Senhoras & Senhoritas
“É deixar o barco andar e a vida prepara as surpresas que nos salvam neste mundo sofrido pelo desencantamento”, é o que sempre diz meu grande amigo Bruno Ribeiro. Dele recebi hoje um e-mail com fotos de uma pelada do Pátria Futebol Clube, um dos maiores times do Brasil (tive o prazer de conhecer sua sede semana passada), na década de 60. Ele as postou em seu Botequim. Revelei ao Bruno que estava há três dias pensando em falar sobre o Senhoras & Senhoritas, que marcou época na Barra Funda. Por isso digo que coincidência – perdoem, sou um lorde – é o caralho.
O ritual masculino de se vestir de mulher em determinados eventos é coisa antiga; de séculos. No Brasil, o “futebol de saias” é tradicionalíssimo de norte a sul praticamente desde que o próprio esporte bretão por aqui deu as bolas. A divisão dos times, no entanto, é o que mais me fascina; o critério mais justo possível, que não se pauta em posição econômica ou social, ou em habilidade futebolística, mas simplesmente numa escolha pessoal: o famoso Casados X Solteiros, o clássico mais antigo da história do futebol. Além de milenar é o de maior freguesia, com os casados ostentando 100% de aproveitamento. Já assisti e participei de incontáveis prélios e garanto que nunca soube de uma derrota dos casados. Se os solteiros ganham, esteja certo que há vários amasiados no time, o que não legitima a quebra do tabu. Apesar de a média de idade e as barrigas serem maiores que as dos solteiros, o quesito “experiência” sempre se sobressai. É uma Lei Universal; os casados ganham.
O primeiro troféu do Anhangüera, datado de Maio de 1.929, é de um jogo entre casados e solteiros. Nos anos 40 e 50, poucos dias antes do tríduo de Momo, havia um festival envolvendo quase todos os times do bairro. Era uma espécie de Torneio Início, com os homens todos vestidos de mulher. Depois, na década de 80, pelas mãos do saudoso Dinão, que criou junto com Coquinho o legendário Senhoras & Senhoritas, que acabou virando bloco, a coisa voltou com tudo, chegando a botar na Rua mais de 1.000 homens usando saias e batom.
Dinão chegou à Barra Funda nos anos 50. Criado na Zona Norte, sempre participou em associações de bairro, em reivindicações junto a políticos por espaços sociais e, principalmente, em butecos e orgias. Em pouco tempo Dinão já era diretor do Anhangüera e, mais que ninguém, deu atenção especial às crianças. São várias as gerações que começaram a bater bola nos times do “Seu Dino” e, depois, já barbudos, continuavam pedindo sua benção. Desde a categoria Mamadeira até o Juvenil era com o velho, que abria as portas do clube para a molecada do bairro, para os filhos dos amigos e associados e para os meninos da Favela do Gato jogarem bola e depois comerem lanche e pipoca; tudo pago. O dia das crianças, sob sua batuta, tinha jogo de todas as categorias, churrasco, sanduíche e brinquedo pros inúmeros pirralhos que depois se espremiam em volta de sua imensa pança para ainda receber do velho uma medalha de “honra ao mérito”. Na foto abaixo Dinão está de boina.
Dinão inventou o Bloco dos Acqualoucos. Uma vez por ano, perto do Carnaval, uma grande turma do bairro descia a serra e ia pra Santos encher o pote.
No ano de 1.980, Dinão atinge seu ápice fundando o Senhoras & Senhoritas e o que começou com meia dúzia de avariados se transformou, em menos de uma década, numa das maiores festas de rua da história da Barra Funda. Dinão tinha um carisma fantástico. As pessoas o rodeavam; crianças o viam como um vovô carinhoso, homens adultos como um mestre e as velhas como um galanteador charmoso. Gostava como poucos de um rega-bofe. Quando o Senhoras & Senhoritas tomou proporções inesperadas – já elevado à categoria de bloco com carros alegóricos e a porra toda -, Dinão saia à frente rodando a saia. Quando algum incauto não travestido se aproximava para fazer as brincadeiras mais estúpidas como “Aí Dinão, assumiu a viadagem!”, o velho sacava de debaixo da saia uma piroca de borracha enorme, esperava o otário virar as costas e batia na bunda do pilantra.
O “esquenta” era no bar da esquina da Rua do Bosque com a Cruzeiro. De lá, a banda puxava os bárbaros e o bairro inteiro saia pra acompanhar. As ruas iam sendo tomadas até o campo do Anhangüera, para a disputa dos casados contra os solteiros, em que os jogadores já chegavam bebaços. Algumas personalidades apareciam no bairro apenas para o Senhoras & Senhoritas, como um crioulo que se auto intitulava Nega Maluca; nunca ninguém soube seu nome.
Dinão, um dos grandes líderes populares do século XX, mesmo após ter a perna arrancada pela diabetes (pouco depois foi oló), manteve-se inabalável. “Façam festa e pensem nas crianças” era o lema de Dinão. O menino Dinão.
6 Comentários:
Coincidência é o caralho !!!
Belo texo, e belas fotos!!
Até o Maozinha entrou na roda...e fazendo charme ainda!
hahahahha
abraços
Ah, meu irmão!!! Estou me esbaldando de rir aqui com as fotos!!! Que beleza, que beleza!!! Coincidência é o CARALHO DO PADRE!!!
Tempos que não voltam mais....infelizmente, pois hoje não temos mais Dinões.
Angelo
Putalamerda, que fantástico!
Vê se deixam fazer isso em condomínios?
Abraço!
Tirone de uma figa, belo texto e belas fotos. Viva a Barra Funda!
HEHEHE FAVELA BONS TEMPOS DE CRIANÇA PASSAMOS EU VC O ANGELO BRUNO SERGIO EM FAZ FALTA ESSA E OUTRAS PERIPERCIAS Q APRONTAVAMOS NESSE CLUBE E COM ESSE PESSOAL PENA Q HJ COMO DISSE O ANGELO Ñ TEMOS MAIS DINÕES......
Postar um comentário
Assinar Postar comentários [Atom]
<< Página inicial