Muro, murinho
Não é de bom tom brincar com coisa séria. Digo isso porque a gente vai vendo cenas terríveis, castigos horrorosos e doloridas bordoadas imaginárias daquelas que nos fazem aprender “por mal”. É prudente seguir os conselhos dos mais velhos, respeitar os 10 mandamentos e ouvir mais do que falar. É claro que, em grande parte, a gente não consegue. Mas ora! Com uma constituição que se resume à pobreza da carne e do osso é petulância demais e até patético alguém dizer que se comporta assim, no estilo “rumo à perfeição”. Cabeçadas na parede me são inerentes; e a quem não? Por isso já deixo claro que não sou – e jamais pretendi ser - o “dono da razão”.
A juventude rema contra a sabedoria e, óbvio, na contra mão da experiência. O jovem, indefectivelmente, tem arroubos de sabichão e uma natureza desprovida – até pela inocência – de medo e da noção de perigo. Quer desbravar, experimentar e se deleitar com os sabores da primeira vez. Quando a coisa é nova e desconhecida ela exerce sobre nós, pobres seres humanos, um fascínio acachapante, às vezes aterrorizante, mas um domínio que nos acorrenta uma bola de ferro no tornozelo. Daí o inexpugnável momento em que fazemos as maiores cagadas possíveis e somos colocados em nosso devido lugar.
Falei nesse negócio de jovem porque me lembro de, em criança, ser terminantemente contra uma brincadeira que julgava de mau gosto, desnecessária e perigosa. Eu, que era o único fedelho a pensar assim, no auge dos meus 9 anos, comecei aí a demonstrar os sintomas da velhice precoce que me aplaca a cada dia. Não demorarão, tenho certeza, as rugas a me tomarem toda a face – os cabelos brancos já são numerosos. Voltando à brincadeira, que prefiro classificar como falta de juízo, recordando, me vem à cabeça o Buiú, amiguinho nosso do Anhangüera, caindo no chão desmaiado, revirando os olhos e com uma baba raivosa lhe escorrendo queixo abaixo.
Chamávamos de “murinho” o desvario travestido de brincadeira. A famosa brincadeira do desmaio servia como uma espécie de batismo. Aí, analisando a vida em sociedade, concluo que atos bárbaros fazem parte da natureza humana, não é possível! Pensemos no ser adulto e em algumas doutrinas religiosas, nas gangues bandoleiras, nos exércitos de todos os tempos e lugares e até nas mumunhas políticas: quase sempre há um ritual de batismo de caráter duvidoso, violento e até funesto. O modus operandi da tal brincadeira era o seguinte: o candidato a novo membro da turma (neste caso foi o pobre Buiuzinho), após ficar num sobe e desce flexionando as pernas, era encostado com as costas no muro. Detalhe: não um muro qualquer. Tinha que ser o muro onde todos os outros moleques haviam sido batizados – saquem o ritual, coisa de gente grande. O pobre diabo, devidamente suando gelado, amedrontado, tinha que segurar a respiração por alguns segundos. Seu carrasco - o pirralho que o batizaria – com as duas mãos em seu peito, fazia força. Uma, duas, três bombadas e o inevitável desmaio.
Nunca fui “batizado”. Já pertencia à horda antes dessa cerimônia grotesca virar moda. Neste momento eu ficava geralmente de canto, sentado no meio fio, vendo, sem querer participar. Tive, invariavelmente, ímpetos de impedir o ato, todos sem sucesso algum. Resignado, vi muitos meninos desmaiarem. Nunca como o Buiú. Os outros logo se levantavam, se recuperavam do susto e saiam pulando, comemorando como um gol sua entrada na patota. O Buiú não, alguma coisa tinha dado errado. O neguinho babava a baba da tragédia e eu, sem reação, me culpei imediatamente pelo iminente falecimento do meu amiguinho; um pretinho bom de bola! Chamaram seu pai, chamaram a ambulância e o acabaram salvando o Buiú. Tomei, sem revolta, umas boas chineladas da minha mãe naquela noite; acredito que os outros moleques também. E nunca mais o “murinho” foi executado.
De uma semana pra cá, aquela imagem pavorosa do Buiú sempre me vem à cabeça quando penso no próximo domingo. Tem um monte de gente que me rodeia - a maioria, aliás -, fascinada pelo tal “desconhecido” e brincando de ser o carrasco no murinho da sociedade. E eu, novamente, vendo e sabendo que as chineladas hão de ser doloridas, sem nada fazer, sendo motivo de chacota e de incredulidade de quem baba a baba da moral e dos bons costumes. Mas hei de sobreviver, como meu amiguinho Buiú.
