O peso da camisa
Domingo passado jogaram, pelas semifinais dos Jogos da Cidade, Anhangüera contra Nacional do Bom Retiro. O prélio aconteceu no campo do Nacional, que fica de frente para o Anhangüera, na Rua Anhaia.
Antes de falar do jogo, é preciso fazer algumas considerações. A primeira é que o futebol varzeano é infinitamente mais interessante que o profissional, e não vou perder tempo explicando o porquê – sobre isso já escrevi várias vezes.
Segundo é que, para falar de tal embate, é preciso remontar a história dos times. Não resta dúvida de que, há alguns anos, Anhangüera e Nacional sejam, de fato, os maiores rivais um do outro. Por um simples motivo: não há mais times na região! O fato de o Anhangüera estar localizado desde 1970 naquele espaço jamais alterou sua posição geográfica: somos um time da Barra Funda, e ali dentro é Barra Funda. Nosso grande rival sempre foi o Carlos Gomes, e tivemos outros como Grajaú, XV de Novembro e Faísca. Havia rivalidade com os times do Bom Retiro, mas aí a questão não remete à camisa, mas ao bairro. Jogar contra o Nacional ou contra o Junqueira, por exemplo, era a mesma coisa. No caso deles, a mesma regra.
Com o fim dos campos e, conseqüentemente, das instituições, sobraram, de maneira sofrida e não sem muito esforço estes dois times, tradicionalíssimos. O Nacional é de 1913 e talvez figure entre os dois ou três mais antigos da cidade, o Anhangüera é de 1928. Aí reside, na minha opinião, o charme do jogo.
Os dois clubes nunca foram times de função – também não estou disposto a explicar aos não-iniciados o que isso significa, já que este é um texto exclusivamente para os anhangüeristas -, a diferença é que o Anhangüera tinha muita visibilidade na região por causa de seus responsáveis corpos diretivos e pelos bailes e eventos sociais acachapantes. E assim a coisa perdurou, até que, há poucos anos, o Nacional sofreu uma intervenção da prefeitura e perdeu o direito de comandar o clube.
Aí começa outro processo histórico. Com o fim dos times da região nos últimos anos, a saída pra quem ficou sem pai nem mãe era ir para um ou para outro. O Anhangüera, no entanto, com uma postura mais conservadora, preferiu não abrir espaço pra muita gente, e passou por um racha interno que deu fim ao nosso primeiro quadro. O Nacional, como franco-atirador, abraçou essa gente, principalmente jovens do bairro entre 15 e 25 anos, incluindo alguns ex-jogadores do Anhangüera.
No campo, domingo passado, a configuração das torcidas era mais ou menos a seguinte: 70 torcedores do Anhangüera, com média de 50 anos, e 150 torcedores do Nacional, com média de 20 anos. Prefiro a primeira. E no campo, mais do nunca, confirmei a célebre frase de Nelson Rodrigues, que dizia que todo jovem é um cretino fundamental. O alambrado de um campo varzeano não é arquibancada do Pacaembu e a Quadrilha Maluca – é esse o nome da “torcida organizada” do Nacional; não confundam com a turma do Dedé Santana – não é a Gaviões da Fiel.
Tirante este assunto menor, vamos ao jogo.
Foi um senhor jogo, com chances para os dois lados. O fator campo sem dúvida fez uma diferença e o time alvi-negro deu uma pressão no começo. Depois dos 15 minutos, foi lá e cá, com o goleiro deles, com incríveis 1,60m, fazendo duas defesas inacreditáveis, com direito à acrobacias e piruetas. Um baita goleiro!
O Nacional vinha com a linha de frente a conferir: Ricardo e Nei, os dois ex-jogadores nossos, reconhecidamente bons atletas, o segundo tendo se criado no rubro negro, sob a batuta do velho Dinão. Ricardo vinha parado – pasmem! – há seis meses. Começo aqui a delinear o objetivo do texto, que está lá em cima, no título.
A camisa rubro-negra não é mole. É peso!
