15 de set. de 2008

Venham comer conosco

Quando eu conheci o Estevão ele estava de azul e branco, se aquecendo para um jogo no campo do Baruel. O azul e branco era o uniforme do tradicional Vâmo que Vâmo, time fundado por ninguém menos que Zulu. O time jogava apenas em festivais; foi criado para reunir grandes ex-jogadores da região. Jogavam Serginho Chulapa, Basílio, Ademar Pantera e outros ex-profissionais, além do Galo, Jorginho, Tatu, Lalo, Mimi e outros boleiros da Casa Verde. Só veteranos. Entre eles o Estevão, que foi zagueiro do São Paulo na década de 70. O sujeito, de boca fechada, já é engraçado. Quando conta histórias dos bastidores que presenciou no futebol então, não há quem se agüente. De uma delas nunca esqueci.

Estevão, já com a carreira encerrada, gordo, foi jogar num time do interior de Goiás do qual não me lembro o nome. Nem a cidade. Um time pequeno, modestíssimo, da segunda divisão estadual; quase um time amador. A cidade o aguardava com tremenda ansiedade. O craque que, segundo ele mesmo, exibia mais categoria que o Beto Fuscão, foi recebido com toda a pompa. A função foi organizada na mansão de um político dono de terras mil em Goiás. O cabra era também o presidente do clube e dono do único puteiro da cidade. Gabava-se por ter muitos empregados; segundo o escroto, mais que vacas. Um coronel dos fortes.

O time era formado por trabalhadores, gente humilde. Pedreiros, carpinteiros, trabalhadores do campo, analfabetos. Era a primeira vez que se viam em um evento junto com a “elite” do lugar. Os fazendeiros e políticos mais ricos festejavam a chegada do Estevão – particularmente, acredito que o Estevão tenha sido uma desculpa para uma reunião de interesses entre os canalhas de toda a região. Os jogadores, tímidos, ficaram num canto, comendo e bebendo entre eles, tomando cuidado com os modos, maneirando nas brincadeiras e na bebida. Do outro lado, os latifundiários e suas madames não queriam contato com a plebe. O prefeito, suando em bicas, fez um discurso efusivo comemorando uma possível ascensão à primeira divisão, fato inédito. Estevão, cheio de moral e de cachaça era o único jogador à vontade, rodando pelo salão entre os coronéis.

Teve um momento, porém, que a diferença social foi aproveitada para aquela “média” básica. Era o momento para um filho da puta se mostrar bom cristão. O tal político – o presidente do clube -, que nunca havia dirigido sequer uma palavra a qualquer jogador, decidiu estreitar os laços entre as classes, ainda que somente naquela noite. O poderoso, enchendo o peito, exibindo orgulhoso sua atitude altruísta, convocou os retraídos atletas para o jantar que seria servido gritando de longe, gesticulando em demasia:

- Venham comer conosco! Venham comer conosco!

Os jogadores, desconfiados, continuaram ali. E o fazendeiro, com uma pança enorme e botas com esporas de ouro, decidiu pegar um jogador pelo braço. Quem sabe conseguindo levar o primeiro, os outros também iriam. Afinal, pensou o coronel, com a boiada é assim que funciona. Agarrou forte no braço de um caboclinho:

- Venha comer conosco!

- Não senhor. Não quero não, muito agradecido. Estou bem aqui. – e cochichou rapidamente com um companheiro de equipe:

- Que trem é esse?

- Sei não. Eu vou ficar aqui comendo meu churrasquinho.

E o coronel, enlaçando o caboclo com o braço direito sobre seu ombro, ordenando num tom rigoroso, fazendo com que toda a “nata” percebesse sua generosidade e humildade:

- Imagine. Faço questão que venham comer conosco!

O caipira intimidado, com medo de contrariar um homem tão influente – ainda mais sendo o patrão -, se encheu de coragem e cedeu:

- Tá bom, doutor. Vou provar um desse conosquinho!

3 Comentários:

Blogger Craudio disse...

E, pelo jeito, esse conosco devia estar bem-passado.

Saudade, mano véio! Abraço!

15 de setembro de 2008 às 16:45  
Anonymous Anônimo disse...

Hahahaha
Essas historias sao as melhores!!!

E apoio a idéia do livro sobre esse mundao varzeano !!!


Abraços.

16 de setembro de 2008 às 17:32  
Anonymous Anônimo disse...

E ai Arthur blz
As histórias de futebol
São as melhores
hahahahahaha
Olha eu dou umas brechas assim
Mas esse cara me superou
rs
Abraço Arthur

18 de setembro de 2008 às 09:55  

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