O pé de valsa e o pugilista
Parte I - O desafio no São Paulo Chic
No final da década de 60 e começo dos anos 70 o couro comia na Rua Brigadeiro Galvão; sob o comando do pessoal da Camisa Verde e Branco e a bênção de Seu Inocêncio Mulata, o São Paulo Chic marcou época na cidade. Ali começaram sambistas do quilate de Mario Luiz e Nelson Primo. Era um salão de samba, ponto de encontro de vagabundos de vários matizes: músicos, batuqueiros, jogadores de futebol, vadios e muitas, muitas cabrochas. As noites de sexta feira eram concorridas, a casa ficava entupida. O velho Inocêncio, que morava ali perto, não era de ficar, não. Chegava umas dez da noite, no começo, pra checar os preparativos. Dava uma panorâmica e voltava pra casa. Depois, lá pelas duas da madruga, pintava na área de novo. De canto ficava sacando o movimento. Tinha que estar tudo sob controle; na casa da gente não pode ter bagunça senão dá uma sujada no nome. No caso, o nome da verde e branco. E o velho voltava mais uma vez pra casa. De manhãzinha, com o baile encerrado, voltava pra inspecionar o salão; se nada estava quebrado era sinal de que tudo transcorrera como manda a boa malandragem. Era essa a rotina nos bailes. No começo e no final Seu Inocêncio na área, vendo a tudo e a todos. E, num espaço de tempo de quinze minutos, perto das duas horas, também. Era bom neguinho não vacilar, senão o velho catava pelo braço e botava pra correr. E ai de quem contrariasse.
Número baixo era respeitado pelos vagais. E era assim que funcionava com Seu Inocêncio Mulata; em torno do homem uma mística. Lendas e mais lendas creditavam-lhe autoridade máxima, quase divina. Diziam que era um grande bastedor, daquela turma que protegia o estandarte da escola. Andava, no desfile, segurando o bastão. Nego estranho chegava perto, era espetado com o bastão no baço. Até os maiores malandros, entre eles Hélio Bagunça, que desde muito jovem já era um dos mais temidos, abaixavam a cabeça. Era o velho botar os pés pra dentro do salão que o ambiente ficava manso, manso. “Olha o Seu Inocêncio aí”, um vagal falava pro outro, cutucando. Era o devido respeito por quem, segundo Nei Lopes, teve a coragem de ser pioneiro e o destino de chegar primeiro.
Dentro do salão era aquele sambão, e onde tem dançarino do bom tem mulher ao redor. Era tudo no nome de Paulinho. Como dançava! Neguinho esguio, canela fina, bem alto. Não teve jeito, virou Paulinho Pernalonga. Toda sexta feira estava lá com, no mínimo, três caboclinhas revezando a dança. Duas parceiras constantes, a Zenilda acompanhava bem no liso, na classe. O corpo esbelto não omitia a elegância. A outra era a Creuza, que era pro puladinho. Paulinho a jogava pra cima, girava, rodopiava a nega. E a nega acabou ganhando o apelido de Mola. Creuza Mola e Zenilda dividiam o Pernalonga com diplomacia, tudo na santa paz; elas sabiam que o ponto fraco de cada era o forte da outra, e assim corria o barco. Quando outras mulatas se aproximavam é que as duas se sentiam preteridas e davam umas duras nas lambisgóias atrevidas. Teve barraco algumas vezes, embora tudo sendo controlado pelo Paulinho Pernalonga, o neguinho que dançava muito. Ainda por cima era tido como galã, por isso em todo baile reservava uma mesa de cinco, seis lugares, mesa que só sentava mulher pra dançar com ele. Era enjoado, o pretinho.
Como nem tudo são flores, Paulinho acabou despertando ciúme em Carlinhos, que fazia parte da harmonia do Camisa e era assíduo freqüentador do SP Chic. Carlinhos era boxer dos bons e já tinha nocauteado um monte participando de preliminares no Baby Barione. Era feio, mas feio demais. Parecia ter sido esculpido à machadadas. No baile acabava não dançando com mulher nenhuma. Enquanto isso Paulinho gastava a sola do bicolor. Não foi propriamente ciúme que Carlinhos sentiu. Há gente que, na ânsia por moral, quer desbancar alguém de respeito, e de graça. Foi isso. O Pernalonga era um tremendo boa praça, não mexia com ninguém. Mas, para Carlinhos, dar uma surra no Paulinho valeria uma honra ao mérito; tremenda asneira. Começou a humilhar Paulinho Pernalonga publicamente, advertindo que quebraria sua cara quando bem entendesse. O Paulinho, nem ligando, só dizia pro Carlinhos parar com isso, que isso não levaria a nada. Mas a coisa foi pegando corpo e o Carlinhos foi odiando o Paulinho, e o Paulinho foi ficando com o saco cheio. Até o dia em que o pugilista afastou a dama que dançava com o pé-de-valsa, agarrou-o pela gola da camisa e bradou que “Eu quebro a sua cara é hoje!”.
