Cabo eleitoral
Uma de minhas peculiaridades é o interesse por grandes figuras. Mas tais grandes figuras talvez existam só para mim, talvez só eu as considere assim. Não estou a falar de gente “importante”; bufunfa, influência e pose, definitivamente, não me dizem nada. Na maioria das vezes me repelem. As grandes figuras prescindem dessas redundâncias. Nada contra gozar de alguns prazeres do conforto ou de algumas oportunidades conseqüentes de influência – a pose é que não tem justificativa nenhuma. Para se reconhecer uma personalidade dessas é necessário, antes de mais nada, estar na rua. É preciso deixar que a subjetividade das percepções e a objetividade das ações se fundam e é imperioso desfazer o que há de certeza, o que há de definitivo, o que está dado, porque há quem prove o contrário.
Nas minhas andanças – em círculo, é verdade! - por Barra Funda, Bom Retiro e Casa Verde, os únicos lugares que conheço, deparei-me com alguns indivíduos dessa fina estirpe. São eles, os anônimos a quem me refiro na caixa de apresentação do blogue, que me motivam a dedicar um tempinho para escrevê-los. É com eles que eu gosto de estar, de preferência bebendo. Muitos, é claro, não são meus contemporâneos e já abotoaram o paletó há tempos. É gente de tantas naturezas; crias do mundo, pelejadores de porões, malandros meio-caráter, filhos da roça, ignorantes eloqüentes, sofredores de amor, bêbados valentes, todos comungando o que há de mais nobre: a simplicidade.
Entre essas figuras está um amigo meu, o Roberto, que atende pelo nome de Bonitão. O apelido, datado do começo da década de 60, é obra do escárnio da garotada do bairro. Bonitão é, de longe, o sujeito mais burlesco que conheci. Foi ele quem me cravou o apelido de Favela, há mais de dez anos. Tem a língua presa no erre, que causa a famigerada disfunção do “tlinta-e-tlês”. Tudo no cabra, o jeito de andar, de gesticular, de falar, é cômico. O Bonitão, hoje, é um dos poucos que representam o espírito da Barra Funda. À frente de seu ponto de bicho há 20 anos, na Baronesa de Porto Carreiro com a Anhangüera, Bonitão vê e ouve tudo. Além disso, 56 anos de bairro e sua conduta boa-praça lhe asseguram portas abertas por onde passa. O ato de ir ao banco, por exemplo, é um grande passeio. Boni para nos butecos, vai entregando o resultado da manhã como quem distribui folhetos, toma cafezinho numa casa ou outra, essas coisas.
Sua maior característica, porém, é a falta de filtro cerebral. Bonitão diz o que pensa no instante em que pensa e isso já lhe causou tremendos problemas. Só do Waldir, o Diabo, Boni (como a Marilú – a maior figura feminina do lugar - o chama) já tomou três copadas e uma garrafada, e são – acreditem! – amigos inseparáveis. Na última eu estava presente, à mesa com eles, no Bar do Sinval. Junto também estavam Bule e Gilmar. O Diabo fez uma brincadeira (dessas que não se faz) com o Bonitão, dizendo alguma coisa da mãe do amigo. Levou um revide que, de tão imediato, demorou uns quinze segundos pra raciocinar, xingar e, por fim, tacar a garrafa na direção do Bonitão, que a esta altura já estava quase na esquina.
Graças à falta do filtro cerebral, Bonitão foi elevado a uma categoria parecida com a famosa “café-com-leite”. Tudo é esperado quando se está na mesma mesa que ele. As maiores bolas-fora que eu já dei, por exemplo, são constância para o Bonitão. Comentários “maldosos” são sua especialidade. E aí é que mora a jogada. O Bonitão, um dos maiores broncos que conheço, um semi analfabeto, um cujo que nunca teve carteira assinada – eu duvidava, até pouco tempo, que ele possuísse qualquer documento -, não tem nenhuma maldade, ao contrário do que alguns imaginam. Bonitão faz piadas, não as perde nunca. Mesmo estando frente a frente com o Diabo, ou com qualquer um. É só saber a liberdade que se vai a ele oferecer, fácil assim. Se não agüenta, não brinca.
