14 de jul. de 2009

Criança mente!

Para desespero da Milena, sou um entusiasta da sabedoria popular, dos ditos chavões. Mais por costume e formação do que propriamente pela crença neles. Minha avó Antonia se comunicava assim; falava todos os velhos ditados. Quando meu avô, o Velho Tirone, ficou velho, por exemplo, virou um homem carinhoso e passou a tratá-la com toda a pompa, bem diferente daquele boêmio machista de outrora. E a velha: “Relógio que atrasa não adianta!”. Como meus avós moravam conosco, minha infância foi carregada dessas sabedorias.

- Vó, até que enfim decorei a tabuada no nove!
- Água mole em pedra dura tanto bate até que fura.

- Não gostei deste par de meias de ursinho que ganhei de aniversário da tia Norma. Coisa de maricas!
- A cavalo dado não se olha os dentes.

Antes de continuar, preciso falar de uma coisa que sempre me intrigou. Minha avó foi registrada como Josepha Niola. Era este o seu nome. Na certidão de casamento, vinte e três anos depois, consta: Josepha Antonia Niola Tirone. Ela, que não gostava do Josepha e era devota de Santo Antonio alterou, à revelia, o próprio nome no dia do casório.

Aos poucos fui pegando a mania da velhinha Antonia. No auge dos meus dez anos bradava ditados mil para outros pirralhos. Exibindo meu vasto repertório, fui alçado à categoria de presidente dos Coiotes, a gangue desses moleques que só faziam jogar bola e infernizar a vizinhança apertando todas as campainhas e correndo serelepes. Lembro-me bem de uma vez em que jogávamos na Rua Boracéia quando a bola remendada estourou. Rápido no gatilho, peguei uma latinha de refrigerante amassada, driblei um, passei por outro e emendei um petardo. Saí imitando o Neto; em pleno asfalto queimando no sol ralei feio meus joelhos na comemoração. Um dos moleques se pôs a gritar que o gol não valeu. Eu, impávido, saquei da manga: - Quem não tem cão caça com gato! – Fui embora puto. Só fui chorar de dor quando dobrei a esquina e os garotos não me viam mais. No outro dia soube que a molecada – depois que eu fui embora - atazanou umas cinco vidas de um gato vira-latas. De certo, interpretaram mal minha frase.

Falando em criança, eis que chego enfim ao meu objetivo neste texto. Quero contar uma passagem que fez cair por terra um dos ditados mais famosos e indiscutíveis do Brasil. O de que criança não mente. Basta eu ouvir alguém arrotar isso que eu me arrepio inteiro. Criança mente, e mente indecorosamente. Abusam de um estatus de intocável no imaginário popular para desferir as mais deslavadas lorotas.

Sei, por exemplo, de um pirralho de três anos que apronta coisas jamais suspeitas. A família, espírita ao cubo, acredita que o petiz tem uma mediunidade atroz. O menino, que já sacou o troço faz tempo, não pensa duas vezes. Depois de aprontar as piores artes como cagar em público e chutar canelas alheias, começa a dar piruetas olímpicas e falar com gente invisível. Tem um amigão, o Marquinhos, que ninguém vê, só ele. A mãe, quando chega fula pra lhe aplicar umas boas palmadas, percebe que o debate entre ele e o Marquinhos está pegando fogo. E o que faz mãe? Corre pra acender uma vela e rezar para o erê deixar seu filho em paz. Estratégia melhor até hoje nunca vi!

Eu, de minha parte, tive uma experiência nada agradável. Com uns dezessete anos, andava com uns coroas – amigos de meu pai - que me ensinavam os meandros da noite. Certa feita estava eu na quadra da Camisa Verde e Branco com Paulinho do Cavaco, Domé e Gilmar. Estávamos, na verdade, do lado de fora, bebendo na barraca do Coquinho, onde se aglomera o maior número de vagais por metro quadrado do mundo. Em determinado momento, acendo um cigarro. Jogando conversa fora, sinto alguma coisa que passa zunindo e me derruba o cigarro da mão. Era um petiz endiabrado que corria de lá pra cá. Parecia, inclusive, com o moleque dos cigarrinhos Pan.

O fedelho esbarrou no meu cigarro, parou, olhou pra mim, esfregou a mão no braço e começou a chorar. A brasa o havia queimado. Isso tudo foi num instante. Eu chamei o moleque, mas ele não veio. Fui até ele, precisava acalmá-lo. Ele correu; zuniu novamente.

Depois de pouco tempo vejo de longe, no meio da multidão, o garoto de mãos dadas com uma mulher, provavelmente sua mãe, me apontando. Eu fiquei meio preocupado, mas continuei bebendo – já estava meio embriagado, é preciso registrar. Súbito, sinto uns toque no meu ombro, como se batessem numa porta. Viro-me e dou de cara com o peito de um homem. O crioulo tinha a altura de um sobrado.

- Foi você quem queimou meu filho, seu puto?

Daí pra frente, pra convencer o “da pesada” que focinho de porco não é tomada foi um “güai”. Quem me salvou foi o saudoso Hélio Bagunça que, quando me viu nessa gelada, chegou sorrateiro e comprou a briga. O negrão três por quatro, que era bicho solto – fui saber depois – não se atreveu a discutir com o maior e mais respeitado malandro das bandas, que emendou, pra acabar com a conversa, um provérbio do qual jamais duvidarei:

- Névoa baixa, sol que racha!

3 Comentários:

Blogger Unknown disse...

Muito bom Arthur...Agora me diga qual a proxima prorrogacao para o Anhanguera, sera dia 24 ou 31/07, quem sera a atracao desta vez?? OBRIGADA

14 de julho de 2009 às 13:27  
Blogger Unknown disse...

É isso aí, mano véio. Malandro é o gato, que já nasce de bigode. Beijo!

14 de julho de 2009 às 16:38  
Anonymous Anônimo disse...

Eu lembro vc contando essa lá em casa. É isso aí, malandro é o cavalo marinho que finge que é peixe pra não puxar carroça.

Bruno Tirone

15 de julho de 2009 às 17:00  

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