O casal da Rua C
Um velho ditado adverte que em briga de marido e mulher não se mete a colher. Eu, que sempre opto por seguir os ensinamentos dos velhos – e fazendo isso damos menos com nossas cabeças na parede –, aprendi essa máxima com minha bisavó Rivalina. A coroa sabia, e muito, das coisas do mundo. Enxotava da humilde casa que morava em Guaxupé qualquer um dos sete filhos, dezoito netos e dezenove bisnetos (números até seu falecimento, em 1994) que fosse importuná-la com queixas conjugais. Da velha, exclusivamente, falarei numa próxima.
Versarei sobre, como escancara o título do texto, um casal que ficou marcado no Parque Peruche, bairro periférico de São Paulo, por uma relação incomum, de domínio e obediência. Tal relação tornou-se pública no bairro em 1.952 e, pela data, percebe-se que, se causava estupefação em toda a vizinhança, é porque quem exercia autoridade era a Cotinha, a mulher. Braba e mal humorada que só ela, mal falava com as vizinhas e nunca esboçava um sorriso.
Hoje, 55 anos depois, é muito mais exposta a subserviência do homem frouxo e, embora ainda seja motivo de galhofas, a convivência com esta situação é mais tolerável. Quem não tem, por exemplo, um amigo “pau-mandado” que só faz o que a mulher quer, o que a mulher manda? Imaginem isso em 1.952 e, pra piorar, num bairro de negrada, cheio de malandros e de butecos. E foi justamente num buteco que se deu o entrevero.
As ruas do Parque Peruche eram, à época, denominadas com letras e iam de A a Z. O casal, Cotinha e Inácio, morava na Rua C, a duas quadras do Bar do Chola, famoso por ser freqüentado por cobras-criadas e pelos maiores pinguços da área. Inácio fugia ao perfil dos freqüentadores daquela birosca. Era um negro elegante, trabalhador. Mas não por isso acabou sendo impiedosamente achincalhado. Era, às vistas machistas que o rodeavam, um grande frouxo.
Diariamente, após a labuta, Inácio – que gostava de uma cachacinha – ia ao Chola. Tímido, encostava-se no balcão e pedia uma cerveja e uma cachaça. Era o que consumia, apenas. Mas na maioria das vezes não tinha tempo nem de terminar a cerveja. A Cotinha, barraqueira que só, sabia do horário do marido e postava-se na porta do bar para buscá-lo. A cena se repetia todos os dias; Cotinha, com as mãos fechadas apoiadas na cintura, batia incessantemente um pé no chão e botava seu olhar raivoso pra dentro do olho do marido. O buteco sempre silenciava neste momento. No máximo uns cochichos de “Olha aí, chegou a encrenca!” ou “Lá vai embora o covarde”. O conformado Inácio, como um fiel cão, “botava o rabo entre as pernas”, pegava o chapéu, abaixava a cabeça e tomava o rumo de casa, ouvindo um montão.
A reputação do Inácio foi pro brejo logo na primeira vez que Cotinha foi buscá-lo. A partir daí começaram a falação e os comentários sobre sua impotência: “Ih... Isso aí é frouxo!!”, dizia a vizinhança, mas apenas pelas suas costas. Paciente, Inácio agüentou por quase um ano as ordens da mulher, até que decidiu enfrentá-la. Com o saco cheio, certo dia pediu uma cerveja. Bebeu rápido e pediu mais uma, alternando com tragadas de cachaça. Após dez minutos não deu outra. A Cotinha já batia o pé na porta do Chola. Inácio a repreendeu, sem proferir uma palavra, fazendo sinal com a mão como dizendo “Daqui eu não saio. Vá embora!”. Lotado de espectadores, fez-se o silêncio na espelunca. O molenga finalmente enfrentou a temível mulher. Porém a Cotinha, tal qual um general desafiado por um soldado, não aceitou a negativa de seu capacho e não teve dúvidas; tirou o Inácio do bar na base do sopapo, pra delírio dos malandros.
Com o nome na lama, no outro dia logo pela manhã, indo trabalhar, já ouviu a molecada gritando “molenga, molenga!”. Chorou resignado. O respeito à sua pessoa fora perdido e os comentários estavam na boca do povo. Mesmo assim, o corajoso homem foi beber sua cachacinha no Bar do Chola, que tinha lá seis ou sete malandros bebendo e jogando palitinho. Ao pisar o bar, começou uma enorme sessão de tiração de sarro, agora na sua cara, coisa que nunca tinha acontecido, já que Inácio não dava liberdade pra vagabundo falar de sua vida.
O que os vagais não esperavam é que Inácio, aquele acanhado, era bom na pernada. Em cinco minutos, o bar estava de cabeça pra baixo e todos os brejeiros desmaiados. Após a senhora surra que Inácio aplicou nos desocupados – e a partir daí passou a ser temido e respeitado –, bradou, antes de pedir sua caninha:
- Eu devo respeito somente à minha mulher. Não a vocês, seus frouxos!
