o rega-bofe do Teófilo pra ter o seu único dia de cliente do ano. E assim, desprovidos da infecciosa regra da competição, quebravam uma única vez por ano a missão a que se propunham, que estava cravada nos nomes de seus bares.

4 Comentários:

Blogger Craudio disse...

Hoje esse prefeito fresco manda fechar tudo à 1 da manhã. Por isso que a corja de mau-bebedores se espalha e a gente fica refém de gente e de lugares que se acham no direito de, por exemplo, preferir uma bohemia a uma Brahma.

Sobre a despesa, tenho uma regra particular: me indigna quem sai antes da mesa e deixa moedas pra pagar sua parte. Ou fala que não tem e alguém cobre, ou deixa uma quantia que seja múltipla de 5 pra facilitar a contagem. Contar moedinhas quando se está bêbado é foda e, geralmente, elas não fazem nem cócegas no valor total.

Abraço, mano!

5 de outubro de 2009 às 12:12  
Anonymous Anônimo disse...

Muito bom esse texto Cabra....bagaçou na localização dos 3..eu nem lembrava.

Abs,

Angelo

6 de outubro de 2009 às 21:07  
Blogger Szegeri disse...

Grande crônica!!! Ou melhor, chronica! Saiba você que nos velhos tempos, o bar do Alemão, ali na Antarctica, não fechava. Hoje, na área, só o Souza, que apesar dos muitos pesares, merece um "salve".

14 de outubro de 2009 às 15:02  
Blogger Arthur Tirone disse...

Craudio: eu sempre fui daqueles que ficam por último pra fechar a conta; ou seja, eu sempre me estrepei!
Abraço.

Angelo: era essa a localização dos bares!

Szegeri: Realmente o Souza merece um salve. É um daqueles bares que salvam a nossa vida na madruga!

14 de outubro de 2009 às 15:36  

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