A juventude rema contra a sabedoria e, óbvio, na contra mão da experiência. O jovem, indefectivelmente, tem arroubos de sabichão e uma natureza desprovida – até pela inocência – de medo e da noção de perigo. Quer desbravar, experimentar e se deleitar com os sabores da primeira vez. Quando a coisa é nova e desconhecida ela exerce sobre nós, pobres seres humanos, um fascínio acachapante, às vezes aterrorizante, mas um domínio que nos acorrenta uma bola de ferro no tornozelo. Daí o inexpugnável momento em que fazemos as maiores cagadas possíveis e somos colocados em nosso devido lugar.
Falei nesse negócio de jovem porque me lembro de, em criança, ser terminantemente contra uma brincadeira que julgava de mau gosto, desnecessária e perigosa. Eu, que era o único fedelho a pensar assim, no auge dos meus 9 anos, comecei aí a demonstrar os sintomas da velhice precoce que me aplaca a cada dia. Não demorarão, tenho certeza, as rugas a me tomarem toda a face – os cabelos brancos já são numerosos. Voltando à brincadeira, que prefiro classificar como falta de juízo, recordando, me vem à cabeça o Buiú, amiguinho nosso do Anhangüera, caindo no chão desmaiado, revirando os olhos e com uma baba raivosa lhe escorrendo queixo abaixo.
Chamávamos de “murinho” o desvario travestido de brincadeira. A famosa brincadeira do desmaio servia como uma espécie de batismo. Aí, analisando a vida em sociedade, concluo que atos bárbaros fazem parte da natureza humana, não é possível! Pensemos no ser adulto e em algumas doutrinas religiosas, nas gangues bandoleiras, nos exércitos de todos os tempos e lugares e até nas mumunhas políticas: quase sempre há um ritual de batismo de caráter duvidoso, violento e até funesto. O modus operandi da tal brincadeira era o seguinte: o candidato a novo membro da turma (neste caso foi o pobre Buiuzinho), após ficar num sobe e desce flexionando as pernas, era encostado com as costas no muro. Detalhe: não um muro qualquer. Tinha que ser o muro onde todos os outros moleques haviam sido batizados – saquem o ritual, coisa de gente grande. O pobre diabo, devidamente suando gelado, amedrontado, tinha que segurar a respiração por alguns segundos. Seu carrasco - o pirralho que o batizaria – com as duas mãos em seu peito, fazia força. Uma, duas, três bombadas e o inevitável desmaio.
Nunca fui “batizado”. Já pertencia à horda antes dessa cerimônia grotesca virar moda. Neste momento eu ficava geralmente de canto, sentado no meio fio, vendo, sem querer participar. Tive, invariavelmente, ímpetos de impedir o ato, todos sem sucesso algum. Resignado, vi muitos meninos desmaiarem. Nunca como o Buiú. Os outros logo se levantavam, se recuperavam do susto e saiam pulando, comemorando como um gol sua entrada na patota. O Buiú não, alguma coisa tinha dado errado. O neguinho babava a baba da tragédia e eu, sem reação, me culpei imediatamente pelo iminente falecimento do meu amiguinho; um pretinho bom de bola! Chamaram seu pai, chamaram a ambulância e o acabaram salvando o Buiú. Tomei, sem revolta, umas boas chineladas da minha mãe naquela noite; acredito que os outros moleques também. E nunca mais o “murinho” foi executado.
De uma semana pra cá, aquela imagem pavorosa do Buiú sempre me vem à cabeça quando penso no próximo domingo. Tem um monte de gente que me rodeia - a maioria, aliás -, fascinada pelo tal “desconhecido” e brincando de ser o carrasco no murinho da sociedade. E eu, novamente, vendo e sabendo que as chineladas hão de ser doloridas, sem nada fazer, sendo motivo de chacota e de incredulidade de quem baba a baba da moral e dos bons costumes. Mas hei de sobreviver, como meu amiguinho Buiú.
6 Comentários:
Bom Favela eu tb como vc nunca passei por esse batismo pois ja fazia parte da patota, mais comfésso q partissipava dele, mas este dia eu ñ estava risos....
Boa eu ñ sei se é mas faz parte das nossas lembrançasde infencia.
Vlw Favela abraço
Domingo vai ser dureza, mano véio. Mas sabadão, ao menos, o povo vai ter uma alegria. Ah se vai!
Abraço!
Garnde Myagui...
confesso que lendo esse epsódio de batismo, não tive como impedir que viesse a minha mente, suas famosas brigas com o valtinho...
muito bom o texto cabra!!!
abrass!
FORA CABRA !
FORA PT !
FORA MARTA !
Cara, parabéns pela divulgação dos samba no clube anhanguera.
Estarei lá!
Um texto enigmático.
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