Acenderam os refletores
Neste arrazoado pretendo exaltar a despretenciosa organização, a falta de bom senso, a dedicação extremamente passional e, claro, as trapalhadas e confusões do futebol amador, características necessárias para a manutenção deste traço tão encantador e aglutinador que os campos de várzea têm. Tentarei contar como foi inaugurado, com muita pompa, o moderno sistema de iluminação no campo do Anhanguera, na última sexta feira.
A iluminação, do alto dos seis postes enterrados naquele chão sagrado da Barra Funda, era capaz de ofuscar as poderosas lâmpadas do Anhembi, do outro lado do rio. O critério adotado pela prefeitura foi o de escolher os 50 melhores CDCs (Centros Desportivos Comunitários) e para estes disponibilizar verbas para a instalação de refletores nos campos. Praxe, há sempre nessas cerimônias que agregam comunidade a presença das “autoridades” destilando seus empíricos conhecimentos sobre a várzea e sobre o modo de convivência das pessoas que vivem no (e pelo) clube; uma coisa impressionante suas vazias eloqüências. Aliás, na ânsia de querer, como se diz, fazer moral, um deles bradou: “Contem com nossa ajuda para elevar este clube à categoria profissional de futebol.”. Brincadeira, não? Outro profetizou: “Durante oitenta anos de Anhanguera nunca nada foi feito para este clube, que sobreviveu não sei como com essa estrutura toda! Viva a atual prefeitura.”. Taí a prova de que não conhecem nada. Os times varzeanos apenas sobrevivem porque tem gente que se dedica com afinco indomável a manter a tradição, e não por acordos políticos de toma-lá-dá-cá; embora também aconteçam e muito por aí... Enfim, pelo menos o Lívio, que nasceu e cresceu no Bom Retiro, dominou o microfone e disse palavras mais adequadas, de quem conhece o ambiente.
Óbvio que os 50 clubes escolhidos para “darem a luz” estão espalhados pela cidade; assim, teoricamente, diversas comunidades ouvirão os blá-blá-blás pré-eleitorais. No caso do Anhanguera, sexta feira, só faltou (ainda bem!) o prefeito e o vice. Estavam presentes subprefeito, secretário de esportes, assessores, deputados, vereadores, professores, doutores e - sem exagero - uns trinta bajuladores dessa turma toda, que gritavam “Bravo! Bravíssimo!” enquanto aplaudiam efusivamente os discursos, que duravam uma eternidade para os entediados que queriam bater bola e também para os que queriam embriagar-se. Alguns diretores do Anhanguera, como Nariz, Mimi, Cabeção, Waldir Diabo e Agostino entregaram placas em homenagem aos figurões ali presentes e acabou a fase solene da noite, que ainda estava no começo. Os políticos e os baba-ovos foram embora e daí pra frente a fuzarca engatou.
Nos vestiários, com os times já trocados, apenas à espera da camisa, o burburinho geral era em torno do time com o qual Moisés, nosso técnico, sairia jogando. Havia jogadores do 1º e 2º quadros, outrora Sport e Extra, respectivamente. Quase dois times de jogadores nossos; e do adversário também. Aliás, a escolha do time adversário já denota a fé inocente do dirigente varzeano que sempre acredita na vitória de seu time. O jogo foi marcado contra o time profissional do Mauaense, time este que ficou entocado em Atibaia durante quinze dias aprimorando apenas o físico, sem treino com bola. Imaginem o apetite dos caras. A diferença entre um jogador de pelada e um profissional é covardia. Já até contei sobre outra partida nesses moldes.
Moisés, no melhor estilo prancheteiro Joel Santana, rabiscava as possibilidades na madeira e emplacou: 1-Carlão, 2-Helói, 3-Bruno, 4-Alê Negão, 5-Val, 6-Piolho, 7-Ricardinho, 8-Sherra, 9-Ney, 10-Avary, 11-Wellington. Bela esquadra! Eu, com uma explosão física de coala, resignei-me em entrar no segundo tempo, conforme prometido pelo treineiro: “Na virada do jogo, troco todo mundo que ficou de fora!”. Acendem as luzes. Fogos e palmas em profusão e caras grudadas no alambrado.
Ainda antes do jogo, Naná, nosso bad boy, deu escândalo ao saber que esquentaria o banco. O motivo era, na minha humilde opinião, coerente. Dos onze escalados, três deles (1-Carlão, 2-Helói e 11-Wellington) nunca vão ao Anhanguera e foram convidados por ninguém menos que o presidente Nariz; dentro de campo também um, digamos, bad old boy, aos 60. Acho que deviam esperar no banco; era jogo de festa. Prestigiemos os nossos. Xinga daqui, empurra dali e o Naná seguiu minha ordem de irmos pro bar ao lado do campo tomar um guaraná.
