Hélio, Bagunça!
Presto-me a escrever hoje, Sábado, ainda que tardiamente, a Hélio Bagunça, uma figura legendária do samba paulistano e da Barra Funda. Tenho cá uma sensação de omissão em relação a este preto, um velho danado que me chamava de “fio”, com sua voz rouca.
O Tio Hélio, como eu o chamo, desapareceu no meio da noite no meio da semana. Até agora não sei a verdadeira causa, mas isso, pra mim, pouco importa. Ele já se foi e acabou.
Tínhamos uma relação curiosa e extremamente carinhosa, desde quando fui apresentado a ele pelo Gilmar, há uns dez anos, na quadra do Camisa Verde e Branco, sua casa em que exercia, de fato, um reinado absoluto.
Seu humor alternava com qualquer postura não condizente com seus valores e sua experiência que acontecia dentro da escola. Ele não gostava de ver meninas (crianças) sambando ao lado da rainha-de-bateria após certo horário, para ele (e eu concordo), impróprio para os pequenos. Dava bronca “braba” em mestre-sala que quisesse aparecer demais e em batuqueiro extravagante. Não aceitava o fato de as escolas de samba não passarem pra frente a sua história e os grandes nomes que fizeram tudo isso acontecer. Ficava puto da vida com o carro de som ou com o som de carro que, do lado de fora da escola, tocasse qualquer música que não o samba. Mandava desligar!
E quando ele ficava nesse estado, indignado, bebia muito vinho. E sempre que eu estava presente me chamava: “Fio, vem beber um vinho comigo”. Isso me orgulhava sobremaneira, visto que, entre amigos e admiradores, ele escolhera a mim, um branquinho quarenta e seis anos mais novo, que gosta dos sambas das antigas e que tem, pelos velhos, profundo respeito e sede de aprendizado. Ele sentiu essa parada desde o primeiro dia, ou melhor, desde a primeira noite.
Os causos deste homem são tantos que já esqueci de uma porrada, mas um marcou demais pela maneira como ele contou-me, já de dia, numa noitada na quadra, após uns shows esquisitos. Ficamos do lado de fora, nas barracas. Esta história, uma das mais fantásticas que conheço, retrata toda a rivalidade que existia entre Barra Funda e Bixiga, Camisa e Vai-Vai.
O Hélio Bagunça sempre viveu uma vida de malandragem, era temido. Assim como Pato N´água, mestre de bateria (na época falava-se apitador) da Vai-Vai, da pesada também.
Na rua Brigadeiro Galvão ficava o São Paulo Chic, ponto de encontro de sambistas, jogadores de futebol, vadios. Coisa da negrada. O batuque comia solto. Território do Hélio Bagunça, na Barra Funda. Pois que certo dia chega, sozinho, o Pato N´água. Sozinho! Saquem a “pegada”... Todos sabiam que aquilo daria merda.
Ele foi disposto a brigar. E com o Hélio. A intenção era desbancar o valente na sua área. Como num ritual, os dois postaram-se para a briga, que seria só de perna. A rua parou!
Pernada pra cá, rabo-de-arraia pra lá. O embate demorou. Após uns vinte minutos – há quem diga que brigaram por meia hora – o Hélio, visivelmente cansado e em desvantagem correu! Deu as costas e correu, para desespero e incredulidade do bairro inteiro. Ele jamais correra de uma briga. Pato N´água, pra humilhar, correu atrás. E aí é que foi estampada a traquinagem de Hélio Bagunça. Que estratégia! Quando o apitador correu e chegou a dois passos do Hélio, este botou a mão no chão e, de costas, desferiu o definitivo golpe que acabaria com a luta. Uma pernada no queixo e... Lona!
Essa eu ouvi da boca dele, entusiasmado. Interpretando, até me mostrou como foi o chute. Coisa linda!
Mas voltando, minha sensação de omissão é forte. Há um ano, na Contemporânea, o Hélio pediu-me ajuda, em qualquer sentido, para com seu projeto “Filosofia de Vida”, que tinha o propósito de valorizar a terceira idade. Uma escola de samba para a Velha Guarda. Ele estava atrás de terreno e outras coisas junto à prefeitura... Nunca movi uma palha e sinceramente não sei se o projeto continuará ou desaparecerá com ele. É isso que dá deixar pra depois.
Terça-feira, após sua missa, vamos eu, Zulu e Zé Augusto, grandes amigos do Hélio, encher a cara de vinho.
Obs: Leiam no Só dói quando eu rio, ótimo blogue do meu irmão Fernando Szegeri, sua história e contribuição para o samba e para a Barra Funda!
O Tio Hélio, como eu o chamo, desapareceu no meio da noite no meio da semana. Até agora não sei a verdadeira causa, mas isso, pra mim, pouco importa. Ele já se foi e acabou.
Tínhamos uma relação curiosa e extremamente carinhosa, desde quando fui apresentado a ele pelo Gilmar, há uns dez anos, na quadra do Camisa Verde e Branco, sua casa em que exercia, de fato, um reinado absoluto.
Seu humor alternava com qualquer postura não condizente com seus valores e sua experiência que acontecia dentro da escola. Ele não gostava de ver meninas (crianças) sambando ao lado da rainha-de-bateria após certo horário, para ele (e eu concordo), impróprio para os pequenos. Dava bronca “braba” em mestre-sala que quisesse aparecer demais e em batuqueiro extravagante. Não aceitava o fato de as escolas de samba não passarem pra frente a sua história e os grandes nomes que fizeram tudo isso acontecer. Ficava puto da vida com o carro de som ou com o som de carro que, do lado de fora da escola, tocasse qualquer música que não o samba. Mandava desligar!