As cenas protagonizadas pelo Bonitão são toscas. Uma das incontáveis se deu por esses dias, no próprio bar do Sinval.
Um político, candidato a vereador, anda fazendo campanha pesada na Barra Funda. O caboclo é da Vila Carrão, mas por intermédio do Jair, seu amigo e freqüentador do buteco, veio fazer discurso e pagar churrasco pros lados de cá. No buteco do Sinval o que pega é a sexta-feira. O pagode comandado pelo Zonga, filho do Sinval, tem tradição e um público fiel, de alterar a rota dos ônibus que passam por aquele pedaço da Anhangüera. A rua fica lotada.
O político, na primeira sexta que esteve lá com o Jair, deslumbrou-se com aquele amontoado de gente, viu ali um filão, presas bem fáceis. A jogada, tão corriqueira quanto abjeta, não demorou. O Sinval, que também não nasceu ontem, de uma hora pra outra virou – como um puxa-saco classificou – “formador de opinião” e cabo eleitoral do homem. O candidato, que tem uma gráfica, não perdeu tempo e imprimiu milhares de cartõezinhos com uma foto do Sinval e um depoimento o indicando para ser nosso representante, o que angariará, seguramente, alguns votos na área.
Na sexta-feira retrasada o Bonitão deu das suas. O Jair, todo pomposo, apresentou seu amigo candidato à “diretoria” – como é chamada a mesa em que ficam só os cabeça-branca. Dois assessores haviam distribuído o cartãozinho para todo o público que estava ali pra curtir o samba. O Bonitão, num aperto danado, disse que poderia usar de seu conhecimento na região para propagar o nome do fulano, em troca de uma graninha não muito curta. O Jair deu o aval e o candidato botou a grana na mão do Bonitão que, no mesmo instante, não perdeu a chance de impor seu vasto conhecimento político e discursou garboso para a toda a assistência:
- O senhor pode saber que aqui a gente consegue muitos votos. Não posso plometer que o senhor se elege, mas que passa pelo plimeiro turno, passa. Eu garanto!
Nas minhas andanças – em círculo, é verdade! - por Barra Funda, Bom Retiro e Casa Verde, os únicos lugares que conheço, deparei-me com alguns indivíduos dessa fina estirpe. São eles, os anônimos a quem me refiro na caixa de apresentação do blogue, que me motivam a dedicar um tempinho para escrevê-los. É com eles que eu gosto de estar, de preferência bebendo. Muitos, é claro, não são meus contemporâneos e já abotoaram o paletó há tempos. É gente de tantas naturezas; crias do mundo, pelejadores de porões, malandros meio-caráter, filhos da roça, ignorantes eloqüentes, sofredores de amor, bêbados valentes, todos comungando o que há de mais nobre: a simplicidade.
Entre essas figuras está um amigo meu, o Roberto, que atende pelo nome de Bonitão. O apelido, datado do começo da década de 60, é obra do escárnio da garotada do bairro. Bonitão é, de longe, o sujeito mais burlesco que conheci. Foi ele quem me cravou o apelido de Favela, há mais de dez anos. Tem a língua presa no erre, que causa a famigerada disfunção do “tlinta-e-tlês”. Tudo no cabra, o jeito de andar, de gesticular, de falar, é cômico. O Bonitão, hoje, é um dos poucos que representam o espírito da Barra Funda. À frente de seu ponto de bicho há 20 anos, na Baronesa de Porto Carreiro com a Anhangüera, Bonitão vê e ouve tudo. Além disso, 56 anos de bairro e sua conduta boa-praça lhe asseguram portas abertas por onde passa. O ato de ir ao banco, por exemplo, é um grande passeio. Boni para nos butecos, vai entregando o resultado da manhã como quem distribui folhetos, toma cafezinho numa casa ou outra, essas coisas.
