18 de out. de 2007

Durão e o carvão danado

Escrevo, após sete meses de blog e por isso tardiamente, sobre um dos maiores ícones do Anhanguera. Um batalhador apaixonado pelo rubro-negro que durante seis décadas emprestou seu coração e seu suor ao clube, recebendo em troca a consideração e o respeito dos muitos associados que passaram por lá durante todos estes anos, além da gratificante sensação de dever cumprido por seus sucessores terem mantido, cada um com seus limites, mas nunca como ele, essa filosofia de entrega à agremiação, única condição possível de sobrevivência para um clube varzeano.

Falo de Luis Marques, o Durão, o maior diretor de patrimônio que o bairro já viu. Seu zelo pelas coisas do clube era tanto que o homem chegava a ser, às vezes, insuportável. Seu apelido, inclusive, é o retrato de toda a sua impaciência para com as atitudes por ele impugnadas. Talvez a maior referência em relação a essa sua impaciência sejam os grandes bailes promovidos na sede do clube nas décadas de 40 a 60, dos quais Durão era uma espécie de guarda, pronto para combater tudo o que fugisse à regra. Aliás, era comum essa prática, nos clubes que organizavam bailes, de ter alguns diretores designados para manter a ordem e o respeito ao ambiente familiar, como nos famosos bailes de carnaval do Triângulo da Lapa e do Rugerone da Água Branca.

Em um dos muitos bailes promovidos pelo Anhanguera (que era freqüentado também por gente de vários bairros vizinhos), contou-me outro dia, o Cirilo, que foi vítima da fúria do Durão, fato que lhe causou o maior constrangimento de toda sua vida. Era começo da década de sessenta e o baile foi promovido para os jovens. Os rapazes, no auge da puberdade, sonhavam noites e noites antes da festa em tirar uma garota pra dançar e conseguir, se a moça deixasse, é claro, dar aquela roçada, uma boa ralada de coxa. Isso era suficiente para um mês de sonhos e imaginações eróticas. Porém era difícil uma moça que deixasse o contato ficar muito próximo. Cirilo, um aprendiz à época e sem sofrer ainda os encostos do Johnny, tirou uma rapariga pra uma música lenta. Era bonita e safada, a danada, pra sorte do Cirilo. No auge da trama, no escurinho do salão, já com a braguilha aberta e o guatambu solto passeando entre as pernas da donzela, encenava uma dança apaixonada. O Durão, percebendo a pouca vergonha ali na sua fuça, mandou a banda parar repentinamente, acendeu as luzes e botou pra correr o durão Cirilo. Um tremendo vexame sob gargalhadas mil.

Com a molecada mais nova, menor de doze anos, a marcação era braba também. Conta meu pai que, nessa mesma época, ele e seus amigos tentavam, na malandragem, invadir o baile. O caça-penetras Durão arrancava um por um puxando os fedelhos pela orelha. Era odiado pelas crianças, já que não tinha saco pra assuntos que não fossem sérios e atitudes sem juízo.

Depois dos sessenta anos, Durão ficou responsável apenas pelo departamento de bocha e ali permaneceu como diretor até seus oitenta, em 2000, quando decidiu ficar com sua família no interior. Jogava sua bocha todos os Domingos e cuidava daquela quadra como se fosse sua casa. Porém não perdeu nunca sua maneira imperativa de conduzir as coisas, o sério homem.

A última demonstração de autoridade e impaciência do Durão foi exercida há uns dez anos atrás, pra cima de três grandes tranqueiras do bairro, que nunca foram membros do clube e nem sequer iam beber por lá. Eram Caveira, o falecido Vla e o neguinho Tida, três caras que é bom evitar. Os três chegaram às sete da manhã no Anhanguera, vindos de uma noitada na quadra dos Gaviões da Fiel, que é ali pertinho. Vieram já bêbados e com um enorme peixe (que eu não sei qual) a tiracolo pra coroar a embriagante noite. Peixe na churrasqueira assistindo aos jogos do Anhanguera. Que beleza!

O Waldir, ele mesmo, o Diabo, que era o presidente do clube, notou que os três estavam virados e muito loucos de cachaça e tudo mais. Sabendo da procedência deles, pediu pra que o Caveira armasse a churrasqueira do outro lado do campo, bem embaixo das grandes janelas da quadra de bocha, pra que não incomodassem ninguém. Esqueceu-se, o presidente, de que na bocha o velho Durão já arremessava o bolim logo cedo.

A churrasqueira foi acesa, assim como um enorme baseado, uma bucha que mais parecia o dedo do King Kong. O cheiro da erva queimando subiu e tomou conta do ambiente, adentrando as instalações da bocha e as narinas dos velhinhos que ali disputavam. O Durão, já com seus oitenta, puto da vida, saiu da quadra, encheu um balde de água e, sem pestanejar, deu um banho na churrasqueira e nos três incrédulos baderneiros, acabando com a festa e alegando:

- Esse carvão fede pra cacete. Está me deixando tonto!

*** Durão foi homenageado várias vezes, inclusive a quadra de bocha leva seu nome numa placa recebida por ele na última vez em que esteve no clube, em 2005. Faleceu há um ano, aos 87.

3 Comentários:

Anonymous Anônimo disse...

o Johnny curte umas safadas desde sempre entao?? hahahaha
e mais um belo texto Arthur!

Abraços

18 de outubro de 2007 às 14:18  
Anonymous Anônimo disse...

Arthur, existem grandes personagens na Barra Funda/Anhanguera, mas o Durão sempre será lembrado no Anhanguera/Barra Funda

Parabéns.

Titio

19 de outubro de 2007 às 09:41  
Anonymous Anônimo disse...

Hahahahahahhaha ...
Muito boooommm ... O Durão botou o Durão do Ciriri pra correr ... ahahahahahhahaaahahahhaaahahaahaha ...
Ameii ... muito ...
Eh verdade né ? nessa época tinha mtto dessas coisas de não poder sentar no colo, de nao poder se beijar na frente da família !!!
Eu tenho uma pedra preciosa assim, com esses pensamentos aqui em casa. A vó !
Tem que respeitar né ?
Não tem jeito !!!!!!

Beijooos Tucaaa !!!

23 de outubro de 2007 às 14:36  

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