Rivalidade além-tríduo
Domingo passado jogou no Anhanguera, contra nosso primeiro quadro, o time da Vai-Vai, tradicional escola de samba de São Paulo que nasceu em 1930; conseqüência de uma rixa com uma rapaziada que tinha um cordão no Bixiga; o Cai-Cai. Os vagais foram proibidos de freqüentar e fundaram a Vai-Vai, que virou o que virou. O jogo, que terminou empatado em 1x1, foi pegado, corrido e brigado, com direito a alguns sopapos de lá e cá. Coisas da várzea. O clima esquentou entre um jogador nosso e um deles e contaminou geral, por sorte (dos dois lados) não passando de discussão, deixa-pra-lá e tapinhas nas costas. Coisas da várzea. O auê, é óbvio, não teve nada a ver com o Anhanguera ou com o nervosismo do jogo em si. Era rusga antiga dos dois crioulos que originaram o negócio. Coisas do samba. Camisa e Vai-Vai quando encostam sai faísca. Quando vi a baderna, não pude deixar de lembrar um seribolo que o Carequinha certa vez me contou.
As maiores instituições da Barra Funda são, sem sombra de dúvidas, o samba e a várzea. Claro que não tenho a pretensão de dizer que o samba, assim como o futebol varzeano, nasceu por aqui; apenas reitero a importância do lugar no que se refere aos mesmos. No caso do samba, o mítico Largo da Banana, a gloriosa Verde e Branco de Dionísio Barbosa e de outros bambas e a casa de Tia Olímpia foram grandes resistências que marcaram a história do samba em São Paulo. No caso da várzea, os tradicionais times - incluindo os extintos - e os jogos antológicos, com suas características e figuras pitorescas, são um templo mantenedor de uma prática de convívio social que vem sendo, pouco a pouco, estirpada.
O samba, que era coisa de negro, necessitava “esconder-se” das represálias - se não da polícia, do preconceito mascarado dos brancos, que raramente se misturavam – e aparecia para o grande público em forma de cordão, percorrendo grandes distâncias durante as apresentações. Essas manifestações carnavalescas, se não eram mal vistas pelos brancos, também não os aproximou muito dos negros. Ficavam apenas de fora olhando um espetáculo muitas vezes classificado por eles como grotesco e grosseiro graças aos embates violentos no famoso Bloco dos Esfarrapados, no Sábado de Carnaval, bloco este que servia apenas e tão somente para a pancadaria comer solta entre os membros dos cordões, que tinham o objetivo de rasgar o luxuoso estandarte inimigo. Como as agremiações não queriam ter suas fantasias e adereços detonados no desfile, foi estipulado, com delimitação de espaço e horário pela prefeitura, o sábado para o arranca-rabo. A negrada se matava e ninguém se metia. Já os imigrantes italianos e espanhóis preferiam os corsos do Brás e da Lapa, onde cada família posava em seu carro (quem não tinha carro ia a pé) e ficava dando voltinhas durante o tríduo; além de irem para a Avenida Paulista admirar e sonhar em um dia serem um dos ricaços que desfilavam no carnaval luxuoso estilo Veneza.
No futebol varzeano, o processo de expansão e aceitação foi mais amplo, atingindo já nas primeiras décadas do século passado praticamente todo o centro expandido e bairros mais afastados. Era presente praticamente em todas as classes sociais e o que valia era ter o melhor time. Para tanto, times essencialmente formados por brancos começaram a convocar neguinho bom de bola. Daí pra frente, e cada vez mais, o samba foi se integrando ao futebol amador. O boom dessa onda, culminando com uma infinidade de times classificados como “Futebol e Samba”, foi a década de 60, quando os filhos dos brancos mais conservadores já batiam sua bola, tinham amigos pretos e passaram a freqüentar as escolas de samba na mesma época que intelectuais e estudantes universitários embarcaram na onda da “cultura popular” e também se esbaldavam nas Escolas.
Alguns anos antes disso, bem no começo dos 50, o Grajaú da Barra Funda – time em que o Carequinha desfilava no meio campo - contava com um negro, o Dodô, que era Camisa Verde e Branco fervoroso. Certa ocasião o Grajaú participou de um festival no campo do Estrela contra o Grêmio Itororó, da Bela Vista. O time da Bela Vista contava com um crioulo maior que uma semana; da Vai-Vai.
Times postados em campo e, para os dois crioulos que se encaravam e se conheciam de longa data, a nítida e inexpugnável certeza; a de que aquele embate não seria mais um jogo de futebol. Dodô, naquele instante, via-se contra a agremiação de samba alvinegra. O campo transformara-se na Rua das Palmeiras em pleno confronto de Sábado de Carnaval e, daltonicamente, a camisa rubra do Grajaú tornou-se verde, simbolizada no peito pelo Trevo. Mais que isso, Dodô assumia dentro de si toda a comunidade da Barra Funda; ele era a Camisa Verde e Branco e quem estava do outro lado era a toda a turma da Vai-Vai, já devidamente incorporada no negrão do outro lado. O apito inicial calou o silêncio; os dois partiram um pra cima do outro, aparentemente sem motivo para as vistas alheias à rivalidade sambística e pau começou a comer. Adesão instantânea e o jogo terminou ali mesmo, com porrada pra todo lado.