Sua maior característica, porém, é a falta de filtro cerebral. Bonitão diz o que pensa no instante em que pensa e isso já lhe causou tremendos problemas. Só do Waldir, o Diabo, Boni (como a Marilú – a maior figura feminina do lugar - o chama) já tomou três copadas e uma garrafada, e são – acreditem! – amigos inseparáveis. Na última eu estava presente, à mesa com eles, no Bar do Sinval. Junto também estavam Bule e Gilmar. O Diabo fez uma brincadeira (dessas que não se faz) com o Bonitão, dizendo alguma coisa da mãe do amigo. Levou um revide que, de tão imediato, demorou uns quinze segundos pra raciocinar, xingar e, por fim, tacar a garrafa na direção do Bonitão, que a esta altura já estava quase na esquina.
Graças à falta do filtro cerebral, Bonitão foi elevado a uma categoria parecida com a famosa “café-com-leite”. Tudo é esperado quando se está na mesma mesa que ele. As maiores bolas-fora que eu já dei, por exemplo, são constância para o Bonitão. Comentários “maldosos” são sua especialidade. E aí é que mora a jogada. O Bonitão, um dos maiores broncos que conheço, um semi analfabeto, um cujo que nunca teve carteira assinada – eu duvidava, até pouco tempo, que ele possuísse qualquer documento -, não tem nenhuma maldade, ao contrário do que alguns imaginam. Bonitão faz piadas, não as perde nunca. Mesmo estando frente a frente com o Diabo, ou com qualquer um. É só saber a liberdade que se vai a ele oferecer, fácil assim. Se não agüenta, não brinca.
As cenas protagonizadas pelo Bonitão são toscas. Uma das incontáveis se deu por esses dias, no próprio bar do Sinval.
Um político, candidato a vereador, anda fazendo campanha pesada na Barra Funda. O caboclo é da Vila Carrão, mas por intermédio do Jair, seu amigo e freqüentador do buteco, veio fazer discurso e pagar churrasco pros lados de cá. No buteco do Sinval o que pega é a sexta-feira. O pagode comandado pelo Zonga, filho do Sinval, tem tradição e um público fiel, de alterar a rota dos ônibus que passam por aquele pedaço da Anhangüera. A rua fica lotada.
O político, na primeira sexta que esteve lá com o Jair, deslumbrou-se com aquele amontoado de gente, viu ali um filão, presas bem fáceis. A jogada, tão corriqueira quanto abjeta, não demorou. O Sinval, que também não nasceu ontem, de uma hora pra outra virou – como um puxa-saco classificou – “formador de opinião” e cabo eleitoral do homem. O candidato, que tem uma gráfica, não perdeu tempo e imprimiu milhares de cartõezinhos com uma foto do Sinval e um depoimento o indicando para ser nosso representante, o que angariará, seguramente, alguns votos na área.
Na sexta-feira retrasada o Bonitão deu das suas. O Jair, todo pomposo, apresentou seu amigo candidato à “diretoria” – como é chamada a mesa em que ficam só os cabeça-branca. Dois assessores haviam distribuído o cartãozinho para todo o público que estava ali pra curtir o samba. O Bonitão, num aperto danado, disse que poderia usar de seu conhecimento na região para propagar o nome do fulano, em troca de uma graninha não muito curta. O Jair deu o aval e o candidato botou a grana na mão do Bonitão que, no mesmo instante, não perdeu a chance de impor seu vasto conhecimento político e discursou garboso para a toda a assistência:
- O senhor pode saber que aqui a gente consegue muitos votos. Não posso plometer que o senhor se elege, mas que passa pelo plimeiro turno, passa. Eu garanto!
4 Comentários:
Hahaha mto boa essa favela... E como sempre o nosso querido boni soltando das suas perolas. Belo samba sexta parabéns... Abraço
Grande Bonis, fez o vereador se imaginar num segundo turno, ôôô mula!
Abraço mano
Fala Arthur
O bonitão é uma figura
Mas um cara gente boa
Legal esse conto
Abraço
Gostaria de ver o nome do ANIBAL BARNABÉ nesta homenagem. pois o mesmo faz parte do cruz desde a fundação; sou testemunha viva tenho 40 anos e me lembro das reuniões na PRAÇA CRUZ DA ESPERANÇA. Morava na rua dobrada na infancia. Sou um dos seus SETE filhos: Paulo Marcelo Barnabé.
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