26 de mai. de 2009

Economia inútil

Dentre as minhas predileções, uma está bem aqui. Escrever me faz um bem danado. Principalmente quando imortalizo histórias do bairro, da várzea e das grandes figuras que esbarro pelo mundo afora – é importante ressaltar que este “mundo afora” não passa dos limites da Barra Funda, Bom Retiro e Casa Verde. Sou, e quem me conhece sabe, um sujeito fincado neste brejo.

Nestas mal traçadas que insisto há mais de dois anos, venho colecionando causos que me fazem sentir, nos momentos após escrevê-los, um homem cumprindo seu dever com sua gente e com o seu lugar. Escrevo muito raramente coisas do cotidiano; inclusive porque não é essa a finalidade deste espaço. Mas tenho grandes amigos que o fazem com maestria.

Lembro-me bem quando levei Fernando Szegeri e Bruno Ribeiro na portentosa Rua Dobrada, com o único objetivo de beber com Antonio Carlos Apolinário, o majestoso Zulu, um homem em quem penso todos os dias. Foi uma tarde sublime, com o negrão esbanjando categoria à mesa. Antes de sairmos, Bruno cravou: “- É preciso que se escreva o que passamos aqui!”. E pediu ao Szegeri que o fizesse. Meu compadre cerrou seus olhões marejados sobre o Bruno e decretou: “- Você é que escreverá”. Szegeri sabia que Bruno faria o serviço com destreza e precisão. E assim meu irmão escreveu; ninguém faria melhor. Bruno Ribeiro é um cabra que, quando o vejo, enxergo um espelho à minha frente. Assim é que são os amigos.

Mas há um tal – amigo nosso em comum - imbatível no quesito “cronista”; de nome Eduardo Goldenberg. Um tijucano de fina estirpe e de respeitosa linhagem. Edu é outro que reconheço como irmão. Através dele conheci os meandros da Tijuca, a Barra Funda da cidade maravilhosa. Em seu disputado Buteco escreveu, ontem, o texto “Os Tirone”, descrevendo a bênção dos encontros que nos fazem homens melhores. Meus pais ficaram emocionadíssimos, assim como ficaram quando foram alvo do Szegeri.

Lá, nos comentários do texto do Edu, Felipinho Cereal, outro tijucano imprescindível, tascou: “O Mimi está no nível máximo da espécie humana. O malandro é gente finíssima. Os Tirone formam uma família e tanto, foi um prazer enorme conhecê-los”. A amizade requer estas parcialidades e exageros inefáveis. Meu pai é mesmo um sujeito querido, capaz de inspirar comentários como este. E mais uma vez me disponho a falar sobre ele. Como eu dizia no começo, mesmo não sendo meu forte, neste texto abordarei coisas do cotidiano. Descreverei uma mania cada vez mais presente no jeito de ser do meu pai: a economia inútil.

Economizar, poupar, guardar. Cresci ouvindo isso. Por terem uma infância pobre e uma vida de casados sem regalias e pouco conforto, meus pais conquistaram o pouco que têm hoje dessa maneira. Nunca foram sovinas, muito pelo contrário. Minha casa sempre foi cheia, com muita festa, bebida, comida e gente. Mas o desperdício sempre foi combatido violentamente. Lembro-me do Velho Tirone raspando os pratos todos após o almoço; jogava no prato dele e mandava pro bucho: “- É pecado jogar comida fora”. Meu pai, de pouco tempo pra cá, foi se tornando um neurótico contra o desperdício inútil. Se por um lado gasta os tubos com cerveja, cigarros, comida e caxeta, além de umas viagens com minha mãe, por outro lado perde a paciência com os troços menos importantes, o que nos causa crises de gargalhadas.

Dentre suas manias, uma é a de guardar papel para rascunho. Corta em pedacinhos para anotar recados e fazer contas. Dias atrás atendi o telefone e anotei um recado pra ele numa folha de sulfite. Foi o suficiente para que ele ficasse puto dentro das calças. Usar toda uma folha virgem e pura para anotar um simples telefone; onde já se viu?

Certa vez minha mãe ganhou uns guardanapos de papel cheios de lero-lero. Com desenhos de frutas coloridas, os guardanapos eram enormes, com quase o dobro do tamanho convencional. Num almoço de domingo para os filhos e alguns sobrinhos, ela decidiu que era a ocasião propícia para usá-los. Arrumou a mesa toda com os talheres sobre os guardanapos cheios de fru-fru. Meu pai, prevendo o desperdício, rasgou, na surdina, todos os guardanapos ao meio. A metade “economizada” logicamente minha mãe jogou no lixo.

São muitos os exemplos, um mais cômico que o outro. O recorde de sua estranha obstinação se deu com o palito de dentes. Mimi é viciado na caixinha da Gina. Já o vi palitando os dentes após ingerir gelatina. Pois dia desses, após um farto almoço de Domingo, Mimi palitava os dentes ainda à mesa assistindo ao seu Palmeiras. Meu irmão caçula, o Bruno, solicitou: “- Pai, passa pra mim o paliteiro!”, e o velho, sem titubear, tirou o palito da boca, estendendo-o para o filho: “- Toma, palita com este lado que eu não usei”.

7 Comentários:

Blogger Eduardo Goldenberg disse...

Genial, genial, genial! Salve o Mimi, ansiosamente aguardado com a Caravana Tirone, para os dias 17, 18 e 19 de julho, quando estaremos, todos, no glorioso estádio do São Cristóvão, no embate contra o América!

26 de maio de 2009 às 14:45  
Blogger Mari disse...

Que lindo texto Artur! Parabéns...amei! Me lembrei dos telefonemas para o Zulu quando estavámos lá no Getúlio, lembra? Você é uma figura que eu adoro! Única!
Beijos aos dois, saudades!

26 de maio de 2009 às 21:59  
Blogger Arthur Tirone disse...

Valeu, Edu! Estaremos nas arquibancadas assistindo ao clássico, com a bênção dos deuses!

Mari, obrigado. Lembro-me muito bem daquele dia no Catete. Aliás, estou com uma tremenda saudade sua e do Bruno. Beijão!

27 de maio de 2009 às 11:43  
Blogger Felipe Quintans disse...

O Mimi é demais mesmo... Tá de sacanagem que palitou os dentes depois de comer gelatina? Se vocês vierem para o clássico que o Edu citou acima será algo extraordinário. É certo que este dia não será normal. Beijo para os Tirone.

27 de maio de 2009 às 11:52  
Blogger Unknown disse...

Grande Favela......... sem conhecer , gostei de graça do Mimi......ele é dos meus !!! rs..rs..rs..

27 de maio de 2009 às 14:45  
Anonymous Anônimo disse...

Esse é o MiKa Loka...muito bom o texto.
Bjs PAI !!
PS: Já estou 13,75% da minha condição física professor, já posso jogar, pois com isso já corro mais que o Arthur...hahahaha

Angelo

28 de maio de 2009 às 19:47  
Anonymous Nany disse...

iauhiuh esse é meu padrinho...
demais!!
só nao chega a ser tao pao duro quanto meu pai mas ta no caminho.. rsrrrs...
beijoss primoooo
parabéns seu blog tá cada vez mais show!!
te amo!

27 de junho de 2009 às 16:07  

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