Espanhol e a ronda
Fiz, em Junho, a confissão de que adoro, mas que também tenho medo do jogo de pôquer. Fico na minha caxeta no Anhanguera aos Sábados. Lá, quando a gente perde, perde pouco. Quando ganha, ganha pouco também. Certa vez, meu pai, que não é ladrão de baralho – embora seja um dos maiores cérebros para contas e possibilidades no carteado -, se meteu a jogar pôquer. Perdeu uma grana que daria pra beber por um mês. Perdeu convicto que ganharia. A quadra de nove é fortíssima. Armar uma quadra é ganhar na loteria. O Waldir, um larápio das cartas, abriu um Royal Straight Flush (o maior jogo do pôquer), um jogo impossível, e acabou com a alegria de meu pai, que desde então nunca mais se meteu a besta.
Além deste episódio, que eu presenciei aos dez de idade, meu velho avô contava muita coisa sobre sua relação (também desastrosa, mas muito mais que a de meu pai, que parou por aí) com os jogos de azar. E contava-me sobre episódios e jogos pesados, que resultavam várias vezes em tragédia, da qual por pouco – isso ele nunca disse – acredito que se safou várias vezes.
Durante as décadas de 30 e 40, o Bom Retiro foi um dos maiores pontos de jogatina de São Paulo. Lá se encontravam grandes jogadores do pôquer, do bilhar e da ronda, além dos otários que contavam apenas com a sorte. A sorte, em mesa de rato, só aparece para encorajar o inocente a perder tudo. Contam os velhos que nas ruas Prates e Rodolfo Miranda o bicho pegava nos clubes de jogo. Um furdunço se fazia ali toda noite.
O jogo de ronda era mais perigoso que o pôquer. É um jogo rápido, num lance tudo pode ser perdido. Políticos e jovens magnatas, com mais “bala na agulha”, faziam freqüentemente suas apostas junto a muitos aventureiros que lá deixavam o ordenado inteirinho. Nas saletas onde a coisa rolava solta, era comum apostadores colocarem chaves de carro e de casa sobre a mesa. No auge do drama, nego apostava até uma noite com sua própria mulher. Contava meu avô que o negócio era tão pesado que havia uma sala de suicídio para quem, após perder tudo, não quisesse mais viver. Há quem diga que nesta sala também teve assassinato. Foram vários enforcamentos e tiros na boca na tenebrosa “sala fantasma”. A ronda era um jogo comum. No Rio de Janeiro, em 1932, Mano Edgar, grande sambista do Estácio, foi assassinado numa mesa deste terrível jogo.
De todo lugar vinha gente jogar no Bom Retiro. Na década de 30, um espanhol, que criativamente foi apelidado de Espanhol, era temido nas mesas de pôquer por sua impressionante sorte. Relatos contam que o tal gringo não perdia. Seu nome e endereço não eram sabidos por ninguém e de tempos em tempos o espanha sumia. Quando ganhava uma quantia boa, não aparecia por um determinado período e voltava, após alguns meses, cheio de pose e contando vantagens. Voltava e ganhava, o malandro, que também tinha a fama de ser “amigo das cartas”. Fato é que nenhum jogador desse naipe conta com a sorte. O buraco - não o enfadonho jogo - é mais embaixo e os outros jogadores começaram a suspeitar de uma possível aliança sua com o baixinho e calvo Torres, o crupiê. Torres não abria a boca e não tinha amigo nenhum no clube. Tinha reputação digna, que exigia uma conduta que não deixasse nada a abalar.
É óbvio que, após um bom tempo, o Espanhol, que era um bom ladrão na mesa, e o Torres se aliaram. Ganharam uma boa grana. Porém Torres andava cabreiro e, temendo a descoberta de sua “mãozinha” pro Espanhol, combinou com o gringo, então já famoso pela “sorte” que tinha, que ele ganharia uma boa grana naquela noite e sumiria dali no outro dia - não antes de fazerem o acerto - pra voltar depois de uns longos meses. Aconteceu tudo nos conformes. Espanhol arrumou suas trouxas e deu área na manhã seguinte. Mas quem está na chuva não fica sem se molhar. Torres fez um novo aliado enquanto seu “parceiro” dava um tempo.
Seis meses se passaram até o retorno de Espanhol que, perplexo, ficou sabendo do assassinato de Torres. Suas pilantragens foram reveladas e isso é imperdoável. Espanhol, que não se abalou muito, mal sabia que, antes de mandarem o Torres pro inferno, fizeram-no caguetar que o gringo também estava no esquema e que só sumia de vez em quando pra disfarçar. Na mesa de pôquer Espanhol perdeu muita grana pra um adversário mais ladrão que ele, sob olhares de inocentes incrédulos – afinal era ele o amigo das cartas - e dos novos comandantes da casa, que estavam dispostos a fodê-lo até deixá-lo na merda. Na mesma noite, Espanhol tentou reverter a situação na mesa de ronda. Num ato desesperado, tentou ludibriar a malandragem e morreu com um punhal no estômago.
Jogo que vale muito não tem otário nem malandro. Sempre tem alguém que “joga” mais que você...
Além deste episódio, que eu presenciei aos dez de idade, meu velho avô contava muita coisa sobre sua relação (também desastrosa, mas muito mais que a de meu pai, que parou por aí) com os jogos de azar. E contava-me sobre episódios e jogos pesados, que resultavam várias vezes em tragédia, da qual por pouco – isso ele nunca disse – acredito que se safou várias vezes.
Durante as décadas de 30 e 40, o Bom Retiro foi um dos maiores pontos de jogatina de São Paulo. Lá se encontravam grandes jogadores do pôquer, do bilhar e da ronda, além dos otários que contavam apenas com a sorte. A sorte, em mesa de rato, só aparece para encorajar o inocente a perder tudo. Contam os velhos que nas ruas Prates e Rodolfo Miranda o bicho pegava nos clubes de jogo. Um furdunço se fazia ali toda noite.