Versarei sobre, como escancara o título do texto, um casal que ficou marcado no Parque Peruche, bairro periférico de São Paulo, por uma relação incomum, de domínio e obediência. Tal relação tornou-se pública no bairro em 1.952 e, pela data, percebe-se que, se causava estupefação em toda a vizinhança, é porque quem exercia autoridade era a Cotinha, a mulher. Braba e mal humorada que só ela, mal falava com as vizinhas e nunca esboçava um sorriso.
Hoje, 55 anos depois, é muito mais exposta a subserviência do homem frouxo e, embora ainda seja motivo de galhofas, a convivência com esta situação é mais tolerável. Quem não tem, por exemplo, um amigo “pau-mandado” que só faz o que a mulher quer, o que a mulher manda? Imaginem isso em 1.952 e, pra piorar, num bairro de negrada, cheio de malandros e de butecos. E foi justamente num buteco que se deu o entrevero.
As ruas do Parque Peruche eram, à época, denominadas com letras e iam de A a Z. O casal, Cotinha e Inácio, morava na Rua C, a duas quadras do Bar do Chola, famoso por ser freqüentado por cobras-criadas e pelos maiores pinguços da área. Inácio fugia ao perfil dos freqüentadores daquela birosca. Era um negro elegante, trabalhador. Mas não por isso acabou sendo impiedosamente achincalhado. Era, às vistas machistas que o rodeavam, um grande frouxo.
Diariamente, após a labuta, Inácio – que gostava de uma cachacinha – ia ao Chola. Tímido, encostava-se no balcão e pedia uma cerveja e uma cachaça. Era o que consumia, apenas. Mas na maioria das vezes não tinha tempo nem de terminar a cerveja. A Cotinha, barraqueira que só, sabia do horário do marido e postava-se na porta do bar para buscá-lo. A cena se repetia todos os dias; Cotinha, com as mãos fechadas apoiadas na cintura, batia incessantemente um pé no chão e botava seu olhar raivoso pra dentro do olho do marido. O buteco sempre silenciava neste momento. No máximo uns cochichos de “Olha aí, chegou a encrenca!” ou “Lá vai embora o covarde”. O conformado Inácio, como um fiel cão, “botava o rabo entre as pernas”, pegava o chapéu, abaixava a cabeça e tomava o rumo de casa, ouvindo um montão.
A reputação do Inácio foi pro brejo logo na primeira vez que Cotinha foi buscá-lo. A partir daí começaram a falação e os comentários sobre sua impotência: “Ih... Isso aí é frouxo!!”, dizia a vizinhança, mas apenas pelas suas costas. Paciente, Inácio agüentou por quase um ano as ordens da mulher, até que decidiu enfrentá-la. Com o saco cheio, certo dia pediu uma cerveja. Bebeu rápido e pediu mais uma, alternando com tragadas de cachaça. Após dez minutos não deu outra. A Cotinha já batia o pé na porta do Chola. Inácio a repreendeu, sem proferir uma palavra, fazendo sinal com a mão como dizendo “Daqui eu não saio. Vá embora!”. Lotado de espectadores, fez-se o silêncio na espelunca. O molenga finalmente enfrentou a temível mulher. Porém a Cotinha, tal qual um general desafiado por um soldado, não aceitou a negativa de seu capacho e não teve dúvidas; tirou o Inácio do bar na base do sopapo, pra delírio dos malandros.
Com o nome na lama, no outro dia logo pela manhã, indo trabalhar, já ouviu a molecada gritando “molenga, molenga!”. Chorou resignado. O respeito à sua pessoa fora perdido e os comentários estavam na boca do povo. Mesmo assim, o corajoso homem foi beber sua cachacinha no Bar do Chola, que tinha lá seis ou sete malandros bebendo e jogando palitinho. Ao pisar o bar, começou uma enorme sessão de tiração de sarro, agora na sua cara, coisa que nunca tinha acontecido, já que Inácio não dava liberdade pra vagabundo falar de sua vida.
O que os vagais não esperavam é que Inácio, aquele acanhado, era bom na pernada. Em cinco minutos, o bar estava de cabeça pra baixo e todos os brejeiros desmaiados. Após a senhora surra que Inácio aplicou nos desocupados – e a partir daí passou a ser temido e respeitado –, bradou, antes de pedir sua caninha:
- Eu devo respeito somente à minha mulher. Não a vocês, seus frouxos!
4 Comentários:
hhhahaahahahhahaahaahaha
Adorei a fala dele no final
Adoooooooooooorei
hahaahhaahahhaahahahahahahah
E concordo!!!!
hahahahahahahhahahahahaahhaah
Esse texto foi maravilhoso.
Um ótimo final de semana Artur.
Fantástico, Favela!
Agora imagina a pose da mulher, que batia em quem bateu na malandragem hahahahahahahaha.
A mistura era de graça!
Favela... um dia eu ainda vou editar estes textos seus num livro... Você é foda, ótimo cronista!!! Um abração!
Piruca
hahaha, mt bom!!!! eugenia
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