Venham comer conosco
Quando eu conheci o Estevão ele estava de azul e branco, se aquecendo para um jogo no campo do Baruel. O azul e branco era o uniforme do tradicional Vâmo que Vâmo, time fundado por ninguém menos que Zulu. O time jogava apenas em festivais; foi criado para reunir grandes ex-jogadores da região. Jogavam Serginho Chulapa, Basílio, Ademar Pantera e outros ex-profissionais, além do Galo, Jorginho, Tatu, Lalo, Mimi e outros boleiros da Casa Verde. Só veteranos. Entre eles o Estevão, que foi zagueiro do São Paulo na década de 70. O sujeito, de boca fechada, já é engraçado. Quando conta histórias dos bastidores que presenciou no futebol então, não há quem se agüente. De uma delas nunca esqueci.
Estevão, já com a carreira encerrada, gordo, foi jogar num time do interior de Goiás do qual não me lembro o nome. Nem a cidade. Um time pequeno, modestíssimo, da segunda divisão estadual; quase um time amador. A cidade o aguardava com tremenda ansiedade. O craque que, segundo ele mesmo, exibia mais categoria que o Beto Fuscão, foi recebido com toda a pompa. A função foi organizada na mansão de um político dono de terras mil em Goiás. O cabra era também o presidente do clube e dono do único puteiro da cidade. Gabava-se por ter muitos empregados; segundo o escroto, mais que vacas. Um coronel dos fortes.
O time era formado por trabalhadores, gente humilde. Pedreiros, carpinteiros, trabalhadores do campo, analfabetos. Era a primeira vez que se viam em um evento junto com a “elite” do lugar. Os fazendeiros e políticos mais ricos festejavam a chegada do Estevão – particularmente, acredito que o Estevão tenha sido uma desculpa para uma reunião de interesses entre os canalhas de toda a região. Os jogadores, tímidos, ficaram num canto, comendo e bebendo entre eles, tomando cuidado com os modos, maneirando nas brincadeiras e na bebida. Do outro lado, os latifundiários e suas madames não queriam contato com a plebe. O prefeito, suando em bicas, fez um discurso efusivo comemorando uma possível ascensão à primeira divisão, fato inédito. Estevão, cheio de moral e de cachaça era o único jogador à vontade, rodando pelo salão entre os coronéis.
Teve um momento, porém, que a diferença social foi aproveitada para aquela “média” básica. Era o momento para um filho da puta se mostrar bom cristão. O tal político – o presidente do clube -, que nunca havia dirigido sequer uma palavra a qualquer jogador, decidiu estreitar os laços entre as classes, ainda que somente naquela noite. O poderoso, enchendo o peito, exibindo orgulhoso sua atitude altruísta, convocou os retraídos atletas para o jantar que seria servido gritando de longe, gesticulando em demasia:
- Venham comer conosco! Venham comer conosco!
Os jogadores, desconfiados, continuaram ali. E o fazendeiro, com uma pança enorme e botas com esporas de ouro, decidiu pegar um jogador pelo braço. Quem sabe conseguindo levar o primeiro, os outros também iriam. Afinal, pensou o coronel, com a boiada é assim que funciona. Agarrou forte no braço de um caboclinho:
- Venha comer conosco!
- Não senhor. Não quero não, muito agradecido. Estou bem aqui. – e cochichou rapidamente com um companheiro de equipe:
- Que trem é esse?
- Sei não. Eu vou ficar aqui comendo meu churrasquinho.
E o coronel, enlaçando o caboclo com o braço direito sobre seu ombro, ordenando num tom rigoroso, fazendo com que toda a “nata” percebesse sua generosidade e humildade:
- Imagine. Faço questão que venham comer conosco!
O caipira intimidado, com medo de contrariar um homem tão influente – ainda mais sendo o patrão -, se encheu de coragem e cedeu:
- Tá bom, doutor. Vou provar um desse conosquinho!
Estevão, já com a carreira encerrada, gordo, foi jogar num time do interior de Goiás do qual não me lembro o nome. Nem a cidade. Um time pequeno, modestíssimo, da segunda divisão estadual; quase um time amador. A cidade o aguardava com tremenda ansiedade. O craque que, segundo ele mesmo, exibia mais categoria que o Beto Fuscão, foi recebido com toda a pompa. A função foi organizada na mansão de um político dono de terras mil em Goiás. O cabra era também o presidente do clube e dono do único puteiro da cidade. Gabava-se por ter muitos empregados; segundo o escroto, mais que vacas. Um coronel dos fortes.
O time era formado por trabalhadores, gente humilde. Pedreiros, carpinteiros, trabalhadores do campo, analfabetos. Era a primeira vez que se viam em um evento junto com a “elite” do lugar. Os fazendeiros e políticos mais ricos festejavam a chegada do Estevão – particularmente, acredito que o Estevão tenha sido uma desculpa para uma reunião de interesses entre os canalhas de toda a região. Os jogadores, tímidos, ficaram num canto, comendo e bebendo entre eles, tomando cuidado com os modos, maneirando nas brincadeiras e na bebida. Do outro lado, os latifundiários e suas madames não queriam contato com a plebe. O prefeito, suando em bicas, fez um discurso efusivo comemorando uma possível ascensão à primeira divisão, fato inédito. Estevão, cheio de moral e de cachaça era o único jogador à vontade, rodando pelo salão entre os coronéis.
Teve um momento, porém, que a diferença social foi aproveitada para aquela “média” básica. Era o momento para um filho da puta se mostrar bom cristão. O tal político – o presidente do clube -, que nunca havia dirigido sequer uma palavra a qualquer jogador, decidiu estreitar os laços entre as classes, ainda que somente naquela noite. O poderoso, enchendo o peito, exibindo orgulhoso sua atitude altruísta, convocou os retraídos atletas para o jantar que seria servido gritando de longe, gesticulando em demasia:
- Venham comer conosco! Venham comer conosco!
Os jogadores, desconfiados, continuaram ali. E o fazendeiro, com uma pança enorme e botas com esporas de ouro, decidiu pegar um jogador pelo braço. Quem sabe conseguindo levar o primeiro, os outros também iriam. Afinal, pensou o coronel, com a boiada é assim que funciona. Agarrou forte no braço de um caboclinho:
- Venha comer conosco!
- Não senhor. Não quero não, muito agradecido. Estou bem aqui. – e cochichou rapidamente com um companheiro de equipe:
- Que trem é esse?
- Sei não. Eu vou ficar aqui comendo meu churrasquinho.
E o coronel, enlaçando o caboclo com o braço direito sobre seu ombro, ordenando num tom rigoroso, fazendo com que toda a “nata” percebesse sua generosidade e humildade:
- Imagine. Faço questão que venham comer conosco!
O caipira intimidado, com medo de contrariar um homem tão influente – ainda mais sendo o patrão -, se encheu de coragem e cedeu:
- Tá bom, doutor. Vou provar um desse conosquinho!
3 Comentários:
E, pelo jeito, esse conosco devia estar bem-passado.
Saudade, mano véio! Abraço!
Hahahaha
Essas historias sao as melhores!!!
E apoio a idéia do livro sobre esse mundao varzeano !!!
Abraços.
E ai Arthur blz
As histórias de futebol
São as melhores
hahahahahaha
Olha eu dou umas brechas assim
Mas esse cara me superou
rs
Abraço Arthur
Postar um comentário
Assinar Postar comentários [Atom]
<< Página inicial