O Tirone e os Cabeleira - Parte III
A cena das garrafadas foi espreitada pelo Souzinha, um negrinho de 7 anos, que residia a uns cem metros dali. Do vão de um tijolo deslocado no muro do “Caldeirão do Inferno”, o cortiço em que morava, viu toda a grotesca covardia impingida a Tirone. Talvez a única testemunha viva da fatídica noite desde a morte do Seu Augusto e de poucos outros, Souzinha relatou-me, com ares de suspense, alguns detalhes há poucos dias no Bar do Sinval.
Naquela noite Augusto não deixou Tirone ir pra casa. Enquanto o sangue não esfriasse, enquanto a adrenalina não baixasse, não seria nada prudente deixá-lo ir. Faria, com certeza, alguma merda, tal qual os Cabeleira haviam feito para o pobre Teixeira. Os cortes dos estilhaços, nas costas e pernas, eram bem pequenos e, sem que houvesse a necessidade de agulha e linha pra dar ponto, Augusto resolveu a questão à moda que Tirone, já bem mais velho, ensinou a mim e aos meus irmãos em casos de corte, arranhão, ralada, pancada, bolha aberta, micose, olho-de-peixe e unha solta: metendo álcool. “O álcool limpa e não deixa inflamar”, ensinava o velho.
A notícia voou. No domingo de manhã o bairro inteiro comentava. Foi uma balbúrdia que só. Ninguém queria saber a manchete do dia gritada nas ruas pelos meninos jornaleiros. “Os Cabeleira pegaram o Tirone”, “Os Cabeleira mataram o Tirone”, “Tirone tomou tanta garrafada que está irreconhecivelmente estrepado”; só este assunto deu ibope naqueles longínquos dias. Um incauto foi reconhecer seu corpo no necrotério e uma multidão, após o jogo do Anhanguera, fez fila para vê-lo em casa; claro que ninguém entrou. O sensível Tirone mandou todo mundo “pra puta que os pariu! Vão cuidar das suas vidas!”. Quase todos os que voltariam para os respectivos úteros de suas mãeretrizes a mando do terno Tirone eram amigos, companheiros de futebol e de cabarés. A exceção era Alvinho, um dos Cabeleira que não participou das garrafas voadoras. Alvinho foi, por sua conta em risco, pedir para que Tirone botasse uma pedra, esquecesse a agressão. Ele sabia que, dessa vez, seus amigos de “cabelo” passaram da conta. Tirone não era o inofensivo Adolfinho... Antenor, que lá estava, mandou Alvinho ficar tranqüilo; ele mesmo falaria com Tirone para que não houvesse repique. Conversa fiada!
Mesmo para o maior e mais respeitado valente do bairro, não era jogo enfrentar os Cabeleira de uma vez. A fama de covarde da turma se confirmava quase que semanalmente; só brigavam juntos, em larga vantagem numérica. Na terça feira após as garrafadas, os Cabeleira, em seis, deram uma sonora surra em Acácio. A surra se deu porque Acácio começou a organizar apostas em torno de um possível revide de Tirone pra cima dos Cabeleira. Eram papéis com combinações de resultados, como de futebol, do tipo: Tirone versus Adolfo; Tirone versus Vovô; Tirone versus Noel; e por aí vai. Acácio tinha seu palpite pra cada “mano-a-mano”, e quem acertasse todas as combinações ganhava um prêmio em dinheiro. O jogo durou apenas esses dois dias. Quando os Cabeleira souberam, pegaram o Acácio no Sempre Aberto; a reboque, deram também um cacete num bêbado que apostou na vitória de Tirone em todos os confrontos.
Na quarta feira seguinte tudo tinha, aparentemente, voltado ao normal. Tirone já estava na lida, em seu carroção de burros. Naqueles dias amigos o rodeavam, temendo a possibilidade de um confronto direto mais acintoso. Era suicídio ir pra cima dos Cabeleira. Sem tocar no assunto durante os primeiros dias, Tirone deu uma de “João-sem-braço”, deixando o tempo passar até a poeira baixar. Muito certo, pois a gangue também estava atenta em seus movimentos.
