16 de out. de 2008

Cruz da Esperança


Domingo passado, dia 12 de Outubro, completou meio século de vida um dos times mais tradicionais da cidade. Um time pelo qual nutro demasiada simpatia. Estive lá na comemoração que começou cedinho, a convite de dois grandes amigos que figuram no hall dos maiores nomes da história do clube: Zé Augusto e Carlos Alberto Tonini, o Galo. A festa solene será amanhã, sexta feira, com um jantar dançante; buffet, música e as merecidas homenagens aos que, ao longo destes 50 anos, se dedicam com afinco à agremiação. E eu, que não me atrevo a perder um rega-bofe desses, marcarei presença!

Tudo começou na Praça Cruz da Esperança, na Casa Verde. O Chevrolet 52 do Seu Santo Bobadilha fazendo a linha até o centro, o Ford 48 de Durval Oliveira saindo dali pra Santana, e o Aníbal Pinto fazendo o trajeto pro Brás. Além deles, os irmãos Arnaldo e Leopoldo Moreira do Prado, João Pizzicato e Silvério Farina também levavam seus passageiros. O time nasceu assim; era o time dos chauffeurs de praça, batizado com o nome... da praça: Grêmio Esportivo e Recreativo Cruz da Esperança.

O primeiro mundial conquistado pelo Brasil naquele ano, na Suécia, foi o estímulo para Seu Santo ter a idéia de criar um time. Os motoristas se encontravam diariamente, após o trabalho, na Padaria Brasil. Foi lá que Seu Santo, repetindo o imortal gesto do capitão Bellini, subiu no balcão, ergueu acima da cabeça a caneca de cerveja com as duas mãos e decretou: “Ainda este ano fundarei um time. Um time que terá o nome de Cruz da Esperança e a cor da esperança. E será o maior da região!”. A adesão imediata dos colegas e dos parentes não foi suficiente para que o clube se considerasse fundado. “Esperem a data certa!” era o que dizia o Santo. Já estava tudo planejado. Para que o clube fosse consagrado e mantivesse sua genuína fé para sempre, não haveria data melhor que o dia de Nossa Senhora Aparecida, de quem era fervoroso devoto. Assim, com uma missa, foi fundado o Cruz da Esperança. Depois, festa de gente.

E foi justamente o que se deu no domingo passado. Da capela de Santa Gertrudes, em frente à entrada dos campos da aeronáutica – o campo do Cruz é um deles – saiu a procissão seguindo a imagem de Nossa Senhora até um tablado armado na área onde fica o bar do clube, ao lado do campo. E aquele espaço mundano virou uma enorme igreja. Mais de trezentas pessoas presentes; gente de todas as idades, de todas as cores, de todas camadas sociais comungando. Área essa que, todos os domingos, é palco do truco, da cerveja, do samba, das piadas e até de eventuais pancadarias.

No altar improvisado, o padre Jorjão – um senhor simpático de mais de oitenta anos, eloqüente e enérgico – rezou uma missa das mais bonitas que já presenciei. Ninguém dava um pio enquanto o padre revelava os passos de Maria mãe de Jesus e a história da imagem encontrada por pescadores, que hoje se encontra na basílica de Aparecida do Norte. Vi marmanjos chorando de soluçar, um mendigo lá longe ajoelhado pedindo a bênção e o Mauro – dono do bar na Rua Dobrada -, de pé bem ao meu lado, cair subitamente, desabar. No exato instante em que o padre falava da dedicação da Mãe ao Filho, até o calvário. Foi o sacerdote proferir a palavra “morreu”, se referindo a Cristo, e o Mauro desmoronou. Um desmaio com cara de morte, que deu ares trágicos à missa. O padre, sabendo se tratar de um arrebatamento divino, continuou o sermão, impávido. O Mauro logo acordou, com cara de quem havia recebido um sinal. Concluí que foi a alguma outra dimensão bater um papo com o Seu Santo, receber instruções para repassá-las à atual diretoria do clube, coisas desse tipo.