E quando ele ficava nesse estado, indignado, bebia muito vinho. E sempre que eu estava presente me chamava: “Fio, vem beber um vinho comigo”. Isso me orgulhava sobremaneira, visto que, entre amigos e admiradores, ele escolhera a mim, um branquinho quarenta e seis anos mais novo, que gosta dos sambas das antigas e que tem, pelos velhos, profundo respeito e sede de aprendizado. Ele sentiu essa parada desde o primeiro dia, ou melhor, desde a primeira noite.
Os causos deste homem são tantos que já esqueci de uma porrada, mas um marcou demais pela maneira como ele contou-me, já de dia, numa noitada na quadra, após uns shows esquisitos. Ficamos do lado de fora, nas barracas. Esta história, uma das mais fantásticas que conheço, retrata toda a rivalidade que existia entre Barra Funda e Bixiga, Camisa e Vai-Vai.
O Hélio Bagunça sempre viveu uma vida de malandragem, era temido. Assim como Pato N´água, mestre de bateria (na época falava-se apitador) da Vai-Vai, da pesada também.
Na rua Brigadeiro Galvão ficava o São Paulo Chic, ponto de encontro de sambistas, jogadores de futebol, vadios. Coisa da negrada. O batuque comia solto. Território do Hélio Bagunça, na Barra Funda. Pois que certo dia chega, sozinho, o Pato N´água. Sozinho! Saquem a “pegada”... Todos sabiam que aquilo daria merda.
Ele foi disposto a brigar. E com o Hélio. A intenção era desbancar o valente na sua área. Como num ritual, os dois postaram-se para a briga, que seria só de perna. A rua parou!
Pernada pra cá, rabo-de-arraia pra lá. O embate demorou. Após uns vinte minutos – há quem diga que brigaram por meia hora – o Hélio, visivelmente cansado e em desvantagem correu! Deu as costas e correu, para desespero e incredulidade do bairro inteiro. Ele jamais correra de uma briga. Pato N´água, pra humilhar, correu atrás. E aí é que foi estampada a traquinagem de Hélio Bagunça. Que estratégia! Quando o apitador correu e chegou a dois passos do Hélio, este botou a mão no chão e, de costas, desferiu o definitivo golpe que acabaria com a luta. Uma pernada no queixo e... Lona!
Essa eu ouvi da boca dele, entusiasmado. Interpretando, até me mostrou como foi o chute. Coisa linda!
Mas voltando, minha sensação de omissão é forte. Há um ano, na Contemporânea, o Hélio pediu-me ajuda, em qualquer sentido, para com seu projeto “Filosofia de Vida”, que tinha o propósito de valorizar a terceira idade. Uma escola de samba para a Velha Guarda. Ele estava atrás de terreno e outras coisas junto à prefeitura... Nunca movi uma palha e sinceramente não sei se o projeto continuará ou desaparecerá com ele. É isso que dá deixar pra depois.
Terça-feira, após sua missa, vamos eu, Zulu e Zé Augusto, grandes amigos do Hélio, encher a cara de vinho.
Obs: Leiam no Só dói quando eu rio, ótimo blogue do meu irmão Fernando Szegeri, sua história e contribuição para o samba e para a Barra Funda!
8 Comentários:
È Arthur, queira ou não, o berço da malandragem é a Barra Funda, pois, daqui é que saíram as figuraças, para os demais bairros, de São Paulo, e além do Tio Hélio como voce disse, existem mais um montão de peças que nos próximos causos, com certeza, voce irá nos brindar, valeu.
um beijão.
Boa Kid!!!
aposto que vc ficou rachando o bico quando ele demonstrou o chute!!
uhauhahuahuuhauha
mostra pra mim um dia!!
uahsuahsuhasuas
abrass!!
Coisas como Velha Guarda e tradição, são boas demais da conta!
Espero ansiosa pelo texto CAMALIÃO PIRA PIRA PIROU MANOW!!HUAHUhuHUAUHhuHUAhuahuHUUHUH
AHUuhUHUHAuhHUAHUhuHUAHUuhhuahuHUHU
BJOS
LOURDES
Legal
Não conheço ngn
Mas bela história!!!!
Beijos!
Grande Favela!
Se não é o Fernandão pra avisar, jamais teria chegado aqui.
É delicioso ler histórias das antigas, mostrando o quanto fizeram esses caras para manter um traço importante da cultura popular brasileira.
Ainda mais numa cidade como São Paulo, que cada dia que passa esquece-se de suas raízes e desvaloriza sua própria história, tudo em favor da tal globalização.
Aguarde, porque agora serei visita constante e o importunarei com comentários imbecis.
Abraço!
Favela, acabo de conhecer seu blog após a expressa indicação do grande Szegeri. Só tem coisa boa! Estarei sempre no pedaço.
Abraço
Pai: é isso. A Barra Funda é um grande celeiro de bambas. Sorte nossa nascermos desse chão, né!
Julio: O chute é o de menos. O que realmente importa é a história, o Hélio. Eu não ri quando ele simulou o chute.
Ludmila: Aguarde, mas não conte pra ninguém. Eu estava bêbado e fiz a cagada de estragar a surpresa. Quanto à Velha Guarda, sim. Eles são nossos mestres!
Melissa: valeu!
Craudio e Simas: Que beleza. Sejam bem chegados aqui nestas bandas. A casa é nossa! Abraços!
Vou escrever um livro:
"KID... o maestro da língua portuguesa..."
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