Biotônico Fontoura
Meus irmãos e eu nunca fomos crianças frescas à mesa; nem tivemos frescuras para comer. Não fomos frescos porque comíamos os legumes e verduras mais odiados pelos fedelhos de todo o mundo (pelo menos os que têm para comer). Não tivemos frescuras porque não exigíamos os melhores doces, os melhores biscoitos e nem nada que aparecia nos “reclames” da tevê. Aliás, adorávamos ir com nossos pais a uma fábrica de biscoitos que não era conhecida para comprar toneladas de bolachas defeituosas vendidas ao preço de um pífio pacote de qualquer lançamento da São Luiz. Após a comida nos entupíamos de gordura trans; nova vilã que vem sendo propagada por ser tão nociva que não sei nem como estou vivo.
Os mais velhos tinham o costume de enfiar clara de ovo batida nos filhos. Minha mãe até hoje sofre arrepios – dos fortes estremecimentos involuntários, acompanhados de horríveis caretas – ao lembrar-se de quando minha avó, à força, apertava suas bochechas para abrir sua boca e botar aquela colher de clara batida, para após gritar: “Não faz cara de nojo! Engole! Se cuspir apanha, hein.”. A traumatizante experiência fez com que eu me salvasse dessa; fato que não passava em branco para minha outra avó, que insistia para a minha mãe: “Dê ovo de pata para os meninos! Eles ficarão fortes.” ou ainda: “Essas crianças precisam comer mais. Compre Biotônico Fontoura (a gente adorava!) para abrir o apetite. Mas cuidado, dê só uma colherzinha, hein!”.
Era praxe, há anos – ainda hoje é pra quem mantém o costume -, bebericar um quebra-jejum antes do almoço. A cana abre o apetite. Pensando nisso, o farmacêutico e biriteiro Cândido Fontoura, inventou em 1910 uma fórmula fortificante para que sua mulher, que andava doente, se alimentasse direito. Com a desculpa esfarrapada de fornecer ferro para o sangue e fósforo para os músculos, a esposa do cachaça se convenceu a beber o tônico e, mais tarde, com o jingle Bê, á, bá. Bê, e, bé. Bê, i, Bi..otônico Fontoura!, a coisa virou mania. A verdade é que o troço só abria o apetite por causa dos 9,5% de álcool etílico em sua fórmula original. Bom, o truque.
Graças ao Cândido, numa quarta feira de Março de 1.962, a partir da Rua do Bosque, um episódio incomum tomou de assalto as ruas do bairro; cinco pessoas saíram bêbadas, de fogo, cambaleando e caindo pelas sarjetas. Está certo que em São Paulo tem um boteco em cada esquina e, só naquele pedacinho da Rua do Bosque que comportava o Fecha Nunca, o Nunca Fecha e o Sempre Aberto, toda noite era um monte de beberrão fazendo barulho. O incomum do fatídico dia é que nenhum dos cinco paus-d´água – Mimi (meu pai), Jeancarlo, Domé, Saião e Charuto - tinha mais de nove anos de idade. A porranca começou na dispensa da casa do Nono Nicola, o avô de meu pai, quando os pivetes entraram escondidos antes de ir pra aula e mataram, em goladas cavalares, todo o estoque de Biotônico Fontoura. Cerca de 3 litros.
Ao saírem da casa do Nono, os cinco pirralhos, trançando as pernas e se escorando, causaram risos nos primeiros transeuntes que os viram, por acharem que os meninos atuavam. “Eles imitam perfeitamente um bebum! Incrível.”, era o comentário mais comum. As pessoas começaram a perceber quando as conseqüências do porre, que foram muito mais cômicas que trágicas, aconteceram. Mimi cismou que era o Nacional Kid e deu de querer sair voando. Ralou-se inteiro após suas “asas” não funcionarem ao saltar de um muro de 3 metros. Jeancarlo caiu e dormiu na sarjeta. Domé vomitou até as tripas. Saião, com uma crise de soluço interminável, chorou. Charuto cantava, com a língua enrolada, o hino do Corinthians. Uma beleza!
Com este causo, deixo aqui minha homenagem a Cândido Fontoura que, ensinando as crianças, ajudou a manter o genuíno costume de se tomar um iaiá-me-segura antes da refeição. Eu, renitente desde que foi proibida pela Anvisa, em 2001, a utilização do marafo no produto - norma que infelizmente acabou de vez com sua nobre serventia, que é apenas a de abrir o apetite – sinto por meus filhos (que ainda virão) não desfrutarem dessa tradição que vem de três gerações.
17 Comentários:
Hahahahahahahaha!!!
Ótima essa!!!
Desconhecia que o Biotônico era alcoólico... Por isso que era bom pra cacete!
Vamos organizar um abaixo-assinado pedindo a volta do álcool na fórmula do BF!
