5 de jan. de 2010

Carta aberta ao Naná

Não imagino como possa ter sido seu Natal. Nem seu ano novo. Tenho sido um relapso, é verdade. Eu me desculpo e o autorizo a não me desculpar – perdoe também minha empáfia, às vezes não a controlo. Não te desculpo simplesmente porque não tenho o que desculpar. Não serei piegas pra dizer que eu poderia estar no seu lugar; nossas histórias são tão diferentes - apesar de termos vivido, a vida inteira, tão próximos, tão juntos.

Quero que saibas que nossa diferença de idade de apenas dois anos – e não a percebemos há tantos anos – foi, num tempo remoto, um abismo. Ela, aliada ao seu temperamento “sem medo”, te conferiu um posto que faço questão de lhe segredar: você foi o primeiro sujeito de quem tive medo.

Lembro-me de um dia em que o Angelo e eu jogávamos bola no Anhangüera entre outros moleques desconhecidos. Éramos uns fedelhos de sete anos. Os outros moleques eram da Favela do Gato; entre eles o Buiú que depois virou atração tocando pandeiro na Gaviões da Fiel, lembra dele? Acho que morreu matado há pouco tempo. O Buiú – um molequinho de merda, da nossa idade – era nosso camarada, e até outro dia me abraçava nas raras vezes em que nos encontrávamos. Naquele dia dois garotos que tinham seus onze, doze, deram uns tabefes na nossa cara, minha, do Angelo e do Buiú. A gente sentado na muretinha do campo apanhando, sem ter coragem de correr pro meu pai, que jogava baralho no bar do campo.

Eu só pensava que se você estivesse ali, talvez eu tivesse coragem de enfrentá-los. Eles acabaram indo embora e a gente nunca contou o episódio pro meu pai, com vergonha. Depois de pouco tempo você chegou e eu te contei; você disse tremendamente puto: - “Essas coisas só acontecem quando eu não estou!”. Infelizmente pra mim, eu pensei.

Sua personalidade sempre foi a de um desassossegado, irriquieto, assim como a minha; mas muito diferente da minha. Talvez por isso tenhamos mantido, durante muitos anos, uma distância de palavras, de idéias. No momento em que me tornei adulto, com meus ideais tolos – menos que os seus, eu sempre lhe disse -, e quando os mais velhos me davam moral, me achavam bacana, você foi ficando muito mais jovem do que eu. Suas conversas pra mim não faziam muito efeito – daí veio sua aproximação do Bruno, e assim nos mantínhamos próximos também.

Sou um cara que prezo pela amizade, pelo carinho, pelo respeito. Você só não me respeitou dentro de campo, e eu também; dentro de campo eu era um merda, mas mudei: parei de jogar. Você, que sempre teve muito mais intimidade com a bola do que eu, é um sujeito insuportável dentro de campo, saiba disso. Mas resolveu inúmeros jogos pro rubro negro da Barra Funda, clube que você jamais abandonou, mesmo com seus amigos todos do Bom Retiro jogando no Nacional.

Taí outra diferença entre nós dois: você é Bom Retiro de história, de sangue , de pai e avô. Eu sou Barra Funda. Mas, como sujeito homem mantém o lhe vem, você é Anhangüera, assim como é teu pai. E nós jogamos tantos anos juntos no mesmo campo em que nossos pais o fizeram – eles com muito mais classe, é bom frisar. No fim das contas, a gente sabe que preza pelas mesmas coisas. E isso nos une, mesmo nos tempos em que nos ignoramos, mesmo nós dois sustentando um orgulho que me enoja – e a ti também, tenho certeza.

Soube que você comanda o departamento de esportes, que conquistou grande respeito por aí. Isso pra mim não é surpresa; você sempre foi um cara de palavra, de olho no olho. Mas sei que teu Natal foi uma merda, e teu Reveillon também - assim como todos os outros dias, das cinco da madruga quando toma teu banho gelado até a hora que vai dormir, quando consegue.

Outro dia estive na casa do teu pai com o Bruno e o Pepe, dois grandes homens, grandes amigos teus. Tua mãe, não conseguindo segurar as lágrimas, contou-nos o que anda passando nesse inferno. Nossa humilde ajuda, um pouco tardia, não foi pra você, mas sim para os dois. Não é fácil passar o que eles estão passando. Chorei quando teu pai me contou os detalhes da visita que lhe fez.

A minha idéia era lhe enviar dois fardamentos completos do Anhangüera, mas não pode, né? Não pode nada aí... Tua mãe disse que você andou achando que não tem amigos. Grande besteira! Você tem muitos, os maiores deles dentro da tua casa. Este mundo aqui de fora faz questão de deixar a gente relapso.

Tenho certeza que seu próximo Natal será o melhor de todos. Vai coincidir com sua nova chegada. E o Mateus, teu filho, moleque de responsa, palmeirense roxo como o pai, vai agradecer pelo presente; ele é louco por você.

Te envio esta carta – que estou publicando também no blogue – para lhe dizer que sempre penso em você e que rezo à minha maneira por você. É também uma maneira de afastar de mim aqueles que lhe falam mal. De minha parte, não participarei da rodinha hipócrita que se fará em sua volta quando apareceres. Quero tomar uma cerveja contigo, nós dois, pra eu dizer o quanto gosto de você, meu amigo.

2 Comentários:

Anonymous Anônimo disse...

Arthur, meu irmão

Muito bonita essa carta que você escreveu, confesso que me emocionei, é difícil ver um amigo nessa situação, infelizmente não fizemos muito para ajudar as pessoas que mais precisam que são os pais do Naná.

De qualquer maneira esse ano podemos (e devemos) fazer um pouco mais por eles ajudando a controlar a ansiedade e tristeza do retorno do Naná.

E podem ter certeza que quando ele voltar, por mim, jogará conosco da mesma maneira que sempre jogou, não podemos julgá-lo, ele já cumpriu sua pena..espero e torço para que agora ele aprenda.

Bjs,
Angelo

6 de janeiro de 2010 às 19:33  
Blogger Szegeri disse...

"Foram para mim horas diferentes..."

11 de março de 2010 às 20:16  

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