Eu sabia que daria merda. No vestiário, o 2-Helói chegou atrasado e, no abraço que me deu de saudação, exalou um bafo de cana de causar ânsia de vômito. Resultado: em vinte minutos de jogo estava 4 x 0 pro Mauá, que voava em campo. Dos quatro, três foram entregues de mão beijada pelo bebaço, que, sob protestos carregados de ofensas, foi sacado pelo Moisés. A zica não parou aí. Nosso melhor jogador, o 10-Avary, estrambelhou o joelho e saiu com dez minutos de jogo, dando lugar ao ansioso Naná. Eu, assistindo ao jogo de fora do campo ao lado de Bonitão, Gilmar, Salim, Belão e Domé, não hesitei em acompanhá-los e tomei uma maria-teimosa. Decidi então não atrapalhar mais ainda o ferido rubro-negro, ao fim do primeiro tempo goleado e, sorrateiramente, entrei no vestiário, me destroquei e voltei pro furdunço, onde um músico fazia miséria com um violão e um teclado.
A massa dançava e bebia. Dentro de campo o placar não saiu disso, mas pouco importava; era dia de festa e a farra foi até de manhã desse jeito apaixonado, devoto, confuso e enraizado, como deve ser a várzea. Única maneira possível de conservar o que nos foi legado.
A iluminação, do alto dos seis postes enterrados naquele chão sagrado da Barra Funda, era capaz de ofuscar as poderosas lâmpadas do Anhembi, do outro lado do rio. O critério adotado pela prefeitura foi o de escolher os 50 melhores CDCs (Centros Desportivos Comunitários) e para estes disponibilizar verbas para a instalação de refletores nos campos. Praxe, há sempre nessas cerimônias que agregam comunidade a presença das “autoridades” destilando seus empíricos conhecimentos sobre a várzea e sobre o modo de convivência das pessoas que vivem no (e pelo) clube; uma coisa impressionante suas vazias eloqüências. Aliás, na ânsia de querer, como se diz, fazer moral, um deles bradou: “Contem com nossa ajuda para elevar este clube à categoria profissional de futebol.”. Brincadeira, não? Outro profetizou: “Durante oitenta anos de Anhanguera nunca nada foi feito para este clube, que sobreviveu não sei como com essa estrutura toda! Viva a atual prefeitura.”. Taí a prova de que não conhecem nada. Os times varzeanos apenas sobrevivem porque tem gente que se dedica com afinco indomável a manter a tradição, e não por acordos políticos de toma-lá-dá-cá; embora também aconteçam e muito por aí... Enfim, pelo menos o Lívio, que nasceu e cresceu no Bom Retiro, dominou o microfone e disse palavras mais adequadas, de quem conhece o ambiente.
Óbvio que os 50 clubes escolhidos para “darem a luz” estão espalhados pela cidade; assim, teoricamente, diversas comunidades ouvirão os blá-blá-blás pré-eleitorais. No caso do Anhanguera, sexta feira, só faltou (ainda bem!) o prefeito e o vice. Estavam presentes subprefeito, secretário de esportes, assessores, deputados, vereadores, professores, doutores e - sem exagero - uns trinta bajuladores dessa turma toda, que gritavam “Bravo! Bravíssimo!” enquanto aplaudiam efusivamente os discursos, que duravam uma eternidade para os entediados que queriam bater bola e também para os que queriam embriagar-se. Alguns diretores do Anhanguera, como Nariz, Mimi, Cabeção, Waldir Diabo e Agostino entregaram placas em homenagem aos figurões ali presentes e acabou a fase solene da noite, que ainda estava no começo. Os políticos e os baba-ovos foram embora e daí pra frente a fuzarca engatou.
Nos vestiários, com os times já trocados, apenas à espera da camisa, o burburinho geral era em torno do time com o qual Moisés, nosso técnico, sairia jogando. Havia jogadores do 1º e 2º quadros, outrora Sport e Extra, respectivamente. Quase dois times de jogadores nossos; e do adversário também. Aliás, a escolha do time adversário já denota a fé inocente do dirigente varzeano que sempre acredita na vitória de seu time. O jogo foi marcado contra o time profissional do Mauaense, time este que ficou entocado em Atibaia durante quinze dias aprimorando apenas o físico, sem treino com bola. Imaginem o apetite dos caras. A diferença entre um jogador de pelada e um profissional é covardia. Já até contei sobre outra partida nesses moldes.
Moisés, no melhor estilo prancheteiro Joel Santana, rabiscava as possibilidades na madeira e emplacou: 1-Carlão, 2-Helói, 3-Bruno, 4-Alê Negão, 5-Val, 6-Piolho, 7-Ricardinho, 8-Sherra, 9-Ney, 10-Avary, 11-Wellington. Bela esquadra! Eu, com uma explosão física de coala, resignei-me em entrar no segundo tempo, conforme prometido pelo treineiro: “Na virada do jogo, troco todo mundo que ficou de fora!”. Acendem as luzes. Fogos e palmas em profusão e caras grudadas no alambrado.
