12 de mai. de 2008

O Tirone e os Cabeleira - Parte V

Calixto estava sempre alterado, doidão. Era quem fornecia drogas e remédios na região pra quem os quisesse. Execrado pela família, Calixto encontrou nos Cabeleira uma nova. Na noite das garrafadas, certamente por embalo, entrou na onda e tacou várias. Dois dias depois de Adolfo, Tirone pegou Calixto na Rua Anhaia, perto de um ponto onde vendia – todo mundo sabia - seus bagulhos. Meu velho avô, já avô e velho, alertava-nos com indignação e desprezo para o efeito da maconha, segundo ele apenas psicológico. Catou o distraído Calixto por trás, enfiou um tapaço na nuca e puxou a gola de sua camisa pra cima, enforcando o nóia:

- E agora, vai me dar garrafada?

- Peloamordedeus, me desculpa, Tirone!! Eu estava louco, maconhado!

- Vagabundo! Acende essa merda, ô impiastro. Eu vou te mostrar que essa porcaria desse cigarro que você fuma não dá nada! Acende! – já estalando seguidas vezes a orelha do corujão.

Tirone deu dois enormes tragos no baseado, olhou pra Calixto e, vermelho em fogo de raiva, mandou:

- Isso não dá nada, seu pilantra – esmurrou impiedosamente o Calixto, que tentava em vão se desvencilhar, ali no meio da rua, deixando-o estendido até de manhã. Naquela mesma noite, Tirone chegou em casa, comeu todo o estoque das prateleiras e dormiu o sono dos justos feito uma pedra.


Depois de algumas semanas, período em que Tirone já havia surrado Heleno na saída de uma missa na Santo Antonio, e Silvestre, no Jóquei Clube, numa infeliz coincidência – para Silvestre - de gosto por corrida de cavalos, o forte Adolfo procurou Tirone no Nunca Fecha, numa noite em que o bar estava lotado. O bar calou e todo mundo abriu espaço; seria briga de titãs. A única contra todos os Cabeleira que Tirone poderia, supostamente, levar a pior. À primeira impressão, Adolfo provavelmente aplicaria uma tréplica. Mas tal confronto não aconteceu. Adolfo disse estarem quites; e concordava que Tirone tivesse motivo ainda pra ir atrás dos últimos dois da lista, que estavam sumidos: Vovô, o líder dos Cabeleira, e Niquinho, o agitador que incitara a sinistra agressão.

A motivação dos panos quentes postos por Adolfo era uma só. Não ser vítima de caguetagem no “caso Teixeira”; Alvinho abrira o jogo para Adolfo que havia contado a história para Tirone numa noite de porranca. Tirone garantiu que não alastraria e, depois de alguns anos, chegou a beber com Adolfo algumas vezes, quando se encontravam nos butecos. Foi o único Cabeleira que depois manteve algum contato com o velho.

No final de três meses após a fatídica Noite das Garrafadas, a moral dos Cabeleira era zero; não deram as caras, por um bom tempo, nem nos jogos do Carlos Gomes. Depois, quando voltaram, aos poucos, já não tinham a união entre si nem impunham terror; os dois pilares que os sustentavam.

O chefe Vovô mudou-se da Barra Funda para sempre. Diziam que foi simbora pras bandas da Vila Matilde e nunca mais mostrou os cornos na área. O último a ser batido, portanto, era Niquinho; pequenino, mas ruim. Foi difícil achá-lo. Niquinho escondia-se, encobria-se, ocultava-se, sumia. Quando saía na rua, fazia caminhos que desviavam de um possível encontro com Tirone e olhava com atenção para todos os lados; parecia ter um olho nas costas. Porém sua hora tardou, mas não falhou. Numa tarde de Novembro daquele ano, seis meses após Niquinho incitar o abjeto ataque, Tirone o trombou de frente numa esquina do Bom Retiro. Niquinho correu e subiu num bonde passante, mas foi alcançado. Apanhou violentamente dentro do bonde para pavor de alguns que tentaram separar, mas foram impedidos por duas jovens senhoras que reconheceram Niquinho. Em delírio, gritavam “Deixa esse gatuno apanhar.”, e a outra “ele gosta de bolinar tudo que é moça no bonde!”. Tirone ainda, segurando o despedaçado Niquinho pelas orelhas, o fez pedir desculpas em público e foi aplaudido efusivamente.