No final do primeiro tempo, gol do Nacional. De cabeça, Nei abriu o placar. O fato de ter jogado anos no Anhangüera o fizera várias vezes dizer que, contra nós, não jogaria; balela. Jogar contra nós, todo mundo quer; a nosso favor, ainda mais. No começo do segundo tempo empatamos com um golaço de Toni e sufocamos, até o time perder o volume depois da saída do mesmo, machucado, e do dia ruim do Pepe, nosso meia esquerda. Aliás, é preciso dizer que o camisa 10 do time do Nacional é, disparado, o melhor jogador deles.
O jogo ganhava toda a pinta de pênaltis quando, num vacilo em bola parada, a três minutos do fim, outro gol de cabeça; o mesmo Nei. No primeiro gol, havia comemorado de maneira tímida, quase pedindo desculpas. No segundo, sob a histeria da Quadrilha Maluca – meu Deus! -, um pulo ignóbil no alambrado, à la Ronaldo Fenômeno, denotou sua recorrente pequenez, numa demonstração patética e infantil de auto-valorização.
O jogador que fez os dois gols contra nós jamais decidiu em jogo decisivo a nosso favor. Trinta quilos a mais, vestindo a rubro-negra. A camisa que ilustra o texto não é pra qualquer um. Foi boa, a faxina!
9 Comentários:
Caro Arthur "Favela":
Como aprecio tua escrita.
Já te disse isso pessoalmente, mas vale registrar aqui também.
Em qualquer história sobre personagens e temas, de futebol, samba e sabe-se lá mais o que, tu bem navegas, confortável nos traços de tua linguagem.
Linguagem que constitui, apura e destaca ainda mais o conteúdo do que você sempre de forma sofisticadamente simples diz o que quer dizer.
Tua escrita caiu, pelo menos, no meu gosto.
Salve...
Cabra,
Primeiro parabésn pelo texto, simplesmente sensacional...vc destacou duas coisas importantíssimas:
1a) Anhanguera é Barra Funda e não B.Retiro
2a)O manto rubro negro pesa...não é para qualquer um carregar esse fardo, por isso eu digo:
Precisamos abrir o clube: sim....mas para garotada, como um dia nós tivemos essa abertura e não pra essa mulecada boba que se acha malando soltando bombinha e muito menos pra esses "ex-jogadores" que nunca fizeram nada pelo AAA.
Eu amo o Anhanguera e esse amor que foi passado de avô para filho e de pai para filho está acabando. Precisamos de uma reforma sólida e inteligente...nós cuidamos e sempre cuidaremos do clube.
Abs,
Angelo
Valéria: obrigado, querida. É bom saber que tenho leitores da sua estirpe que gostam de ler meus textos. Beijão!
Angelo: é isso aí. Mas do jeito que vai, se a rápa não for geral, vai ser difícil...
Oi, Arthur. Aqui fala um juventino.
Belíssimo texto. Concordo contigo, tem jogador que não merece a camisa que veste! Vamos em frente. Grande abraço!
Cara, tu tá escrevendo muito bem! Um blog a "ser descoberto"!
Grande abraço,
Fala Kidd!!
caramba... fazia uma cara que eu não entrava aqui...
e vejo que perdi muita coisa... você não perdeu a "canetada" e disse bastante a respeito da varzea e do AAA....
é isso ae..
"DIZEM QUE PRETO É LUTO, VERMELHO É GUERRA..."
Abraços!!
Luiz: valeu. E dá-lhe Juventos!
Grande Jabor! Pô, já tem uns 10 anos que não nos vemos, hein? E o pessoal da Federal. tem visto? Se armarem alguma, convoquem-me! Abração.
Julio: Aqui é Anhangüera, porra! Apareça lá, qualquer domingo, pra beber uma Brahma comigo. Abraço.
Solicito o esclarecimento de um pequeno detalhe obscuro para este néscio: por que, diabos, confirmando-se o empate, a partida teria de ser decidida nas penalidades???
Compadre, a primeira frase do texto explica: o jogo valia pelas semifinais dos Jogos da Cidade.
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