Um craque anônimo
Eu vi, com olhos de ver, poucos jogadores desses que brincam com a bola; que desfilam com a redonda e protagonizam a beleza que encanta a quem não desfruta de tal intimidade. Abençoado, o boleiro é guardião de um segredo perene, o de ser confidente daquela que se deixa levar em seu pé e que estanca, macia e cheia de graça, em seu peito. Eles se entendem e se procuram; deslizam como se nada nem ninguém pudesse os desunir, a não ser pela força bruta; único recurso possível para o medíocre apaixonado não correspondido.
Um desses, e que me motiva a essas mal-ajambradas, é um grande amigo. Antes, porém, há que se deixar claro que muito embora seja eu parcial, não houve quem não brilhou as pupilas ao perceber o talento nato que denota cada matada, cada chute, passe ou drible do garoto. Mais que pura técnica, o craque é possuidor de uma elegância e altivez que, mesmo sem a bola, o caguetam: “esse é boleiro!”. O Brasil, disparado o maior celeiro dessas criaturas, produz um sem número nessa seara. Sem apelar para o futebol profissional, que não é meu objetivo neste arrazoado citar barbadas que todo mundo ao menos já ouviu falar, vou discorrer, além do meu personagem central, sobre a várzea e o profissionalismo; craques de pelada que chegaram ao estrelato e os que nunca saíram do terrão.
O futebol varzeano revelou uma penca de craques. Aliás, até a década de 80, quando da proliferação desse mal chamado “escolinhas de futebol” e antes dos empresários deitarem e rolarem, a pelada na rua ou na praia e o futebol de várzea eram os únicos reveladores. Olheiros aos montes peregrinavam rincões afora, de norte a sul, à procura de um moleque habilidoso. Era assim que se fazia. Lembro-me de ter aprendido com o Velho Tirone a escalação do Corinthians de 1938 e dele contar que o Rato, tremendo jogador, brilhava antes no Corinthians do Bom Retiro. De lá foi pro profissional. Rato gostava de uma cana; na maioria das vezes jogava chumbado e a artimanha só fazia aumentar seu jogo de corpo. Foi com 17 anos que um olheiro levou meu avô pra fazer teste também no Corinthians. Beque e capitão do Anhanguera, ele poderia se sair bem no time do seu coração, mas nada feito. No meio do treino, Teleco, Carlinhos e Carlito - poderosíssima linha do Timão - o puseram de bobinho. Depois de 60 anos o velho contou como desistiu do profissionalismo: “Fui na bola e o Carlinhos tocou no Teleco; fui pra cima e ele tocou no Carlito; corri e ele jogou no Carlinhos. Quando ele tocou pro Teleco eu voei com os dois pés no peito e o mandei pra fora do campo.”.
Além do Rato, só da região saíram para o profissionalismo figuras de peso como Bozó, Nato, Chupeta, Mossoró, Moisés, Ivair e outros. Da várzea do Belenzinho nomes como Cabeção, Idário e Luizinho foram para o Corinthians. Dr. Rubis para o Flamengo, Dema, Cilas e Liminha para o Palmeiras e assim vai. Do Palmeirinha da Penha, o ponta Julinho foi para o mundo. São incontáveis os craques, mas há aqueles que não vingaram. Contam que na Barra Funda não houve jogador melhor que o Nivaldo e que, se o Wande jogasse hoje em dia, o Ronaldinho Fenômeno jamais teria sido titular da seleção. Renatinho, dizem, dava lançamentos que deixariam o Rivelino e o Gerson no chinelo e o Palito, que jogava salão calçando uma Conga velha e cultivava um ritual de vomitar antes dos jogos, era tão habilidoso quanto Garrincha.
O último craque do Anhanguera havia sido o Vitché, na década de 90. Sua carreira profissional foi até o título da Copa SP de futebol jr. pelo Nacional. Vitché é o zagueiro mais clássico que o futebol produziu depois de Luis Pereira. Parou de jogar há dois anos. Atualmente, o único craque atende pelo nome Avary Fernandes Vilas Boas Neto, o Ava, freqüente comentarista deste blogue. Avary, desde criancinha, é um fenômeno. Lembro-me da época em que o menino, que estudava com meu irmão Bruno ainda no pré, deu dois chapéus num garoto da 4ª série. Mais tarde, aos 10 anos, foi artilheiro da Copa Danup, que era disputada por colegiais. Nesse tempo começou a treinar no Corinthians; era o camisa 10 daquela geração que revelou os pernas de pau Coelho, Abuda, Élton, Fininho e Bruno Otávio.