Mas o que mais me admira no Cruz da Esperança, além dessa fidelidade ao sagrado e dessa capacidade de tender a zero quaisquer diferenças é, principalmente, a participação das mulheres da comunidade. A força do Cruz se dá graças à participação do ilustre Departamento Feminino, que não desfruta dos domingos de futebol, já isso é “coisa de homem”. Elas ficam na retaguarda, na organização dos eventos, nos bailes e em todas as atividades sociais não esportivas. Durante a missa de domingo passado, por exemplo. Os homens do clube, todos muito bem trajados, procuravam atentar para o divino. Uns choravam de emoção, outros se prostravam perante a Imagem e outros, estacados, não perdiam uma palavra do evangelho. As mulheres do clube, enquanto isso, preparavam, incansáveis, o depois. Aposto que toda a preparação do antes também teve as mãos delas. Depois da missa teve sanduíche de salsicha, pão com manteiga, bolo, sucos, frutas de todos os tipos, café, e os sorrisos das senhoras que deram duro pra organizar tudo aquilo praquele batalhão.

A principal característica do Cruz é a capacidade de amalgamar gente. Eu, particularmente, credito este dom à data de seu aniversário, ao nome do time e à sua localização geográfica. A data católica de 12 de Outubro não deixa o cristão esquecer a fé e a caridade. O nome Cruz da Esperança sintetiza um sentimento popular; o sofrimento humano é representado pela cruz, e a confiança em coisas boas é a esperança. O bairro de Casa Verde, sendo um grande reduto negro da cidade, tratou de misturar todo mundo que é cristão e que gosta de futebol.

Em pouco tempo já tinha uma grande torcida. Torcida fanática que acompanhava o time onde quer que o Cruz jogasse. E tem, como todo time decente, um torcedor símbolo, o Cidinho. É claro que, quando a entidade cresce e ganha campeonatos, o número de adeptos também aumenta. E como a várzea não é de brincadeira, o Cruz também tinha uma torcida que, se fazia valer a fé na padroeira, fazia valer também a pancada. Passou a ser um time temido, com grandes valentes capitaneados por Maurinho, um negrinho boxeur, gente finíssima, que ainda será tema principal neste blogue. Grande figura, o Maurinho!

E como todo time grande, o Cruz da Esperança tem um rival; o lendário Vasco da Casa Verde, time mais antigo, de 1938, que dominava a região antes do alviverde nascer. O Cruz foi freguês do Vasco durante inacabáveis 19 anos. Até 1977 só dava Vasquinho. Mesmo com Basílio – ainda moleque -, o Pé de Anjo, não havia meio de bater o rival. Basílio com 14 anos já era titular do 1º quadro do Cruz - e estava no juvenil da Lusa. Dizem que muita torcida foi angariada por ele; era gente revestindo todo o alambrado pra ver o moleque jogar. Depois veio Serginho Chulapa – que jogava antes pelo rival. Os dois, mesmo na época em que eram profissionais, jogavam (quando dava) pelo alviverde da Casa Verde. E jogam até hoje!

Em 1980 veio a concessão do campo. A aeronáutica cedeu o enorme espaço com cinco campos para os clubes que estão lá até hoje: Saad, Paulista, Baruel, Pitangueira e Cruz. Volta e meia os boatos de que os clubes serão expulsos dali para a construção disso ou daquilo pipocam. Agora estão dizendo que construirão lá a Cidade do Samba, já que os campos são situados ao lado do Anhembi. Cheguei até a escrever, desgostoso, sobre isso. Mas há vinte anos corre este boato. Então não nos preocupemos - continuemos jogando nosso futebol. Junto com o campo, veio uma virada que dura até hoje. O Cruz virou algoz do Vasco. Dizem os mais fanáticos que o Vasco não ganha um jogo do Cruz há quase 30 anos. Nem jogo de veteranos, nem truco, nem palitinho, nem par ou ímpar, nada.

O Cruz da Esperança tem um tino; como eu já disse, tudo o que se faz ali junta gente, muita gente. O Jogo de Saia, por exemplo. Durante anos a fio houve este jogo no sábado que antecede a folia de Momo. Os marmanjos todos de saia e vestidinho. Claro que o Cruz não foi o pioneiro nisso; os casados e solteiros de saias é uma tradição das mais antigas no futebol. Acredito, inclusive, que o primeiro jogo de futebol no Brasil tenha sido assim. O Charles Miller com aquele bigodão usando uma roupa de bailarina, todo saltitante em campo. Acontece que no Jogo de Saias do Cruz compareciam, além dos malandros da área, vários jogadores profissionais e um morador ilustre da Casa Verde: Ademar Ferreira da Silva, nosso bicampeão olímpico. Ia imprensa acompanhar o evento. Rádio, TV, jornal. O Cruz não é brincadeira, não!

