O inesquecível gol de honra
Guardo grandes lembranças de espetaculares jogos que aconteceram no Anhanguera. Jogos esses que me marcaram de diferentes maneiras, seja pela qualidade técnica, pelos belos gols, por pancadarias, por grandes viradas ou por roubos descarados do juiz. Mas um jogo nunca sairá da minha memória. O dia em que nosso time, que à época “voava”, em meados de 2004, foi “amassado” de maneira humilhante por um time, digamos, bem superior. Mas não é pela derrota que sofremos que a peleja foi histórica, mas sim por um gol que teve importância ímpar.
Nossa derrota começou antes da bola rolar, ainda no vestiário, quando vieram nos avisar que o time adversário - não consigo me lembrar do nome do time, sei que é de Pirituba - acabara de chegar e trazia ninguém menos que Marcos Assunção (que já jogava na Espanha), Marcos Senna (acabara de deixar o Corinthians para ir pra Europa também) e Paulo Assunção (jogava no Palmeiras), além de outros quatro jogadores profissionais. Pois é, era período de férias do futebol europeu e o time era do irmão do Marcos Senna.
No nosso vestiário, um clima de velório tomou conta do ambiente, pois estávamos invictos a 49 jogos e ganharíamos da diretoria, como prêmio pela qüinquagésima partida sem perder, um belo churrasco de comemoração. Mas não foi só o clima de velório. Neste momento, teve jogador que vomitou, que desmaiou, nêgo simulou contusão ao se aquecer... Terrível. E ainda que ninguém assumisse essa posição derrotista, estava no semblante de cada um o temor de ser destroçado em seu próprio campo, frente a amigos e familiares.
Só para esclarecimento, pra quem pouco conhece de futebol, existe um abismo descomunal entre jogadores amadores, no caso nós, e jogadores profissionais, no caso eles. Principalmente no quesito preparo físico, do qual os caras eram privilegiados, enquanto nós, com protuberantes barrigas, éramos uma lástima. Principalmente eu, que corro pouco mais que um jabuti velho.
Os diretores de esporte, Renatinho e Moisés, que foram profissionais há uns 30 anos atrás, entraram, fecharam a porta e deram uma preleção com o intuito de acreditarmos na vitória, coisa parecida com essas pernósticas palestras motivacionais que tomou conta da cabeça dos técnicos. Por incrível que possa parecer, a maioria dos nossos jogadores se animou e começaram os gritos de “Vamos lá, porra! Pra cima deles!”, “Aqui é nossa casa, cacete!!”...
Quando, já à beira do gramado, aguardávamos para entrar em campo, voltei ao vestiário por algum motivo que não me recordo e dei de cara com os dois diretores ajoelhados frente a uma vela e uma imagem de Santo Expedito, o santo das causas impossíveis e urgentes, rogando: “Por favor, faça com que aconteça um milagre e o nosso time vença. Só hoje!”... Não revelei isso pra ninguém. Até agora.
Enquanto batíamos bola, o Sherra tomou uma arriscada decisão: “Vou dar um rolinho no Marcos Assunção!”...
Começou o jogo e ficou só no toque de bola. Eles tocavam pra lá e pra cá e não vinham pra cima, enquanto nós corríamos muito e também fazíamos a gorducha correr. O jogo estava parelho até os dez minutos e, com isso, pensamos que eles não eram nada daquilo... Aí é que começa o destroço. Quando achamos que jogávamos de igual para igual fomos despedaçados! Eles nos deixaram confiar em nosso potencial. Sentindo isso, o zagueiro deu o sinal, berrando: “Tá valendo, gente!”. Daí pra frente o que se viu foi um time correndo atrás da bola (no caso nós) e outro time brincando de jogar. Os lançamentos e viradas de jogo eram inacreditáveis, em sua maioria de três dedos. A bola, após sua trajetória elíptica, era dominada de maneira sutil, como seu tivesse grudado no pé do malandro que a ajeitasse, e logo já não estava mais no pé dele... Já estava com outro. Era só tapa “de prima”! Isso nos irritou, mas, cansados, não conseguíamos nem chegar pra “arrepiar”.
Quinze minutos de jogo. Falta no meio campo pra eles. Nosso goleiro, o Marquinhos, mandou: “Abre!”. O Senna enfiou uma castanhada no ângulo. A bola, que voou a 120 km/h fez umas doze curvas antes de entrar. Golaço. Detalhe: eu, jogando de meia armador, atuei na mesma faixa de campo que o Marcos Senna, o médio volante deles. Não peguei na bola.