Carequinha contou-me que Dodô rasgou a camisa do Itororó que havia conseguido arrancar do oponente e decretou, aos berros, a vitória, causando estranheza em todo o pessoal do Grajaú; pobres ignorantes que não sabiam que não se tratava de uma camisa, mas sim de um estandarte preto e branco.
As maiores instituições da Barra Funda são, sem sombra de dúvidas, o samba e a várzea. Claro que não tenho a pretensão de dizer que o samba, assim como o futebol varzeano, nasceu por aqui; apenas reitero a importância do lugar no que se refere aos mesmos. No caso do samba, o mítico Largo da Banana, a gloriosa Verde e Branco de Dionísio Barbosa e de outros bambas e a casa de Tia Olímpia foram grandes resistências que marcaram a história do samba em São Paulo. No caso da várzea, os tradicionais times - incluindo os extintos - e os jogos antológicos, com suas características e figuras pitorescas, são um templo mantenedor de uma prática de convívio social que vem sendo, pouco a pouco, estirpada.
O samba, que era coisa de negro, necessitava “esconder-se” das represálias - se não da polícia, do preconceito mascarado dos brancos, que raramente se misturavam – e aparecia para o grande público em forma de cordão, percorrendo grandes distâncias durante as apresentações. Essas manifestações carnavalescas, se não eram mal vistas pelos brancos, também não os aproximou muito dos negros. Ficavam apenas de fora olhando um espetáculo muitas vezes classificado por eles como grotesco e grosseiro graças aos embates violentos no famoso Bloco dos Esfarrapados, no Sábado de Carnaval, bloco este que servia apenas e tão somente para a pancadaria comer solta entre os membros dos cordões, que tinham o objetivo de rasgar o luxuoso estandarte inimigo. Como as agremiações não queriam ter suas fantasias e adereços detonados no desfile, foi estipulado, com delimitação de espaço e horário pela prefeitura, o sábado para o arranca-rabo. A negrada se matava e ninguém se metia. Já os imigrantes italianos e espanhóis preferiam os corsos do Brás e da Lapa, onde cada família posava em seu carro (quem não tinha carro ia a pé) e ficava dando voltinhas durante o tríduo; além de irem para a Avenida Paulista admirar e sonhar em um dia serem um dos ricaços que desfilavam no carnaval luxuoso estilo Veneza.
No futebol varzeano, o processo de expansão e aceitação foi mais amplo, atingindo já nas primeiras décadas do século passado praticamente todo o centro expandido e bairros mais afastados. Era presente praticamente em todas as classes sociais e o que valia era ter o melhor time. Para tanto, times essencialmente formados por brancos começaram a convocar neguinho bom de bola. Daí pra frente, e cada vez mais, o samba foi se integrando ao futebol amador. O boom dessa onda, culminando com uma infinidade de times classificados como “Futebol e Samba”, foi a década de 60, quando os filhos dos brancos mais conservadores já batiam sua bola, tinham amigos pretos e passaram a freqüentar as escolas de samba na mesma época que intelectuais e estudantes universitários embarcaram na onda da “cultura popular” e também se esbaldavam nas Escolas.
Alguns anos antes disso, bem no começo dos 50, o Grajaú da Barra Funda – time em que o Carequinha desfilava no meio campo - contava com um negro, o Dodô, que era Camisa Verde e Branco fervoroso. Certa ocasião o Grajaú participou de um festival no campo do Estrela contra o Grêmio Itororó, da Bela Vista. O time da Bela Vista contava com um crioulo maior que uma semana; da Vai-Vai.
Times postados em campo e, para os dois crioulos que se encaravam e se conheciam de longa data, a nítida e inexpugnável certeza; a de que aquele embate não seria mais um jogo de futebol. Dodô, naquele instante, via-se contra a agremiação de samba alvinegra. O campo transformara-se na Rua das Palmeiras em pleno confronto de Sábado de Carnaval e, daltonicamente, a camisa rubra do Grajaú tornou-se verde, simbolizada no peito pelo Trevo. Mais que isso, Dodô assumia dentro de si toda a comunidade da Barra Funda; ele era a Camisa Verde e Branco e quem estava do outro lado era a toda a turma da Vai-Vai, já devidamente incorporada no negrão do outro lado. O apito inicial calou o silêncio; os dois partiram um pra cima do outro, aparentemente sem motivo para as vistas alheias à rivalidade sambística e pau começou a comer. Adesão instantânea e o jogo terminou ali mesmo, com porrada pra todo lado.
Carequinha contou-me que Dodô rasgou a camisa do Itororó que havia conseguido arrancar do oponente e decretou, aos berros, a vitória, causando estranheza em todo o pessoal do Grajaú; pobres ignorantes que não sabiam que não se tratava de uma camisa, mas sim de um estandarte preto e branco.
2 Comentários:
Bela história Arthur
Ainda bem que vc anda com pessoas da era dos neandertais, que contam histórias como essa para vc e depois vc nos transmite essas histórias para pessoas leigas como eu
Isso é muito bom
Valeu Arthur
Abraço Ava
Nossa
Eu ia comentar sobre essa história, mas o Avary foi tão repetitivo, dizendo 10 vezes a palavra história, que eu esqueci do meu comentário...
huauahhaauhauhuhauhauhauhauha
Esse é meu Mô!!!!
Bjs Artur, até de noite.
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