Enfim, há muito que se falar de um time com tanta história. Há grandes personagens, fabulosos causos acerca de todos esses 50 anos. E há, em mim, uma grande felicidade em ter amigos e conviver - ainda que não tanto quanto eu gostaria, já que meu Anhangüera também joga aos domingos – com o glorioso verde que te quero verde da Casa Verde. E há, mais que tudo, Esperança. Porque, enquanto houver gente de bem como o presidente Tiquinho, Sardinha, Didi, Baianinho, Tatu, Toninho, Kalú, Grillo, entre outros, fazendo parte de uma agremiação deste quilate, a tradição da várzea paulistana há de permanecer. E enquanto o espírito de comunhão – o mesmo que se faz presente nas missas de aniversário organizadas pelo Seu Inácio – pairar sobre o símbolo, o Cruz ainda será, com muito orgulho, um time de esquina. Que o digam as saudosas reuniões na Padaria Brasil, no bar do Seu Augustinho e no bar do Seu Zacarias.

Vida longa ao Cruz da Esperança!

9 Comentários:

Blogger Unknown disse...

Gostaria de ver o nome do ANIBAL BARNABÉ, nste bela homenagem ao CRUZ. pois tenho 40 anos e posso dizer que vi meu pai sair cedo todos os finais de semana para se dedicar ao cruz. Parabens pelo bolg descobri por acaso. ABRAÇOS:PAULO MARCELO BARNABÉ

17 de outubro de 2008 às 10:55  
Blogger Marquinhos disse...

Favela q bela história tem este clube, cada estrofe q lia ia me arrepiando... Parabéns Favela. Parabés Cruz da esperança.

17 de outubro de 2008 às 12:44  
Anonymous Anônimo disse...

Parebens pela homenagen ao Cruz da Esperança.
Enfim, há muito que se falar de um time com tanta história, mais não podemos esquecer de pessoas ilustres como o Sr. Anibal Barnabé que tanto o fez e faz ate hoje pelo cruz.
Abraços
Genilson

20 de outubro de 2008 às 11:20  
Anonymous Anônimo disse...

E isso ai Grande Anibal...

20 de outubro de 2008 às 11:26  
Blogger Arthur Tirone disse...

Paulo Marcelo e Genilson: Obrigado pelos testemunhos. Esta homenagem já está publicada. Após a publicação, seguindo as normas da casa, somente aqui nos comentários a gente mexe. Agradeço pelos elogios e prometo que vou procurar, com os pretos-velhos do Cruz da Esperança, algumas histórias sobre o Sr. Aníbal Barnabé.
Abraços!

Marquinhos: Estamos juntos, valeu!

20 de outubro de 2008 às 13:00  
Blogger gilmar disse...

por aqui, um antigo morador do parque peruche (gabriel covelli); todos nos somos sabedores que o CRUZ possui historias narraveis e inenarraveis, porem sempre que formos falar nao podemos deixar de lembrar, do TENGO, TIO LISCA, BIRINHA,CADINA, BIRA,MARIVALDO,BENE(MISTURA FINA) ZULU, MAURINHO, OS NEGO DA PRAÇA, SILVIO, BEDINHA... ENFIM E UMA LISTA GRANDE QUE SE FOR NARRAR O ESPAÇO NAO FAVORECE, TODOS DIRETA OU INDIRETAMENTE COLABORARAM DE ALGUMA FORMA PARA O QUE ESTA AI HOJE... VALEU UM ABRAÇO

17 de maio de 2009 às 12:38  
Anonymous vadaõ disse...

vadaõ cidade tiradentes,joguei muitos anos com pelezinho e pele´jogou muito tempo com voceis porque naõ fazer uma homenagem a ele fazendo um jogo e reunir todos que jogaram com ele,eu estou parado mas nesse dia estarei ai pois ele merece pelo trabalho que faz com as molecadas,um abraço.

24 de abril de 2010 às 21:14  
Blogger simone disse...

adorei a homenagem...Parabéns!!!!tenho muito orgulho de ser neta do Durval de oliveira e sobrinha neta do Santos Bobadilha...me lembro do orgulho que eles tinha pelo clube....lindo demais!!!

29 de julho de 2013 às 00:22  
Blogger cadicodj disse...

Parabéns pela matéria, fiquei muito emocionado em relembrar historias do meu tio Santos Bobadilha e meu Pai Durval de Oliveira que me levava para assistir os jogos do Cruz.

Durval de Oliveira Junior

29 de julho de 2013 às 13:00  

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