A carreira futebolística prometia, mas a perda repentina do pai – um dos acidentes mais estúpidos de que se têm notícia -, seu maior fã e apoiador, abalou suas estruturas e, num treino, Ava brigou com Juninho, então técnico dos juniores corinthianos. Um empresário meia-bomba que o agenciava fez o meio campo e nosso craque foi para o Atlético Mineiro, então comandado por Márcio “Brilhantina” Araújo, que de cara gostou do seu jogo e o subiu para os profissionais. Mas o pai teimava em fazer-lhe chorar e a depressão e a saudade da namorada e da mãe o fizeram largar tudo e voltar pra São Paulo. Ali terminava, e ele ainda não sabia, sua carreira profissional, aos 20 anos. Voltou fumando e bebendo como gente grande, o que faz até hoje. Tentou em vão – sem um maldito empresário é ruim – algum time grande e cogitou, no ano passado, uma tentativa maluca de jogar num pequeno país europeu pra ganhar uns caraminguás em cima dos pernetas de lá; afortunada sua mãe, que não deixou. Quem ganhou com isso foi o Anhanguera; o moleque passou a jogar todos os Domingos no rubro-negro e arrastou multidões. O bairro parava pra vê-lo jogar. Daí pra vestir a 10 do Classe A foi “dois palitos” e foi escolhido o craque da Copa Kaiser em 2006.
Avary está com o joelho estropiado há 6 meses e vai operar. Anda amuado. Seu comentário no último texto deixa clara sua decepção com a contusão. Daqui homenageio este amigo, artista da bola, mais um desses meninos que, por obra do destino, não comemoram seus gols em palcos à altura de seu belo futebol. Mais um craque que não foi.
Um desses, e que me motiva a essas mal-ajambradas, é um grande amigo. Antes, porém, há que se deixar claro que muito embora seja eu parcial, não houve quem não brilhou as pupilas ao perceber o talento nato que denota cada matada, cada chute, passe ou drible do garoto. Mais que pura técnica, o craque é possuidor de uma elegância e altivez que, mesmo sem a bola, o caguetam: “esse é boleiro!”. O Brasil, disparado o maior celeiro dessas criaturas, produz um sem número nessa seara. Sem apelar para o futebol profissional, que não é meu objetivo neste arrazoado citar barbadas que todo mundo ao menos já ouviu falar, vou discorrer, além do meu personagem central, sobre a várzea e o profissionalismo; craques de pelada que chegaram ao estrelato e os que nunca saíram do terrão.
O futebol varzeano revelou uma penca de craques. Aliás, até a década de 80, quando da proliferação desse mal chamado “escolinhas de futebol” e antes dos empresários deitarem e rolarem, a pelada na rua ou na praia e o futebol de várzea eram os únicos reveladores. Olheiros aos montes peregrinavam rincões afora, de norte a sul, à procura de um moleque habilidoso. Era assim que se fazia. Lembro-me de ter aprendido com o Velho Tirone a escalação do Corinthians de 1938 e dele contar que o Rato, tremendo jogador, brilhava antes no Corinthians do Bom Retiro. De lá foi pro profissional. Rato gostava de uma cana; na maioria das vezes jogava chumbado e a artimanha só fazia aumentar seu jogo de corpo. Foi com 17 anos que um olheiro levou meu avô pra fazer teste também no Corinthians. Beque e capitão do Anhanguera, ele poderia se sair bem no time do seu coração, mas nada feito. No meio do treino, Teleco, Carlinhos e Carlito - poderosíssima linha do Timão - o puseram de bobinho. Depois de 60 anos o velho contou como desistiu do profissionalismo: “Fui na bola e o Carlinhos tocou no Teleco; fui pra cima e ele tocou no Carlito; corri e ele jogou no Carlinhos. Quando ele tocou pro Teleco eu voei com os dois pés no peito e o mandei pra fora do campo.”.
Além do Rato, só da região saíram para o profissionalismo figuras de peso como Bozó, Nato, Chupeta, Mossoró, Moisés, Ivair e outros. Da várzea do Belenzinho nomes como Cabeção, Idário e Luizinho foram para o Corinthians. Dr. Rubis para o Flamengo, Dema, Cilas e Liminha para o Palmeiras e assim vai. Do Palmeirinha da Penha, o ponta Julinho foi para o mundo. São incontáveis os craques, mas há aqueles que não vingaram. Contam que na Barra Funda não houve jogador melhor que o Nivaldo e que, se o Wande jogasse hoje em dia, o Ronaldinho Fenômeno jamais teria sido titular da seleção. Renatinho, dizem, dava lançamentos que deixariam o Rivelino e o Gerson no chinelo e o Palito, que jogava salão calçando uma Conga velha e cultivava um ritual de vomitar antes dos jogos, era tão habilidoso quanto Garrincha.