Após duas semanas Tirone já tinha cruzado na rua três vezes com pequenos grupos dos Cabeleira; andavam cautelosamente em três ou quatro pela Barra Funda – não esqueçamos que eram torcedores fervorosos do Carlos Gomes. Depois de um mês os inimigos não tinham mais dúvidas de que Tirone encolhera o rabo no meio das pernas e se contentara em mostrar sua valentia dentro de campo; correu à boca pequena pelo Bom Retiro que Tirone se garantia por estar ao lado de Barraca – em verdade, segundo o Souzinha, “Barraca nem chegava perto da competência e da força do Tirone em brigas”, opinião corroborada unanimemente no bairro. Para toda a assistência da “novela”, não era possível um intrépido daquele quilate deixar por isso mesmo; ou então não era tão braçudo assim.
Frio, Tirone aguardou o cenário propício; não descansaria enquanto não os pegasse. Mal conseguia dormir. Os Cabeleira já haviam, até certo ponto, relaxado; não imaginavam um revide a essa altura do campeonato. Num começo de noite de meio de semana, após guardar os animais, Tirone avistou entrando no Fecha Nunca, seu bar preferido, o Adolfo. Foi atrás. Estava lá, de costas e sozinho, encostado no balcão, o mais forte dos Cabeleira. Grande momento; a sorte reservava o que definiria, dali em diante, o desfecho da história. “Deitar” primeiro o mais forte da horda era a estratégia, ainda que não planejada, perfeita.
Tranquilamente, Tirone encostou no balcão ao lado de Adolfo – que só então o viu - e pediu uma garrafa de cerveja...
(Continua)
Naquela noite Augusto não deixou Tirone ir pra casa. Enquanto o sangue não esfriasse, enquanto a adrenalina não baixasse, não seria nada prudente deixá-lo ir. Faria, com certeza, alguma merda, tal qual os Cabeleira haviam feito para o pobre Teixeira. Os cortes dos estilhaços, nas costas e pernas, eram bem pequenos e, sem que houvesse a necessidade de agulha e linha pra dar ponto, Augusto resolveu a questão à moda que Tirone, já bem mais velho, ensinou a mim e aos meus irmãos em casos de corte, arranhão, ralada, pancada, bolha aberta, micose, olho-de-peixe e unha solta: metendo álcool. “O álcool limpa e não deixa inflamar”, ensinava o velho.
A notícia voou. No domingo de manhã o bairro inteiro comentava. Foi uma balbúrdia que só. Ninguém queria saber a manchete do dia gritada nas ruas pelos meninos jornaleiros. “Os Cabeleira pegaram o Tirone”, “Os Cabeleira mataram o Tirone”, “Tirone tomou tanta garrafada que está irreconhecivelmente estrepado”; só este assunto deu ibope naqueles longínquos dias. Um incauto foi reconhecer seu corpo no necrotério e uma multidão, após o jogo do Anhanguera, fez fila para vê-lo em casa; claro que ninguém entrou. O sensível Tirone mandou todo mundo “pra puta que os pariu! Vão cuidar das suas vidas!”. Quase todos os que voltariam para os respectivos úteros de suas mãeretrizes a mando do terno Tirone eram amigos, companheiros de futebol e de cabarés. A exceção era Alvinho, um dos Cabeleira que não participou das garrafas voadoras. Alvinho foi, por sua conta em risco, pedir para que Tirone botasse uma pedra, esquecesse a agressão. Ele sabia que, dessa vez, seus amigos de “cabelo” passaram da conta. Tirone não era o inofensivo Adolfinho... Antenor, que lá estava, mandou Alvinho ficar tranqüilo; ele mesmo falaria com Tirone para que não houvesse repique. Conversa fiada!