O jogo de ronda era mais perigoso que o pôquer. É um jogo rápido, num lance tudo pode ser perdido. Políticos e jovens magnatas, com mais “bala na agulha”, faziam freqüentemente suas apostas junto a muitos aventureiros que lá deixavam o ordenado inteirinho. Nas saletas onde a coisa rolava solta, era comum apostadores colocarem chaves de carro e de casa sobre a mesa. No auge do drama, nego apostava até uma noite com sua própria mulher. Contava meu avô que o negócio era tão pesado que havia uma sala de suicídio para quem, após perder tudo, não quisesse mais viver. Há quem diga que nesta sala também teve assassinato. Foram vários enforcamentos e tiros na boca na tenebrosa “sala fantasma”. A ronda era um jogo comum. No Rio de Janeiro, em 1932, Mano Edgar, grande sambista do Estácio, foi assassinado numa mesa deste terrível jogo.
De todo lugar vinha gente jogar no Bom Retiro. Na década de 30, um espanhol, que criativamente foi apelidado de Espanhol, era temido nas mesas de pôquer por sua impressionante sorte. Relatos contam que o tal gringo não perdia. Seu nome e endereço não eram sabidos por ninguém e de tempos em tempos o espanha sumia. Quando ganhava uma quantia boa, não aparecia por um determinado período e voltava, após alguns meses, cheio de pose e contando vantagens. Voltava e ganhava, o malandro, que também tinha a fama de ser “amigo das cartas”. Fato é que nenhum jogador desse naipe conta com a sorte. O buraco - não o enfadonho jogo - é mais embaixo e os outros jogadores começaram a suspeitar de uma possível aliança sua com o baixinho e calvo Torres, o crupiê. Torres não abria a boca e não tinha amigo nenhum no clube. Tinha reputação digna, que exigia uma conduta que não deixasse nada a abalar.
É óbvio que, após um bom tempo, o Espanhol, que era um bom ladrão na mesa, e o Torres se aliaram. Ganharam uma boa grana. Porém Torres andava cabreiro e, temendo a descoberta de sua “mãozinha” pro Espanhol, combinou com o gringo, então já famoso pela “sorte” que tinha, que ele ganharia uma boa grana naquela noite e sumiria dali no outro dia - não antes de fazerem o acerto - pra voltar depois de uns longos meses. Aconteceu tudo nos conformes. Espanhol arrumou suas trouxas e deu área na manhã seguinte. Mas quem está na chuva não fica sem se molhar. Torres fez um novo aliado enquanto seu “parceiro” dava um tempo.
Seis meses se passaram até o retorno de Espanhol que, perplexo, ficou sabendo do assassinato de Torres. Suas pilantragens foram reveladas e isso é imperdoável. Espanhol, que não se abalou muito, mal sabia que, antes de mandarem o Torres pro inferno, fizeram-no caguetar que o gringo também estava no esquema e que só sumia de vez em quando pra disfarçar. Na mesa de pôquer Espanhol perdeu muita grana pra um adversário mais ladrão que ele, sob olhares de inocentes incrédulos – afinal era ele o amigo das cartas - e dos novos comandantes da casa, que estavam dispostos a fodê-lo até deixá-lo na merda. Na mesma noite, Espanhol tentou reverter a situação na mesa de ronda. Num ato desesperado, tentou ludibriar a malandragem e morreu com um punhal no estômago.
Jogo que vale muito não tem otário nem malandro. Sempre tem alguém que “joga” mais que você...
6 Comentários:
Excelente meu irmão!!!
somos iguais nisso, prefiro a caxeta a cinco mango, bem sossegada.
abraço
Estupendos relatos, como de praxe, digníssimo Mestre.
Esses dias assiti a um filme que tratava do tema, "Even Money". Procure ver se já saiu aí no Brasil. É bom.
E termina com uma "moral da história", assim como seu post, por isso que eu lembrei.
Pôquer é um esporte dos mais salubres. Eu gostaria de praticá-lo mais freqüentemente.
Já Ronda, eu deconheço.
E pra finalizar esse meu comentário sem fio de meada, elucido o nobre cavalheiro, praticante de caxeta, de que a denominação da mão mais forte do pôquer é "Royal Straight Flush".
Sei porque já pus à bancarrota diversos casinos em Las Vegas com ela.
Saudadebeijotchau!
PomPom, saudade, também! Valeu por corrigir-me. "Barqueiro" da BF eu sou!
Beijo!
uma história melhor que a outra... o melhor Blog que já li !!! parabéns Atummm...
Interessante essa história.
Gostei!!!!
Mas acho que ainda prefiro minhas jogatinas de Tranca, ou umas jogadas de Dominó.
Bjs Artur, ótima semana!!!!
olá Damas e Cavalheiros...Tenho 49 anos e tou ausente dos "jogos" a uns 20 anos. Presenciei e joguei quase tudo que existe;- O melhor do mundo é o pocker e o que tem mais adrenalina tipo: < calça de veludo ou bunda de fora > é o jogo de Ronda...Ainda há um lugar atualmente em SP onde ocorre diáriamente...Qnd eu jogava e ganhava, não fazia diferença; mas quando perdia, esmorecia!!! Nunca presenciei tantas matizes sociais juntas ao mesmo tempo como na "RONDA": do "Zé" ao "Doutor", do político e do delegado, do bandido e do "tipo à toa";- todos imbuídos em um só objetivo: Adrenalina e dinheiro rápido e fácil. Antológico e louco este jogo...Luis Facuri.
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