O último craque do Anhanguera havia sido o Vitché, na década de 90. Sua carreira profissional foi até o título da Copa SP de futebol jr. pelo Nacional. Vitché é o zagueiro mais clássico que o futebol produziu depois de Luis Pereira. Parou de jogar há dois anos. Atualmente, o único craque atende pelo nome Avary Fernandes Vilas Boas Neto, o Ava, freqüente comentarista deste blogue. Avary, desde criancinha, é um fenômeno. Lembro-me da época em que o menino, que estudava com meu irmão Bruno ainda no pré, deu dois chapéus num garoto da 4ª série. Mais tarde, aos 10 anos, foi artilheiro da Copa Danup, que era disputada por colegiais. Nesse tempo começou a treinar no Corinthians; era o camisa 10 daquela geração que revelou os pernas de pau Coelho, Abuda, Élton, Fininho e Bruno Otávio.
A carreira futebolística prometia, mas a perda repentina do pai – um dos acidentes mais estúpidos de que se têm notícia -, seu maior fã e apoiador, abalou suas estruturas e, num treino, Ava brigou com Juninho, então técnico dos juniores corinthianos. Um empresário meia-bomba que o agenciava fez o meio campo e nosso craque foi para o Atlético Mineiro, então comandado por Márcio “Brilhantina” Araújo, que de cara gostou do seu jogo e o subiu para os profissionais. Mas o pai teimava em fazer-lhe chorar e a depressão e a saudade da namorada e da mãe o fizeram largar tudo e voltar pra São Paulo. Ali terminava, e ele ainda não sabia, sua carreira profissional, aos 20 anos. Voltou fumando e bebendo como gente grande, o que faz até hoje. Tentou em vão – sem um maldito empresário é ruim – algum time grande e cogitou, no ano passado, uma tentativa maluca de jogar num pequeno país europeu pra ganhar uns caraminguás em cima dos pernetas de lá; afortunada sua mãe, que não deixou. Quem ganhou com isso foi o Anhanguera; o moleque passou a jogar todos os Domingos no rubro-negro e arrastou multidões. O bairro parava pra vê-lo jogar. Daí pra vestir a 10 do Classe A foi “dois palitos” e foi escolhido o craque da Copa Kaiser em 2006.
Avary está com o joelho estropiado há 6 meses e vai operar. Anda amuado. Seu comentário no último texto deixa clara sua decepção com a contusão. Daqui homenageio este amigo, artista da bola, mais um desses meninos que, por obra do destino, não comemoram seus gols em palcos à altura de seu belo futebol. Mais um craque que não foi.
12 Comentários:
Arthur
Arrepiou o texto....
Só eu e o Ava sabemos o que ele passou nesses anos todos.
Tentativas, saudades, depressão, vontade...tudo misturado...
E eu indo atrás....Queria e não queria meu namorado longe de mim...
Como sofri quando ele estava em BH.
E agora tá aqui, operado...fazendo gelo, tomando remédio...E dizendo: Não vejo a hora de voltar a jogar bola e sufar...rs....
Algumas coisas poderiam ser diferentes....Mas não foram...
Ele é o maior craque...da minha vida.
Beijos....
Ava: depois do comentário de sua namorada, logo acima, não precisa se ressentir de mais nada. Iluminados os que conseguem ser o melhor para a sua mulher. O craque de verdade é esse. O resto é o resto, meu compadre...
Vou criar uma página no orkut: "eu já tomei uma carretilha do Avary" !! Vai Bombar !! Tudo bem que eu estava escorregando, mas foi bonito o lance.
Ava..força na sua recuperação, eu sei bem o que é isso..tanto sei que já fi duas (rs).
Abs,
Angelo
Você vê como é a vida... Joelhos estropiados unem, a essa altura do campeonato, num blogue varzeano como este, o que os campos não lograram ver: juntos, craques de gerações diferentes, como eu e o Avary...
Grande Ava! Além de craque, é uma pessoa de bom coração.
Olha o senhor Szegeri querendo convencer os leitores de que foi craque... você é igual seu pai, o melhor goleiro que já se ouviu falar... era cada golada!