O Sherra, quando teve a oportunidade, tentou meter o prometido rolinho no Marcos Assunção que, esperto, conseguiu roubar-lhe a bola. Roubou a bola e, perseguido pelo próprio, ameaçou lançar. Quando o Sherra inocentemente esticou a perna para interceptar a redonda, tomou um rolinho antológico e, resignado, cumprimentou o Assunção estendendo-lhe a mão, admitindo sua superioridade. Daí pra frente, tomamos chapéus, canetas, dribles da vaca, gol de chaleira, gol de bicicleta...
Vira o jogo. Quatro a zero. O que ficou nítido é que eles fariam gol quando bem quisessem. Já conformados e combalidos, só nos restava terminar a batalha dignamente. Jogando. Entretanto, como o jogo já estava dado como perdido, nosso técnico, o Marcelinho, colocou o Quincas - ele nunca entrava - em campo. O Quincas, pra quem não conhece é, sem dúvida, o pior jogador do Anhanguera dos últimos anos. Tem uns dois metros, é desengonçado, tropeça nas próprias pernas, “fura” todos os chutes e não ganha nem do Piolho (que tem 1,50m) no jogo de corpo. Ele era centroavante e nunca havia feito um gol. Um mísero gol... Nada! A única coisa que o Quincas fazia era proporcionar risos incontidos à torcida, principalmente à adversária. Ele consegue ser pior que o Da Lua, outro imprestável jogador que passou por lá...
Pra se ter uma idéia, existia um inenarrável sentimento de esperança na espera do inimaginável gol de Quincas. O milésimo gol do Rei Pelé e do Romário não chegam aos pés do que foi a ansiedade pelo primeiro gol de Quincas. Isso pelo menos na Barra Funda. Como sabíamos que a derrota era certa, apoiamos a entrada dele no jogo: “Ah, deixa ele jogar. Já apanhamos mesmo!”... “O churrasco já era. Que entre o Quincas”, “Ele ainda não jogou esse ano e já estamos em Junho. Deixa ele jogar!”, “Pelo menos vamos nos divertir.”...
Começou o segundo tempo e, no primeiro lance, nosso lateral foi à linha de fundo e cruzou. Do nada, dentro da área, reparamos um corpulento Quincas subindo num salto elegante. Ele estava iluminado e, neste instante, tudo parecia acontecer em câmera lenta. A bola chega, bate na molera do Quincas e entra, para uma explosão jamais vista, digna de gol do Brasil na Argentina em final de Copa do Mundo. Quincas, tomado pela emoção nunca antes vivida, deu de correr sem rumo, sendo parado quando a multidão enlouquecida pulou em cima dele, já na Rua Anhaia, formando uma verdadeira montanha humana e parando o trânsito. O jogo não teve como continuar...
Graças a ele nosso time não levou a maior surra da história do clube. E ainda teve churrasco de comemoração para o gol! Dá-lhe Quincas!
Nossa derrota começou antes da bola rolar, ainda no vestiário, quando vieram nos avisar que o time adversário - não consigo me lembrar do nome do time, sei que é de Pirituba - acabara de chegar e trazia ninguém menos que Marcos Assunção (que já jogava na Espanha), Marcos Senna (acabara de deixar o Corinthians para ir pra Europa também) e Paulo Assunção (jogava no Palmeiras), além de outros quatro jogadores profissionais. Pois é, era período de férias do futebol europeu e o time era do irmão do Marcos Senna.
No nosso vestiário, um clima de velório tomou conta do ambiente, pois estávamos invictos a 49 jogos e ganharíamos da diretoria, como prêmio pela qüinquagésima partida sem perder, um belo churrasco de comemoração. Mas não foi só o clima de velório. Neste momento, teve jogador que vomitou, que desmaiou, nêgo simulou contusão ao se aquecer... Terrível. E ainda que ninguém assumisse essa posição derrotista, estava no semblante de cada um o temor de ser destroçado em seu próprio campo, frente a amigos e familiares.
Só para esclarecimento, pra quem pouco conhece de futebol, existe um abismo descomunal entre jogadores amadores, no caso nós, e jogadores profissionais, no caso eles. Principalmente no quesito preparo físico, do qual os caras eram privilegiados, enquanto nós, com protuberantes barrigas, éramos uma lástima. Principalmente eu, que corro pouco mais que um jabuti velho.
Os diretores de esporte, Renatinho e Moisés, que foram profissionais há uns 30 anos atrás, entraram, fecharam a porta e deram uma preleção com o intuito de acreditarmos na vitória, coisa parecida com essas pernósticas palestras motivacionais que tomou conta da cabeça dos técnicos. Por incrível que possa parecer, a maioria dos nossos jogadores se animou e começaram os gritos de “Vamos lá, porra! Pra cima deles!”, “Aqui é nossa casa, cacete!!”...