A grandiosa repercussão dessa famosa epopéia se deu por conta da assistência, que acompanhava atentamente cada embate. Tirone transformava-se, a partir de então, numa espécie de vingador de todos que haviam sofrido, direta ou indiretamente, algum tipo de pilantragem dos Cabeleira, que extinguiram-se sumariamente.

Estranhamente nunca, em tempo nenhum, lembro-me de meu avô falando que havia retrucado todos os Cabeleira, como alardeavam pelo bairro décadas e décadas depois. Quando perguntado sobre o assunto dizia que pegara alguns deles, mas não gostava muito de falar sobre o assunto. Alguma coisa o incomodava.

Tirone faleceu a 02 de Novembro de 2.000, vítima de um câncer de intestino. O robusto senhor de 82 não suportou as duas operações a que fora submetido (a segunda em conseqüência dos pontos que ele estourou da primeira, inacreditavelmente encontrando forças para levantar-se da cama). Alternando momentos de alucinação e de consciência, jamais pude me esquecer da última frase que o Velho me disse, um dia antes de cantar pra subir. Após alguns minutos de pedir-me conscientemente para cuidar de minha avó, sua mulher Antonia, Tirone começou a falar coisas desconexas, frases delirantes; logo depois dormiu, sob efeito de sedativos. Nesse meio tempo, coisa rápida, tentei mantê-lo acordado:

- Vovô?

E o Velho, em outra dimensão, com os olhos apertados e as mãos fechadas com força, rangendo dentes imaginários em sua banguela, voltando 53 anos no Tempo, bradou:

- Ainda pego esse desgraçado!

(Final)

14 Comentários:

Blogger Craudio disse...

Tem que publicar esse troço todo, Favela!

Abraços saudosos, mano véio!

12 de maio de 2008 às 16:54  
Anonymous Anônimo disse...

Animal !!
Sem comentários !!!!!!
Parabéns mestre !!!!!

Beijos

12 de maio de 2008 às 17:31  
Anonymous Anônimo disse...

belos textos mano!

abraço

12 de maio de 2008 às 18:40  
Anonymous Anônimo disse...

Adorei!
Abraço

12 de maio de 2008 às 22:35  
Anonymous Anônimo disse...

Vixi!! Que trama, que beleza de textos, que categoria... Parabéns, mano!

12 de maio de 2008 às 22:50  
Anonymous Anônimo disse...

Foda!
sem mais.
Valeu esperar 3 semanas pra ler o final.

abraços.

13 de maio de 2008 às 14:06  
Anonymous Anônimo disse...

Um copo cheio em homenagem ao velho Tirone!

14 de maio de 2008 às 10:37  
Anonymous Anônimo disse...

Boa Cabra..o vô merece..afinal..além de forte batia muito, se juntar todos os filhos e netos não chegamos na metade da força do velho.

abs,

Angelo

14 de maio de 2008 às 16:22  
Blogger Szegeri disse...

Bem-aventurado o homem que glorifica seus antepassados! Mo jubà!

15 de maio de 2008 às 18:41  
Anonymous Anônimo disse...

bons contos e histórias do nosso dia dia

20 de maio de 2008 às 09:44  
Anonymous Anônimo disse...

Que declaração de amor!
Sensacional!, irretocável!, atemporal!!!

Faz jus ao sobrenome, o Arthur.

Beijo na testa, mestre!

20 de maio de 2008 às 15:46  
Anonymous Anônimo disse...

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20 de novembro de 2009 às 23:14  
Anonymous Anônimo disse...

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6 de agosto de 2011 às 01:48  
Anonymous Anônimo disse...

Muito bom, ótimo texto, ótimas estórias... Saudade de uma época quenão vivi, e que não existe mais... Parabéns a família Anhanguera.

13 de novembro de 2013 às 13:13  

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