Ainda antes do jogo, Naná, nosso bad boy, deu escândalo ao saber que esquentaria o banco. O motivo era, na minha humilde opinião, coerente. Dos onze escalados, três deles (1-Carlão, 2-Helói e 11-Wellington) nunca vão ao Anhanguera e foram convidados por ninguém menos que o presidente Nariz; dentro de campo também um, digamos, bad old boy, aos 60. Acho que deviam esperar no banco; era jogo de festa. Prestigiemos os nossos. Xinga daqui, empurra dali e o Naná seguiu minha ordem de irmos pro bar ao lado do campo tomar um guaraná.
Eu sabia que daria merda. No vestiário, o 2-Helói chegou atrasado e, no abraço que me deu de saudação, exalou um bafo de cana de causar ânsia de vômito. Resultado: em vinte minutos de jogo estava 4 x 0 pro Mauá, que voava em campo. Dos quatro, três foram entregues de mão beijada pelo bebaço, que, sob protestos carregados de ofensas, foi sacado pelo Moisés. A zica não parou aí. Nosso melhor jogador, o 10-Avary, estrambelhou o joelho e saiu com dez minutos de jogo, dando lugar ao ansioso Naná. Eu, assistindo ao jogo de fora do campo ao lado de Bonitão, Gilmar, Salim, Belão e Domé, não hesitei em acompanhá-los e tomei uma maria-teimosa. Decidi então não atrapalhar mais ainda o ferido rubro-negro, ao fim do primeiro tempo goleado e, sorrateiramente, entrei no vestiário, me destroquei e voltei pro furdunço, onde um músico fazia miséria com um violão e um teclado.
A massa dançava e bebia. Dentro de campo o placar não saiu disso, mas pouco importava; era dia de festa e a farra foi até de manhã desse jeito apaixonado, devoto, confuso e enraizado, como deve ser a várzea. Única maneira possível de conservar o que nos foi legado.
11 Comentários:
Mano,
realmente as "autoridades" falam cada uma... um deles falou uma hora: "quem é esse time de azul?", responderam: "mauaense", o figurão falou:"mauaense de onde?", e eu queria falar: "de São Bernado do Campo animal!!!".
Os refletores realmente são bons e a festa foi boa, agora o jogo sem chance, profissionais X pingaiadas varzeanos!!!rs
Abraço
Eu achei que os refletores não estão tão bons assim porque o nosso time não viu a bola...rsrsrs
Eu que jogo na zaga quase tive uma parada cardíaca de tanto correr atrás dos caras, foi feia a coisa, mas valeu pela festa.
Bruno Tirone
Tem nada não, Favelis... Continue marcando seus golaços -como este! - por aqui mesmo.
Artur
Foi uma festa linda.
Emocionante mesmo...Eu gostei muito.
Pena que o Ava agora vai ter que operar o joelho...rs...Tadinho.
Bjs!!!
Arthuuuca meu rei !!
Fiquei sabendo que a festa foi estilosa !!!! Mas infelizmente a quinta feira rendeu muito e acabou prejudicando minha sexta ... Muita enxaqueca !!
Um beijo, e espero te ver antes do dia 28 né ? =D
Que beleza! Sempre bom ler seus textos, mano véio. E não se esqueça: depois da Páscoa quero vê-lo para nova noite de prosa etílica. Seja no meu território ou no seu. É isso aí.
Mano Bruno, rabisca aí: Será no teu território!
Cabra...tem até gringo no pedaço....c tá marrento hein parceiro.
O AAA perdeu porque eu não joguei..perderíamos de 4x3 ...com 3 gols meus, mas agora somente em junho.
Abs,
AT
Angelo, este comentário gringo não passa de um spam que acabei de deletar. Não posso, apesar de o blog ter - como se pode ver lá embaixo - visitas de 30 países além do Brasil, me gabar; a maioria esmagadora, na certeza, é neguinho nos confins pesquisando alguma coisa no Google e caindo aqui de alegre. Mas vale, né?!
No segundo parágrafo, espetacularmente, você conseguiu ser contraditório em pouquíssimas palavras. Incrível!
No mais, arrume logo o joelho e volte a jogar. O time precisa do seu pulmão...
Beijo.
Arthur não esquenta não em janeiro estarei de volta
Ava
Arthur, esse escandaloso nana fez que fez que conseguiu destaque no "nosso" blog. á propósito não está na hora de vc falar um pouco de mim e me comparar ao espetacular Wilson Mano do TIMÃO...
abs Biano.
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