A morte do Saião
Quando a gente não tem o que escrever, dá de mexer na cara do blog. Há tempos que eu queria mudar a aparência deste espaço: assim, com menos branco e mais preto, o Anhangüera (o blog) fica mais rubro-negro ainda – pelo menos é o que eu acho. Engraçado é que, depois de 82 anos de existência, ainda tem gente que pensa que o Anhangüera é tricolor: é que, assim como o Flamengo, o rubro-negro da Barra Funda sempre se valeu do branco em seus uniformes. A primeira parte do nosso hino frisa bem essa questão, para não restar dúvidas:
Dizem que o preto é luto,
vermelho é guerra
E nós, então
Associação Atlética Anhangüera
Ainda hoje é tradição
Recebi há pouco um e-mail de um amigo perguntando se a mudança de cor seria definitiva. Imaginou que pudesse ser, este fundo preto, uma homenagem, um luto. E foi mais carudo: “- Alguém morreu?”. Nada disso, meu chapa: as novas cores nada tem a ver com outras hipóteses; foi por gosto meu, e só. Mas como o hino do clube fala em luto e meu amigo pensou nisso, me veio à cabeça a morte do Saião, há quase um ano.
Saião (não sei seu nome) nasceu em 1953 na Barra Funda, e lá se criou. Era uma espécie de “café com leite” devido à sua pouca capacidade de comunicação. Aprendeu a falar tardiamente – lá pelos sete anos – e raciocinava de maneira muito confusa. Quando uma criança com essas características se junta às outras, na rua, é batata: acaba virando marionete nas mãos dos outros. Assim, Saião era designado, entre os pirralhos, para fazer as piores tarefas infantis, aquelas que os moleques não tinham coragem, como passar a mão em mulheres desprevenidas, furtar frutas na feira e não fugir da briga com turmas rivais.
Saião cresceu, casou, teve filhos, e continuou a ser “café-com-leite”. Pegou fama de valente porque não arredava o pé em briga nenhuma – o que nunca lhe privou de tomar cacetes homéricos. É o único caso que eu sei de alguém que perdeu todos os dentes da boca apanhando – e nunca os repôs.
Depois dos trinta, Saião nunca mais se meteu em confusão. Eu o peguei num tempo já tranqüilo, engraçado. Eu me divertia vendo-o jogar no Anhangüera. Zagueiro, não hesitava em dar carrinhos inescrupulosos – saia do campo todo machucado, com as pernas arrebentadas, arranhadas pelo terrão. E ria da sua falta de técnica futebolística. Fora do campo, era um bom cachaça; sempre bebia com o Quito – o nosso roupeiro - após o jogo.
Viveu de biscates; nos últimos anos se declarava oficialmente eletricista e fazia serviços em pequenas firmas no Bom Retiro antes de ir embora pra Santos onde arranjou um emprego; e nunca mais apareceu no Anhangüera.
Não me lembro quem chegou, num domingo, anunciando sua morte. Um acidente de carro na descida da serra foi fatal para Saião. Isso tem uns onze meses. Apesar de ser um cara muito querido na área, ninguém foi ao seu velório. A notícia chegou com atraso de quatro dias. O povo da Barra Funda armou missa de sétimo dia e missa de um mês. Durante algum tempo uma tristeza se pôs sobre nosso clube. Tentaram entrar em contato com sua mulher, mas ninguém tinha o telefone, ninguém sabia onde ele estava morando. Aí lembraram que o Tatu – uma das maiores figuras da região – que morava em Santos há muito tempo e tinha uma bodega por lá, podia saber de alguma coisa. Tatu, chateado, confirmou sua trágica morte, dando detalhes cruéis do acidente.
Foi feita uma placa em homenagem ao morto - que foi fixada dentro do clube, na porta do bar. No mural, várias fotos suas foram coladas. Quito passou a acender, todos os domingos, uma vela ao lado do mural, e rezava pelo pobre Saião.
E a vida seguiu. Um domingo desses, alguém deu um balão na bola, que foi parar na rua. Como sempre, Quito saiu correndo no intuito de resgatá-la. Saiu pelo portão apressado e voltou mais ainda! O crioulo, num rompante, entrou no Anhangüera branco, gritando que havia visto um fantasma. Acharam que o Quito havia ficado louco e, pra não perderem o costume, tacaram latinhas vazias nele, tudo isso permeado por calúnias as mais terríveis.
Eis que adentra o Anhangüera, triunfante, o Saião. Triunfante nada, entrou do mesmo jeito de sempre: havaianas, bermuda e aquele sorriso carente de dentes – só ele não sabia que era um falecido. O rebuliço que se deu não preciso nem contar; depois se soube que fora tudo sacanagem do Tatu – e sobre este, falo outro dia.
Quito ficou em estado de choque - mesmo vendo o amigo ali, em carne e osso -, com a pulga atrás da orelha. Passou a referir ao Saião por “o defunto”.
Pelo que sei, a missa de um ano da morte do Saião ainda está marcada para domingo que vem, na Igreja de Santo Eduardo, à Rua dos Italianos. Vou checar e já aposto: Quito, pelo sim pelo não, estará lá.
Dizem que o preto é luto,
vermelho é guerra
E nós, então
Associação Atlética Anhangüera
Ainda hoje é tradição
Recebi há pouco um e-mail de um amigo perguntando se a mudança de cor seria definitiva. Imaginou que pudesse ser, este fundo preto, uma homenagem, um luto. E foi mais carudo: “- Alguém morreu?”. Nada disso, meu chapa: as novas cores nada tem a ver com outras hipóteses; foi por gosto meu, e só. Mas como o hino do clube fala em luto e meu amigo pensou nisso, me veio à cabeça a morte do Saião, há quase um ano.