(Continua)
No final da década de 60 e começo dos anos 70 o couro comia na Rua Brigadeiro Galvão; sob o comando do pessoal da Camisa Verde e Branco e a bênção de Seu Inocêncio Mulata, o São Paulo Chic marcou época na cidade. Ali começaram sambistas do quilate de Mario Luiz e Nelson Primo. Era um salão de samba, ponto de encontro de vagabundos de vários matizes: músicos, batuqueiros, jogadores de futebol, vadios e muitas, muitas cabrochas. As noites de sexta feira eram concorridas, a casa ficava entupida. O velho Inocêncio, que morava ali perto, não era de ficar, não. Chegava umas dez da noite, no começo, pra checar os preparativos. Dava uma panorâmica e voltava pra casa. Depois, lá pelas duas da madruga, pintava na área de novo. De canto ficava sacando o movimento. Tinha que estar tudo sob controle; na casa da gente não pode ter bagunça senão dá uma sujada no nome. No caso, o nome da verde e branco. E o velho voltava mais uma vez pra casa. De manhãzinha, com o baile encerrado, voltava pra inspecionar o salão; se nada estava quebrado era sinal de que tudo transcorrera como manda a boa malandragem. Era essa a rotina nos bailes. No começo e no final Seu Inocêncio na área, vendo a tudo e a todos. E, num espaço de tempo de quinze minutos, perto das duas horas, também. Era bom neguinho não vacilar, senão o velho catava pelo braço e botava pra correr. E ai de quem contrariasse.
Número baixo era respeitado pelos vagais. E era assim que funcionava com Seu Inocêncio Mulata; em torno do homem uma mística. Lendas e mais lendas creditavam-lhe autoridade máxima, quase divina. Diziam que era um grande bastedor, daquela turma que protegia o estandarte da escola. Andava, no desfile, segurando o bastão. Nego estranho chegava perto, era espetado com o bastão no baço. Até os maiores malandros, entre eles Hélio Bagunça, que desde muito jovem já era um dos mais temidos, abaixavam a cabeça. Era o velho botar os pés pra dentro do salão que o ambiente ficava manso, manso. “Olha o Seu Inocêncio aí”, um vagal falava pro outro, cutucando. Era o devido respeito por quem, segundo Nei Lopes, teve a coragem de ser pioneiro e o destino de chegar primeiro.
Dentro do salão era aquele sambão, e onde tem dançarino do bom tem mulher ao redor. Era tudo no nome de Paulinho. Como dançava! Neguinho esguio, canela fina, bem alto. Não teve jeito, virou Paulinho Pernalonga. Toda sexta feira estava lá com, no mínimo, três caboclinhas revezando a dança. Duas parceiras constantes, a Zenilda acompanhava bem no liso, na classe. O corpo esbelto não omitia a elegância. A outra era a Creuza, que era pro puladinho. Paulinho a jogava pra cima, girava, rodopiava a nega. E a nega acabou ganhando o apelido de Mola. Creuza Mola e Zenilda dividiam o Pernalonga com diplomacia, tudo na santa paz; elas sabiam que o ponto fraco de cada era o forte da outra, e assim corria o barco. Quando outras mulatas se aproximavam é que as duas se sentiam preteridas e davam umas duras nas lambisgóias atrevidas. Teve barraco algumas vezes, embora tudo sendo controlado pelo Paulinho Pernalonga, o neguinho que dançava muito. Ainda por cima era tido como galã, por isso em todo baile reservava uma mesa de cinco, seis lugares, mesa que só sentava mulher pra dançar com ele. Era enjoado, o pretinho.
Como nem tudo são flores, Paulinho acabou despertando ciúme em Carlinhos, que fazia parte da harmonia do Camisa e era assíduo freqüentador do SP Chic. Carlinhos era boxer dos bons e já tinha nocauteado um monte participando de preliminares no Baby Barione. Era feio, mas feio demais. Parecia ter sido esculpido à machadadas. No baile acabava não dançando com mulher nenhuma. Enquanto isso Paulinho gastava a sola do bicolor. Não foi propriamente ciúme que Carlinhos sentiu. Há gente que, na ânsia por moral, quer desbancar alguém de respeito, e de graça. Foi isso. O Pernalonga era um tremendo boa praça, não mexia com ninguém. Mas, para Carlinhos, dar uma surra no Paulinho valeria uma honra ao mérito; tremenda asneira. Começou a humilhar Paulinho Pernalonga publicamente, advertindo que quebraria sua cara quando bem entendesse. O Paulinho, nem ligando, só dizia pro Carlinhos parar com isso, que isso não levaria a nada. Mas a coisa foi pegando corpo e o Carlinhos foi odiando o Paulinho, e o Paulinho foi ficando com o saco cheio. Até o dia em que o pugilista afastou a dama que dançava com o pé-de-valsa, agarrou-o pela gola da camisa e bradou que “Eu quebro a sua cara é hoje!”.
(Continua)
3 Comentários:
CARAMBA FAVELA, AGORA QUE ESSE CAUSO ESTAVA FICANDO INTERESSANTE O CARA DISSE QUE IA QUEBRAR A CARA DO MALUCO DANÇADOR RS E AI CONTINUAAAA KKKKK PARECEIA QUE EU ESTAVA VIVENCIANDO ESTA SITUAÇÃO... NO MEU TEMPO DE DAÇARINO FUI UM EXIMIO NESSA ARTE HJ ME APOSENTEI ESTOU ME DEDICANDO AO SEXO E BEBIDAS RSRS... ABRAÇO
Cabra,
Vc e suas trilogias...muito boas !
Abs,
Angelo
Fala Arthur
Meu esse texto está melhor do que a novela A Favorita, com certeza entrarei nos próximos dias para saber o final desse causo
Abraço
Ava
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