Quando, já à beira do gramado, aguardávamos para entrar em campo, voltei ao vestiário por algum motivo que não me recordo e dei de cara com os dois diretores ajoelhados frente a uma vela e uma imagem de Santo Expedito, o santo das causas impossíveis e urgentes, rogando: “Por favor, faça com que aconteça um milagre e o nosso time vença. Só hoje!”... Não revelei isso pra ninguém. Até agora.
Enquanto batíamos bola, o Sherra tomou uma arriscada decisão: “Vou dar um rolinho no Marcos Assunção!”...
Começou o jogo e ficou só no toque de bola. Eles tocavam pra lá e pra cá e não vinham pra cima, enquanto nós corríamos muito e também fazíamos a gorducha correr. O jogo estava parelho até os dez minutos e, com isso, pensamos que eles não eram nada daquilo... Aí é que começa o destroço. Quando achamos que jogávamos de igual para igual fomos despedaçados! Eles nos deixaram confiar em nosso potencial. Sentindo isso, o zagueiro deu o sinal, berrando: “Tá valendo, gente!”. Daí pra frente o que se viu foi um time correndo atrás da bola (no caso nós) e outro time brincando de jogar. Os lançamentos e viradas de jogo eram inacreditáveis, em sua maioria de três dedos. A bola, após sua trajetória elíptica, era dominada de maneira sutil, como seu tivesse grudado no pé do malandro que a ajeitasse, e logo já não estava mais no pé dele... Já estava com outro. Era só tapa “de prima”! Isso nos irritou, mas, cansados, não conseguíamos nem chegar pra “arrepiar”.
Quinze minutos de jogo. Falta no meio campo pra eles. Nosso goleiro, o Marquinhos, mandou: “Abre!”. O Senna enfiou uma castanhada no ângulo. A bola, que voou a 120 km/h fez umas doze curvas antes de entrar. Golaço. Detalhe: eu, jogando de meia armador, atuei na mesma faixa de campo que o Marcos Senna, o médio volante deles. Não peguei na bola.
O Sherra, quando teve a oportunidade, tentou meter o prometido rolinho no Marcos Assunção que, esperto, conseguiu roubar-lhe a bola. Roubou a bola e, perseguido pelo próprio, ameaçou lançar. Quando o Sherra inocentemente esticou a perna para interceptar a redonda, tomou um rolinho antológico e, resignado, cumprimentou o Assunção estendendo-lhe a mão, admitindo sua superioridade. Daí pra frente, tomamos chapéus, canetas, dribles da vaca, gol de chaleira, gol de bicicleta...
Vira o jogo. Quatro a zero. O que ficou nítido é que eles fariam gol quando bem quisessem. Já conformados e combalidos, só nos restava terminar a batalha dignamente. Jogando. Entretanto, como o jogo já estava dado como perdido, nosso técnico, o Marcelinho, colocou o Quincas - ele nunca entrava - em campo. O Quincas, pra quem não conhece é, sem dúvida, o pior jogador do Anhanguera dos últimos anos. Tem uns dois metros, é desengonçado, tropeça nas próprias pernas, “fura” todos os chutes e não ganha nem do Piolho (que tem 1,50m) no jogo de corpo. Ele era centroavante e nunca havia feito um gol. Um mísero gol... Nada! A única coisa que o Quincas fazia era proporcionar risos incontidos à torcida, principalmente à adversária. Ele consegue ser pior que o Da Lua, outro imprestável jogador que passou por lá...
Pra se ter uma idéia, existia um inenarrável sentimento de esperança na espera do inimaginável gol de Quincas. O milésimo gol do Rei Pelé e do Romário não chegam aos pés do que foi a ansiedade pelo primeiro gol de Quincas. Isso pelo menos na Barra Funda. Como sabíamos que a derrota era certa, apoiamos a entrada dele no jogo: “Ah, deixa ele jogar. Já apanhamos mesmo!”... “O churrasco já era. Que entre o Quincas”, “Ele ainda não jogou esse ano e já estamos em Junho. Deixa ele jogar!”, “Pelo menos vamos nos divertir.”...
Começou o segundo tempo e, no primeiro lance, nosso lateral foi à linha de fundo e cruzou. Do nada, dentro da área, reparamos um corpulento Quincas subindo num salto elegante. Ele estava iluminado e, neste instante, tudo parecia acontecer em câmera lenta. A bola chega, bate na molera do Quincas e entra, para uma explosão jamais vista, digna de gol do Brasil na Argentina em final de Copa do Mundo. Quincas, tomado pela emoção nunca antes vivida, deu de correr sem rumo, sendo parado quando a multidão enlouquecida pulou em cima dele, já na Rua Anhaia, formando uma verdadeira montanha humana e parando o trânsito. O jogo não teve como continuar...