Belo texto Cabra.
Abraço manos.
ééé ... meu pai, que o viu jogar uma mísera vez, até hj nao se conforma q esse mlk nao deu certo!
já escutei do meu pai, que viu seu irmao disputando vaga com o Rei desse mesmo Atlético Mineiro, que dos que ele viu jogar que tinham algum futuro...esse tal de Avary era o que tinha o futuro mais promissor!
mas algo melhor está por vir...tem um cara FODA lá encima olhando por ele!!!
Desculpe se fui longo...mas vc, Arthur, escreveu sobre um dos poucos homens que amo.
abraço!!
obs: Aaaandielo ... se vc fizer essa comunidade, serei mais um a participar!!
E ai Arthur
Porra, nunca pensei em ser o personagem principal de seus causos
Fiquei muito emocionado por vc ter lembrado de mim
Obrigado
Eu já me contentava em ser apenas um comentárista
Por isso que todo mundo ama o futebol Arthur, porque ele é imprevisível, pode ser injusto, mas nunca se sabe o que pode acontecer, craques que não dão certo, jogos que parecem estar ganhos e da zebra, gol no último minuto
Hoje eu não sou um jogador de futebol, não tenho dinheiro, não tenho fama, mas tenho vcs meus amigos que sempre estiveram do meu lado e nunca me abandonaram, tenho minha namorada que eu amo, tinho minha mãe e minha irmã e tb tenho o Anhanguera onde eu nunca mais vou abandonar, pois amo jogar lá.
Mas todo craque tem seu momento ruim, e até hoje o drible mais bonito que eu já tome na minha vida, foi o verdadeiro craque do Anhanguera que desferiu, foi um rolinho mágico de Arthur Tirone
Esse foi feio
Valeu a todos os amigos que comentaram e que não
Valeu More
Valeu Arthur Abraço
Avary
Mesmo não sendo nem de longe uma grande entendedora das artimanhas do futebol, darei meu pitaco nessa história: acho que vc nunca deixou de ser craque. Talvez tenha deixado, por um desses caprichos do acaso, de se enveredar pelos caminhos dos grandes clubes, e isso até agora. Tais caprichos que se por um lado conspiraram para que vc não seguisse a carreira brilhante dos grandes jogadores, por outro contribuíram para que não fosse roubada dos apaixonados do Anhanguera a possibilidade não só de ver um craque fazer o diabo no gramado, mas também compartilhar de seu futebol, às vezes até ter a graça divina de lhe dar um belo rolinho mágico (que não faço a menor idéia do que se trata)!
Fazer parte da história do Anhanguera, sendo lembrado ao lado de tantos outros talentos que surgiram na várzea, já é um grande feito. Talvez até o mais importante.
Bem, isso é o que estou aprendendo com o mestre dos futebóis varzeanos.
Beijos
O meu grande amigo Valtinho sempre me falou muito bem desse Avary. Como ele, garanto que existem inúmeros talentos mal aproveitados por aí afora. O problema são os empresários e padrinhos que se espalham como uma verdadeira praga até mesmo nos clubes menores.
De qualquer forma, meu caro Ava, não desista. Lembre-se que o Hugo é titular do meu São Paulo e que o Liédson era carregador de supermercado até os 23 anos de idade.
Abraços e boa sorte!
Avary que se foda o futebol, você joga muito e todo mundo sabe disso, eu vi que o futebol é a maior palhaçada naquele dia que eu e o Glauton fomos ver seu jogo no Juventos (Muleque Travesso), e como você não tinha empresário, eles te deixaram no banco o jogo inteiro, e com a camisa 10 estava um perna de pau de merda, que até o Arthur corria mais que ele. Foi uma pena você não dar certo, mas como não deu vê se melhora logo desse joelho e volta a jogar no Anhanguera, e a beber conosco.
Ps: O drible mais lindo que você tomou foi o rolinho do Arthur ou minha toca lá na quadra do Anhanguera? E eu não tomei carretilha do Avary não, a bola passou do lado.
Abraços
Bruno Tirone.
O Ava não é 10 ele é 1000!!!!
Adoro ele demais.
HUAUHuhUHUHAuhUHUH
Bjão
Lourdes
Grande texto cabra...
porra... joguei UMA VEZ NA VIDA com o Ava...
e entrei pra porra da comunidade... hahaha
abraço Ava..
Felipe
Postar um comentário
Assinar Postar comentários [Atom]
<< Página inicial