8 de fev. de 2008

Torcedor Símbolo

Alguns times têm torcedores apaixonados que removem montanhas, atravessam oceanos a nado, fazem mil promessas e os priorizam em detrimento de família, trabalho e outras redundâncias menos importantes que o clube do coração. Coisa comum nessas plagas é o tal torcedor símbolo, aquela figura que é eleita o representante da torcida; que tem, notoriamente, a cara e a alma do time e que de alguma maneira se destaca mais que todos os outros torcedores.

Caso muito famoso é a fé de Elisa, a fanática corinthiana que nas horas vagas era cozinheira e doméstica. Elisa nasceu no mesmo ano que o Corinthians e carregava sua bandeira alvi-negra para todos os estádios em que o time jogava. Jamais xingou um jogador por mais perna de pau que fosse; apoiou o time com garra durante todos os infindáveis 23 anos de fila e recebeu merecida e miserável homenagem da diretoria, que cravou seu nome numa placa no Parque São Jorge.

Zé do Rádio é torcedor do Sport de Recife. Renomado por cultivar uma das mais nobres tarefas em um campo de futebol; a de atazanar os inimigos. Sua chatice, que enlouquece os incautos opositores, ganhou muito jogo pro Leão. Ganhou publicamente, de Zagallo, a pecha de chato, por ficar com seu enorme rádio ligado no último volume atrás do técnico e dos reservas adversários. A partir daí, justiça foi feita e o Zé não parou mais de colher os devidos louros. Foi homenageado no Carnaval de 2007, na cidade de Olinda, com um boneco gigante, o maior de todos, para êxtase total dos foliões rubro-negros. Em 2006 alcançou o ápice de sua carreira com direito a festa no Marco Zero de Recife promovida pela prefeitura ao ser honrosamente declarado pelo Guiness Book o torcedor mais chato do mundo, título tão nobre quanto um Nobel da Paz.

Na Barra Funda, legendária região varzeana, algumas dessas figuras que se agarram no alambrado, xingam o juiz incessantemente e topam qualquer briga são mais lembradas que os boleiros. O temível Barrabás, briguento e louco, foi o maior torcedor do Carlos Gomes. Carlito, um polêmico, viveu pelo Nacional do Bom Retiro. Os irmãos Catapano torcem ainda pelo Grajaú, time extinto há décadas, e por aí vai.

No Anhanguera, dentre tantos apaixonados, um se destaca, pelo menos pra mim. Tenho certeza que só pra mim, já que ele está longe de ser um dos históricos fanáticos pelo rubro-negro. Sua presença não é notada por absolutamente ninguém; quando sim, é desprezada, afinal é um tímido qualquer apreciando uma pelada. Enigmático senhor de uns 70 anos, magro, alto, calvo e elegante. Foram inúmeras vezes que o vi, andando a curtos passos e mãos no bolso, chegando ao Anhanguera para assistir, quieto e isolado, ao jogo. Religiosamente todos os Domingos, há anos, aquele triste homem – é a impressão que tenho que e que o torna mais fascinante – vê a peleja entre as árvores que ficam na lateral do campo, na Rua Anhaia, entrada dos fundos do clube. É como se quisesse se esconder, não de alguém, mas de alguma coisa que talvez viva em sua mente. Meu avô dizia que o homem é filho de um dos fundadores do Anhanguera, mas nunca se aproximou mais que isso. Não conversa com ninguém. Não fala nada e nem dá sinais de qualquer emoção, pois, imagino eu, vê muito mais que um jogo de futebol, como via a Elisa. Ele cumpre fielmente uma sagrada incumbência de estar ali durante aquelas horas do Domingo, sempre sozinho. No apito final, a cabeça se abaixa levemente para os olhos, fitando o chão, não cruzarem com outros e os passos curtos o levarem embora dali com seu dever executado.

Elisa, Zé do Rádio, Ramalho do Vasco, Coalhada do Santos... É gente com um fanatismo devoto que alcança patamares além-futebolísticos. São abençoados com a graça de quem detém o mistério que encanta a todos os outros torcedores; o de ser deles a intransferível missão de carregar nas costas a cruz que simboliza todo o séqüito. São a imagem e semelhança do distintivo do clube que, bem sabem, lhes pertence.

Não tenho como explicar e tampouco vou perguntar alguma coisa a ele, mas tenho absoluta convicção de que o domingo em que aquele senhor não estiver no Anhanguera alguma coisa ali mudará. Pra pior.

5 Comentários:

Anonymous Anônimo disse...

Como bom palestrino, eu gostava daquelas ocasiões nas quais a Elisa botava o pobre do São Jorge no congelador, devidamente embrulhado em papel alumínio!
Você, como alvinegro que é, sabe bem quando isso acontecia.

Quanta saudade.

Luiz (não sou o Sardinha).

9 de fevereiro de 2008 às 01:29  
Anonymous Anônimo disse...

Nooossa que legalll ...
Que bonitinho ... E que dó ao mesmo tempo. Não sabia que existia um torcedor camuflado e assiduo do AAA !!!
Mas nada é por acaso né ?
Se ele está alí há anos, e ninguém se manifestou para com ele, sinal de que é pra continuar assim !!!!

E aí.
E aquelas fotos ?

Tô esperando só !!!
Créditos à mim.

Beijão Tirone !!

10 de fevereiro de 2008 às 16:37  
Anonymous Anônimo disse...

Muito legal Arthur....
Gostei....

E apenas relembrando:
Eu não vou em jogo do Corinthians com você...
Seu pé de nitrogênio líquido...
hahahhahahahahahahahahahahaha

Precisamos marcar pra ir....
Levantar nosso timão eô..


Beijos e ótima semana!!!!

11 de fevereiro de 2008 às 10:10  
Blogger Craudio disse...

A força do alambrado e das arquibancadas nunca poderá morrer, Favela! Mesmo que até no maior templo do mundo, o Maracanã, haja cadeiras no lugar das gerais, com a indecente placa que proíbe assistir aos jogos sentados...

Abraço!

12 de fevereiro de 2008 às 00:01  
Blogger juliana amaral disse...

oi arthur,
desculpe-me invadir seu blog (que leio sempre, e é ótimo, aliás...) pra fazer um convite: amanhã, sexta, tem show do disco no SESC Santana, com participação do Moacyr Luz. Acho que dessa vez dá pra você ir, não dá?
ah, avise o bruno, por favro, também não tenho o email dele...
vou esperar, e qualquer coisa, me escreva: julianamaral@gmail.com.
beijo!

14 de fevereiro de 2008 às 14:51  

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