Graças a ele nosso time não levou a maior surra da história do clube. E ainda teve churrasco de comemoração para o gol! Dá-lhe Quincas!
14 Comentários:
huahuahauhauhauhauhauahahuhua
Olha o Quincas fazendo uma
uhauhahauahuahuahuahuahuahu
Gente boa ele!!!
Beijos Artur
Adorei esse texto!!!
uhaahahuuahahuahuahuauhauhahhau
Olha.... você conhece Tuca Maluca!!!
Hahahahahahaha...
Lembro muito bem do jogo e do rolinho antológico que tomei.... foi lindo.... até eu gostei... o pior foi tentar fechara as pernas depois do rolinhoe bater os joelhos, o que deixou o rolinho mais lindo ainda e mais feio pra mim....
Mas tudo bem.... não foi de qualquer um...
Abraços mestre....
ahaha, nao sei se fico feliz ou triste de nao ter jogado esse jogo; deve ser legal jogar contra os profissionais, mas tomar um pau desses é foda! ahaha
Voces falaram desse jogo domingo.
Muito bom arthuca, muito!
ps. você nunca mais acerta um chapéu daquele!
abraços
Muito bom, curti pra caramba... E o Quincas entrou para história, hein... Quem diria hehe.... Até que enfim ele usou aquela cabeça imensa pra algo útil...
Abraço D. Cabra
Hahahahahah ...
A-n-i-m-a-l.
Quincas joga muiiiitoooo ...
Fellipe Augusto, tentando dar rolinho. Nem em mim, no play2 w.e., ele consegue, imagina em campo. Essa eu queria ter visto.
Hahahahhahahahah ...
Todo domingo, as 3 da tarde, eu acordo. Graças* aos berros do Alêma. "Nossss tio, mã, vó ... Joguei mto ... Pergunta pro Fê ..."
Baaaasta eu levantar, e lá vem o pequeno, encenando detalhadamente seu desempenho em campo.
A alegria desses meus meninos, é o que me faz viver.
Anhanguera pra sempre.
Beijoooo Arthur ...
Quando ele num vem lá da Sergio Thomáz gritando: AAAAAAAAAI ÁRRRRXILU ! ÁRRXILU, ÁRRXILU, ÁRRXILU ...
Puta que inferno.
Hahahahahahahah
Mestre,
Custa-me crer na veracidade dos teus causos, tamanha é a perfeição dos elementos na tua narrativa.
Tudo disposto assim ritmado, como fosse roteiro de algum sonho teu.
Um Forrest Gump, esse Arthur.
Abraços fortes!!!
Grande Arthur!!! Obrigado pelos comentários lá no meu blog...
Esse texto está muito cômico. A parte "Principalmente eu, que corro pouco mais que um jabuti velho" é, na minha humilde opinião, a mais engraçada, além de ser a que eu mais me identifiquei...
Falando nisso, vamos combinar com o Valtinho e o resto dos caras de bater um futebas qualquer dia desses. É um bom pretexto para armarmos um churras acompanhado de cervejas bem geladas e boas risadas!!!
Grande abraço!!!
Melissa: Obrigado!
Sherra: Tudo o que você disse aí no comentário eu resumi no aperto de mão que você deu no Assunção!
Alemão: Minha especialidade é dar chapéus, mas só dentro de campo...
Carol: O Henrique começou agora... Daqui a pouco ele para.
Pompom: Você, como meu amigo, jamais deveria suspeitar, embora eu até entenda por não conheceres a magia da Barra Funda. Você, meu caro, já viveu histórias comigo que contém essa disposição ritmada. Ou não? Posso contar?
Vô: Vamos marcar sim. Aí, malandro, serão dois jabutis em campo! Abraço!
adorei tudo o que li... ainda não é o tudo disponível... sensível e ritmado como um curta... parabéns...aguardo também a sua visita...
beijos, tatiana
como sempre um monstro em seus relatos Kid !!
e preciso ir no AAA de domingo para conferir se sua habilidade também está transbordando por lá como nas quadras ... ou se ela só aparece contra times especiais !!
aquele abraço !!!!!
� Arturo...rsrs...muito bom...ahahaha...um dia serei convidado a participar desse time..nem que seja apenas um jogo de tr�s dentro tr�s fora...Bobo eu n�o sou n�o...rs
Dez velh�...nota dez...
Abra�o
Caputo
É Arthur, realmente foi um chocolate, fantástico, mas como o Quincas, entrou no jogo, conseguimos fazer o gol de honra, valeu pela recordação.
Grande texto arthur, só achei mancada me chamar de pior jogador do anhanguera e me comparar com o da lua...
vc pegou pesado...hahaha
mas esse gol que fiz eu nunca vou esquecer mesmo.
abs.
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