2 de jun. de 2007

Hélio, Bagunça!

Presto-me a escrever hoje, Sábado, ainda que tardiamente, a Hélio Bagunça, uma figura legendária do samba paulistano e da Barra Funda. Tenho cá uma sensação de omissão em relação a este preto, um velho danado que me chamava de “fio”, com sua voz rouca.

O Tio Hélio, como eu o chamo, desapareceu no meio da noite no meio da semana. Até agora não sei a verdadeira causa, mas isso, pra mim, pouco importa. Ele já se foi e acabou.

Tínhamos uma relação curiosa e extremamente carinhosa, desde quando fui apresentado a ele pelo Gilmar, há uns dez anos, na quadra do Camisa Verde e Branco, sua casa em que exercia, de fato, um reinado absoluto.

Seu humor alternava com qualquer postura não condizente com seus valores e sua experiência que acontecia dentro da escola. Ele não gostava de ver meninas (crianças) sambando ao lado da rainha-de-bateria após certo horário, para ele (e eu concordo), impróprio para os pequenos. Dava bronca “braba” em mestre-sala que quisesse aparecer demais e em batuqueiro extravagante. Não aceitava o fato de as escolas de samba não passarem pra frente a sua história e os grandes nomes que fizeram tudo isso acontecer. Ficava puto da vida com o carro de som ou com o som de carro que, do lado de fora da escola, tocasse qualquer música que não o samba. Mandava desligar!

E quando ele ficava nesse estado, indignado, bebia muito vinho. E sempre que eu estava presente me chamava: “Fio, vem beber um vinho comigo”. Isso me orgulhava sobremaneira, visto que, entre amigos e admiradores, ele escolhera a mim, um branquinho quarenta e seis anos mais novo, que gosta dos sambas das antigas e que tem, pelos velhos, profundo respeito e sede de aprendizado. Ele sentiu essa parada desde o primeiro dia, ou melhor, desde a primeira noite.

Os causos deste homem são tantos que já esqueci de uma porrada, mas um marcou demais pela maneira como ele contou-me, já de dia, numa noitada na quadra, após uns shows esquisitos. Ficamos do lado de fora, nas barracas. Esta história, uma das mais fantásticas que conheço, retrata toda a rivalidade que existia entre Barra Funda e Bixiga, Camisa e Vai-Vai.

O Hélio Bagunça sempre viveu uma vida de malandragem, era temido. Assim como Pato N´água, mestre de bateria (na época falava-se apitador) da Vai-Vai, da pesada também.

Na rua Brigadeiro Galvão ficava o São Paulo Chic, ponto de encontro de sambistas, jogadores de futebol, vadios. Coisa da negrada. O batuque comia solto. Território do Hélio Bagunça, na Barra Funda. Pois que certo dia chega, sozinho, o Pato N´água. Sozinho! Saquem a “pegada”... Todos sabiam que aquilo daria merda.

Ele foi disposto a brigar. E com o Hélio. A intenção era desbancar o valente na sua área. Como num ritual, os dois postaram-se para a briga, que seria só de perna. A rua parou!
Pernada pra cá, rabo-de-arraia pra lá. O embate demorou. Após uns vinte minutos – há quem diga que brigaram por meia hora – o Hélio, visivelmente cansado e em desvantagem correu! Deu as costas e correu, para desespero e incredulidade do bairro inteiro. Ele jamais correra de uma briga. Pato N´água, pra humilhar, correu atrás. E aí é que foi estampada a traquinagem de Hélio Bagunça. Que estratégia! Quando o apitador correu e chegou a dois passos do Hélio, este botou a mão no chão e, de costas, desferiu o definitivo golpe que acabaria com a luta. Uma pernada no queixo e... Lona!

Essa eu ouvi da boca dele, entusiasmado. Interpretando, até me mostrou como foi o chute. Coisa linda!

Mas voltando, minha sensação de omissão é forte. Há um ano, na Contemporânea, o Hélio pediu-me ajuda, em qualquer sentido, para com seu projeto “Filosofia de Vida”, que tinha o propósito de valorizar a terceira idade. Uma escola de samba para a Velha Guarda. Ele estava atrás de terreno e outras coisas junto à prefeitura... Nunca movi uma palha e sinceramente não sei se o projeto continuará ou desaparecerá com ele. É isso que dá deixar pra depois.

Terça-feira, após sua missa, vamos eu, Zulu e Zé Augusto, grandes amigos do Hélio, encher a cara de vinho.

Obs: Leiam no Só dói quando eu rio, ótimo blogue do meu irmão Fernando Szegeri, sua história e contribuição para o samba e para a Barra Funda!

8 Comentários:

Anonymous Anônimo disse...

È Arthur, queira ou não, o berço da malandragem é a Barra Funda, pois, daqui é que saíram as figuraças, para os demais bairros, de São Paulo, e além do Tio Hélio como voce disse, existem mais um montão de peças que nos próximos causos, com certeza, voce irá nos brindar, valeu.
um beijão.

4 de junho de 2007 às 17:03  
Anonymous Anônimo disse...

Boa Kid!!!
aposto que vc ficou rachando o bico quando ele demonstrou o chute!!
uhauhahuahuuhauha
mostra pra mim um dia!!
uahsuahsuhasuas

abrass!!

4 de junho de 2007 às 18:06  
Anonymous Anônimo disse...

Coisas como Velha Guarda e tradição, são boas demais da conta!
Espero ansiosa pelo texto CAMALIÃO PIRA PIRA PIROU MANOW!!HUAHUhuHUAUHhuHUAhuahuHUUHUH
AHUuhUHUHAuhHUAHUhuHUAHUuhhuahuHUHU

BJOS
LOURDES

4 de junho de 2007 às 18:09  
Anonymous Anônimo disse...

Legal
Não conheço ngn
Mas bela história!!!!

Beijos!

5 de junho de 2007 às 16:55  
Blogger Craudio disse...

Grande Favela!

Se não é o Fernandão pra avisar, jamais teria chegado aqui.

É delicioso ler histórias das antigas, mostrando o quanto fizeram esses caras para manter um traço importante da cultura popular brasileira.

Ainda mais numa cidade como São Paulo, que cada dia que passa esquece-se de suas raízes e desvaloriza sua própria história, tudo em favor da tal globalização.

Aguarde, porque agora serei visita constante e o importunarei com comentários imbecis.

Abraço!

6 de junho de 2007 às 14:43  
Blogger Luiz Antonio Simas disse...

Favela, acabo de conhecer seu blog após a expressa indicação do grande Szegeri. Só tem coisa boa! Estarei sempre no pedaço.
Abraço

6 de junho de 2007 às 16:01  
Blogger Arthur Tirone disse...

Pai: é isso. A Barra Funda é um grande celeiro de bambas. Sorte nossa nascermos desse chão, né!

Julio: O chute é o de menos. O que realmente importa é a história, o Hélio. Eu não ri quando ele simulou o chute.

Ludmila: Aguarde, mas não conte pra ninguém. Eu estava bêbado e fiz a cagada de estragar a surpresa. Quanto à Velha Guarda, sim. Eles são nossos mestres!

Melissa: valeu!

Craudio e Simas: Que beleza. Sejam bem chegados aqui nestas bandas. A casa é nossa! Abraços!

6 de junho de 2007 às 16:42  
Anonymous Anônimo disse...

Vou escrever um livro:

"KID... o maestro da língua portuguesa..."

13 de junho de 2007 às 14:48  

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