Mesmo para o maior e mais respeitado valente do bairro, não era jogo enfrentar os Cabeleira de uma vez. A fama de covarde da turma se confirmava quase que semanalmente; só brigavam juntos, em larga vantagem numérica. Na terça feira após as garrafadas, os Cabeleira, em seis, deram uma sonora surra em Acácio. A surra se deu porque Acácio começou a organizar apostas em torno de um possível revide de Tirone pra cima dos Cabeleira. Eram papéis com combinações de resultados, como de futebol, do tipo: Tirone versus Adolfo; Tirone versus Vovô; Tirone versus Noel; e por aí vai. Acácio tinha seu palpite pra cada “mano-a-mano”, e quem acertasse todas as combinações ganhava um prêmio em dinheiro. O jogo durou apenas esses dois dias. Quando os Cabeleira souberam, pegaram o Acácio no Sempre Aberto; a reboque, deram também um cacete num bêbado que apostou na vitória de Tirone em todos os confrontos.
Na quarta feira seguinte tudo tinha, aparentemente, voltado ao normal. Tirone já estava na lida, em seu carroção de burros. Naqueles dias amigos o rodeavam, temendo a possibilidade de um confronto direto mais acintoso. Era suicídio ir pra cima dos Cabeleira. Sem tocar no assunto durante os primeiros dias, Tirone deu uma de “João-sem-braço”, deixando o tempo passar até a poeira baixar. Muito certo, pois a gangue também estava atenta em seus movimentos.
Após duas semanas Tirone já tinha cruzado na rua três vezes com pequenos grupos dos Cabeleira; andavam cautelosamente em três ou quatro pela Barra Funda – não esqueçamos que eram torcedores fervorosos do Carlos Gomes. Depois de um mês os inimigos não tinham mais dúvidas de que Tirone encolhera o rabo no meio das pernas e se contentara em mostrar sua valentia dentro de campo; correu à boca pequena pelo Bom Retiro que Tirone se garantia por estar ao lado de Barraca – em verdade, segundo o Souzinha, “Barraca nem chegava perto da competência e da força do Tirone em brigas”, opinião corroborada unanimemente no bairro. Para toda a assistência da “novela”, não era possível um intrépido daquele quilate deixar por isso mesmo; ou então não era tão braçudo assim.
Frio, Tirone aguardou o cenário propício; não descansaria enquanto não os pegasse. Mal conseguia dormir. Os Cabeleira já haviam, até certo ponto, relaxado; não imaginavam um revide a essa altura do campeonato. Num começo de noite de meio de semana, após guardar os animais, Tirone avistou entrando no Fecha Nunca, seu bar preferido, o Adolfo. Foi atrás. Estava lá, de costas e sozinho, encostado no balcão, o mais forte dos Cabeleira. Grande momento; a sorte reservava o que definiria, dali em diante, o desfecho da história. “Deitar” primeiro o mais forte da horda era a estratégia, ainda que não planejada, perfeita.
Tranquilamente, Tirone encostou no balcão ao lado de Adolfo – que só então o viu - e pediu uma garrafa de cerveja...
(Continua)
8 Comentários:
Dá logo a porrada nele, Tirone! Bate no Adolfo, porra! Vai que é tua, Tirone! Porra, esse suspense que teu neto (o popular Mahatma Gandhi da Barra Funda) tá fazendo dá nos nervos, caracoles! P.S. - O Obina, aquele &%$#$#@ era da turma dos Cabeleira!!!
Cabra, posta logo essa porra..vc está um verdadeiro Agatha Christie...louco esse suspense..muito bom !!!
Abs,
Angelo
Sensacional!!! Mahatma Gandhi Hitchcock Tirone!
q suspense hein catso...hahahaha, pior q novela das 8 q só começa as 9!!!
Esse Tironinho Neto tá virando um escritor requintado... Posta logo! Quero saber se teu vô estraçalhou o cidadão ou não...
Potaqueosparaus, cadê a parte IV?????? Resolveu trabalhar, depois de velho?
hauhauahuahuahuahuaha ... Mtoo bommm ...
Posta logo Rei Artuca ...
Já li, reli, treli, vamos, parte IV !!!!!!!!
Pessoal, foi maus! O feriado me deu uma detonada e o Szegeri acertou na mosca... A volta ao trabalho na sequência do "fechamento de mês" me impediu de prosseguir. Mas a Parte IV já tá lá.
Beijos a todos!
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