Nossos filhos tem que ter direito a sair de casa trançando as pernas com seus amigos.
Beijo, Arthur!
"Nossos filhos tem que ter direito a sair de casa trançando as pernas com seus amigos."
Foi uma infeliz ordenação das palavras.
Já bati na madeira, pelo sim, pelo não.
assino embaixo! volte álcool ao biotonico!!!
ARTUR
DEMAIS
HUAHAUAHUAHUAHUAHUAHUAHUHUAHU
IMAGINA O TIO MIMI QUERENDO VOAR
AUHAAHHAUAHAHUAAUUAHAHU
EU ADOREI...PARABÉNS!!!!
BEIJOS!!!!
Hahahahahahahaha!!!
Irmão, depois de lê o email do nosso Irmão Vatinho e chorar de emoção.
leio o seu blog e você me faz cagar de rir! (rs)
Obrigado meus Irmãos!!!
Mano você acredita que minha mãe culpa o Biotônico Fontoura por eu ter engordado? pois é, eu era um palito até tomar essa porra!!!
hahahahaha
abraço
Sensacional essa história!!!
Meu filho já não ia tomar Biotônico mesmo!
Porém depois dessa história seria divertido experimentar! hehehehe
Olha essas suas histórias são boas viu!
ahaha eu imaginei o mim de nacional kid, deve ter sido mto loko isso...
mto bom o texto curti ahahah
abraçoss arthuuuuu
kkkkkkkkkkk....reclames.....os biscoitos defeituosos...amava os waffles quebrados q vinham num saco mega.....rua do bosque..seu pai de nacional kid....e o must do Biotônico com a música q já grudunhou em minha mente rsrsrsrs....Ai Arthur!!! Ainda lembro da garrafa no alto da geladeira azul da minha avó paterna...era a garrafa escura e o pinguim ao lado; não havia espaço p/ mais ninguém...agora entendo pq eu gostava daquilo hahahaha!!!!
O negócio era o seguinte: três ovos de pata batidos com uma garrafa de Biotônico. Deixava descansar na geladeira até o dia seguinte e pronto: mandava ver um canecão da mistura!
O aspecto não era nada bom, parecia coca-cola suja, mas aquele gostinho da marvada curtida era uma delícia.
Luiz.
Hahahahahahahaha ...
Esse tio Mimi é um fanfarrão mesmo !!!!!! Hahahahahahah ...
Arrasooou !!
Teeeeeempos modeeernos ...
Tempos modernos ...
Beijoca
Velho, depois dessa vou, imediatamente, tomar uma água que o passarinho não bebe para abrir o apetite. Lembrança boa pácas. abração
a fábrica de bolachas era a Duchen, que ficava na Vila Maria e que depois foi fechada? Uma graaande fábrica! A produção era tão grande que a Vila Maria toda cheirava a leite e bolacha...Grandes tempos....
A verdade é que o Biotônico Fontoura é primo-irmão da Jurubeba, que continua aí, firme e forte, pelo menos até ser proibida por algum biltre.
Guilherme: conhecendo sua procedência, entendi o que você quis dizer. Mas como você não sabia que o Biotônico tinha pinga? Abração!
Daniel: se te engordou, não sei; mas que fez você pegar gosto pela birita... Disso não tenho dúvida!
Cheila: que bela lembrança! Beijo.
Luiz: ótima receita. Mas que "Luiz" é você? O Sardinha?
Simão: também tomei uma abrideira antes de devorar uma feijoada, agora há pouco. Abraço!
Júlio: Não. Nós não íamos na Duchen. Era na Petybon da Rua Fábia, na Lapa, que eu me esbaldava. Faz tempo que eu não tomo uma jurubeba, viu! Abraço.
Favela, conheço um cara que foi preso porque dirigia bêbado. Se livrou porque o advogado, no exame de sangue, viu que o cara estava com princípio de anemia (comia mal, o desgraçado). Aí o doutô adevogado, sabendo dessa composição fantástica do Biotônico, malandramente construiu uma puta tese dizendo que o álcool no sangue do cara era do Biotônico. Tá na rua, o cara...
E a fábrica da Petybon era aquela na rua Aurélia?
abraços!
Arthur ainda bem que vc ficou sabendo agora que o Biotônico Fontoura é alcoolico, pois se vc soube-se quando tinha dez anos de idade, vc já iria entrar para o livro dos recordes como o alcolatra mais novo do mundo
Vai beber pinga lá longe
Abraço
Ava
Zeca - parabéns pelo seu blog. Estarei olhando agora que descobri.
Ficou muito legal com textos inteligentes. Vale a penas ler.
Sucesso meu amigo.
Abraços
Marcelo Camargo
Vulgo Rubinho Barrichelo do Brasil.Rs
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