Saião (não sei seu nome) nasceu em 1953 na Barra Funda, e lá se criou. Era uma espécie de “café com leite” devido à sua pouca capacidade de comunicação. Aprendeu a falar tardiamente – lá pelos sete anos – e raciocinava de maneira muito confusa. Quando uma criança com essas características se junta às outras, na rua, é batata: acaba virando marionete nas mãos dos outros. Assim, Saião era designado, entre os pirralhos, para fazer as piores tarefas infantis, aquelas que os moleques não tinham coragem, como passar a mão em mulheres desprevenidas, furtar frutas na feira e não fugir da briga com turmas rivais.
Saião cresceu, casou, teve filhos, e continuou a ser “café-com-leite”. Pegou fama de valente porque não arredava o pé em briga nenhuma – o que nunca lhe privou de tomar cacetes homéricos. É o único caso que eu sei de alguém que perdeu todos os dentes da boca apanhando – e nunca os repôs.
Depois dos trinta, Saião nunca mais se meteu em confusão. Eu o peguei num tempo já tranqüilo, engraçado. Eu me divertia vendo-o jogar no Anhangüera. Zagueiro, não hesitava em dar carrinhos inescrupulosos – saia do campo todo machucado, com as pernas arrebentadas, arranhadas pelo terrão. E ria da sua falta de técnica futebolística. Fora do campo, era um bom cachaça; sempre bebia com o Quito – o nosso roupeiro - após o jogo.
Viveu de biscates; nos últimos anos se declarava oficialmente eletricista e fazia serviços em pequenas firmas no Bom Retiro antes de ir embora pra Santos onde arranjou um emprego; e nunca mais apareceu no Anhangüera.
Não me lembro quem chegou, num domingo, anunciando sua morte. Um acidente de carro na descida da serra foi fatal para Saião. Isso tem uns onze meses. Apesar de ser um cara muito querido na área, ninguém foi ao seu velório. A notícia chegou com atraso de quatro dias. O povo da Barra Funda armou missa de sétimo dia e missa de um mês. Durante algum tempo uma tristeza se pôs sobre nosso clube. Tentaram entrar em contato com sua mulher, mas ninguém tinha o telefone, ninguém sabia onde ele estava morando. Aí lembraram que o Tatu – uma das maiores figuras da região – que morava em Santos há muito tempo e tinha uma bodega por lá, podia saber de alguma coisa. Tatu, chateado, confirmou sua trágica morte, dando detalhes cruéis do acidente.
Foi feita uma placa em homenagem ao morto - que foi fixada dentro do clube, na porta do bar. No mural, várias fotos suas foram coladas. Quito passou a acender, todos os domingos, uma vela ao lado do mural, e rezava pelo pobre Saião.
E a vida seguiu. Um domingo desses, alguém deu um balão na bola, que foi parar na rua. Como sempre, Quito saiu correndo no intuito de resgatá-la. Saiu pelo portão apressado e voltou mais ainda! O crioulo, num rompante, entrou no Anhangüera branco, gritando que havia visto um fantasma. Acharam que o Quito havia ficado louco e, pra não perderem o costume, tacaram latinhas vazias nele, tudo isso permeado por calúnias as mais terríveis.
Eis que adentra o Anhangüera, triunfante, o Saião. Triunfante nada, entrou do mesmo jeito de sempre: havaianas, bermuda e aquele sorriso carente de dentes – só ele não sabia que era um falecido. O rebuliço que se deu não preciso nem contar; depois se soube que fora tudo sacanagem do Tatu – e sobre este, falo outro dia.
Quito ficou em estado de choque - mesmo vendo o amigo ali, em carne e osso -, com a pulga atrás da orelha. Passou a referir ao Saião por “o defunto”.
Pelo que sei, a missa de um ano da morte do Saião ainda está marcada para domingo que vem, na Igreja de Santo Eduardo, à Rua dos Italianos. Vou checar e já aposto: Quito, pelo sim pelo não, estará lá.
9 Comentários:
Boa Cabra...ficou muito bom o fundo preto....
Fazia tempo que não líamos um texto...
Abs,
Angelo
Tudo bem, Favela, como dizem os mudernos, conceitualmente falando, tu tens razão em pintar de preto sua página, mas que ficou complicado ler, ficou, mermão!
Grande Zé Sérgio: meu blogue, que já vem apresentando um número ínfimo de visitas - acho que nem minha família não lê mais -, corre sério risco, a partir de agora, de ser um blogue morto-vivo. Se houver mais algumas reclamações, a gente vê o que faz. Por enquanto vai ficar assim.
Mudando: faz um tempão que não te vejo. Tens programada alguma vinda a SP? Porque eu acho que vou demorar a ir praí...
Eu também vou demorar a aparecer em Sampa, pois nem está pintando trabalho pelaí, nem dá para ir de visita, o que gosto de fazer aproveitando pelo menos o sábado. Sábado é dia de aula de pandeiro, tô nessa.
Se a família e os amigos não leem, o jeito é apelar pros desafetos.
Favelão, qualquer hora nos esbarramos, abração meu camarada!
Gostei do novo layout. Arthur, esses causos têm que virar livro! São demais!
Grande abraço!
demais ...demaisssssssss,grande favela
Quem toca no anhanguera sexta?
ola
sou aluna da anhanguera de bauru
faz 2 anos só temos ela ... + aki nao tem atletica da anhanhguera .. queria saber como eu faço pra ter uma isso depende do aluno né?
se alguem puder me responder me avizam por e-mail lucidamico@hotmail.com obrigada
meu nome é lucí
bjs
Lucí, lamento informar, mas este espaço não tem nada a ver com a faculdade Anhanguera. Somos a Associação Atlética Anhangüera, clube fundado em 1.928.
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