Fiado só amanhã!
O Bar do Sivaldo – a quem chamamos Sinval -, além dos amigos de futebol e do pessoal do samba, ainda é o bar das grandes personalidades que cito frequentemente por aqui. É, enfim, o melhor bar da Barra Funda. E tal título eu credito, única e exclusivamente, ao dono.
Sinval tem as manhas necessárias para a função, nasceu pra ser dono de boteco e nada mais. Sempre oferece uma cortesia para o cliente que bebeu bem, para o cliente assíduo e até para um estreante. Um salaminho, um amendoim, um tremoço, uma batata calabresa, uma erva doce; quando você menos espera, chega um pratinho da casa, na faixa. Tudo com sal, e tome cerveja!
Não vende fiado salvando-se algumas raríssimas exceções, às quais me incluo, obviamente, embora rejeite, muito agradecido, o privilégio. Há quem diga que não existe juro, em nenhum banco, em nenhuma instituição financeira, maior que o aplicado pelo Sinval. Mas quem deixa a conta por conta da caneta, não tem direito a chororô. O caso do Panda, por exemplo. Durante anos – antes de se mudar para o interior -, Panda foi o maior cliente do Sinval. Bebia horrores, e diariamente. Uma fonte nada confiável contou-me que Sinval entregava ao Panda, todo santo mês, o boleto do aluguel do estabelecimento, da luz, da água.
E foi, inacreditavelmente, o cliente mais maltratado que eu já pude ver. Era escorraçado pelo Sinval, dono de um humor de montanha russa. Eu presenciei, no ano retrasado, várias vezes a cena cômica quando os dois ficaram sem se falar por incríveis sete meses. Panda, que não deixou de bater o ponto um dia, chegava calado, sentava-se e lá vinha o Sinval trazendo, de cara amarrada, sua vodca com fanta. Acabava a dose, Sinval trazia outra. Na data do acerto mensal, Sinval deixava a conta na mesa, Panda deixava o cheque e ia embora. Sete meses sem uma palavra.
Mas Sinval, mesmo cobrando juros exorbitantes sabe, acima de tudo, para quem liberar um prazo aqui e outro ali; saca de longe o sujeito que vai pagar e o que não vai; experiência de sobra no ramo e a malícia necessária. Sinval sabe falar não, coisa que o Cabeção, por sua vez, não fez.
Cabeção, nascido e criado no Bom Retiro, é associado Anhangüera há mais de trinta anos e diretor há doze, foi nosso presidente em dois mandatos consecutivos: 2003-2004 e 2005-2006. Exerceu em um período concomitante à presidência outra nobre função, até de maior importância: a de tocar o bar. O desemprego que o aplacara um ano antes, e a saída de Braga, que arrendava o bar do clube, deram espaço para que Roberto Martins, o Cabeção, ficasse com o bar. E foi, de longe, o bar mais melancólico em que já bebi. A derrocada do boteco começou no dia em que Cabeça o assumiu. Por um único e mortal motivo; o traiçoeiro fiado. Não há nada mais perigoso que o fiado. Não há amizade que resista ao fiado, nem mesmo aquelas de infância. Não há moral, nem ética, que sejam maiores que um fiado acumulado, gordo e desavergonhado.
Nunca me esqueci do primeiro dia do Cabeção à frente do nosso simpático bar do clube. Deu um tapa geral nas instalações. Trocou as geladeiras, o balcão, a estufa, o fogão, brilhou a cozinha e deitou bebida, não faltou nada. E os petiscos? Um bolinho de bacalhau - feito pelo próprio - que era um pecado. Pastéis, salgados variados, porções, lanches, tudo. E o mais prestativo funcionário que um bar pode ter: o Bugalu. Tudo redondo!
No começo, Cabeção, goleiro titular dos veteranos, parou até de jogar. O bar era prioridade, era seu ganha pão. Houve, então, uma espécie de mutirão pró-Cabeção, e a campanha “vamos gastar” foi aderida instantaneamente. As mesas todas ficaram forradas, comeu-se e bebeu-se desbragadamente. No primeiro domingo foram trinta caixas de Brahma, incontáveis porções e lanches; o Bugalu teve que sair para comprar pão três vezes. Mas a fartura consumida seria paga, por muitos, na próxima semana, dia 05, que é quando cai o salário. Com uma incrível desfaçatez, a maioria nem perguntou se podia pendurar. Era um que saía gritando de longe: “Cabeção, domingo que vem eu acerto!”, era nêgo com cara de coitado: “Hoje tô sem nenhum, deixa marcado que depois te acerto”, e Cabeção recebeu no primeiro domingo, sem negar fiado a muitos camaradas, 10% do faturado.
Fato é que não se pode misturar as bolas, e o Cabeção ficou sem capital pras reposições. Precisava, logicamente, receber a bolada do domingo passado. Então alguns jogadores “se contundiram” do nada, no meio da semana e não apareceram. Passado um mês, já não tinha mais o bolinho de bacalhau que fizera tanto sucesso. No segundo, não tinha mais porção nenhuma; pra morder, só misto frio. Após mais um mês, só salgadinhos isopor de saquinho. O estoque das bebidas foi minguando; o conhaque, o vinho, a vodca, o uísque viraram saudade; só sobrou a pinga coquinho que o Agostino dava de galão pro Cabeção e a cerveja. Um bar tem que ter, no mínimo, cerveja. E o bar do Cabeção agonizou durante dois anos à base de coquinho e cerveja, sempre pagando o Bugalu e quase nunca sobrando nada para ele. Os que pagavam, e não marcavam, ou seja, o parco dinheiro que o Cabeção recebia, dava, com muito custo, para pagar a Brahma e só. Quando chegou nesse ponto, o fala-fala já era enorme. “Como pode um bar não ter nada?”, “Temos que tirar o Cabeção daí”, mas pagar a dívida acumulada, pouca gente.
Quando um sujeito, que devia os tubos, resolveu levar um litro de uísque de casa, Cabeção ficou emputecido. Os uns-e-outros continuaram a pedir cerveja e Cabeção, o resignado que nunca havia falado nada, que jamais tinha cobrado alguém, cansado de vender e não receber mudou sua postura. Começou a esfregar nas fuças devedoras a pilha das marcações que resultaram na precária situação do bar e na morte de suas expectativas. Mostrava, pra quem quisesse ver, os nomes dos inadimplentes; e cobrava: “pague o que você deve”. Ora, não era possível, os caloteiros teriam que cair em si e pagar a quem gentilmente lhes vendia fiado.
Pois Cabeção perdeu o dinheiro – que não tinha -, o bar, alguns amigos, e o clube sofreu uma debandada de associados jamais vista.
Sinval tem as manhas necessárias para a função, nasceu pra ser dono de boteco e nada mais. Sempre oferece uma cortesia para o cliente que bebeu bem, para o cliente assíduo e até para um estreante. Um salaminho, um amendoim, um tremoço, uma batata calabresa, uma erva doce; quando você menos espera, chega um pratinho da casa, na faixa. Tudo com sal, e tome cerveja!
Não vende fiado salvando-se algumas raríssimas exceções, às quais me incluo, obviamente, embora rejeite, muito agradecido, o privilégio. Há quem diga que não existe juro, em nenhum banco, em nenhuma instituição financeira, maior que o aplicado pelo Sinval. Mas quem deixa a conta por conta da caneta, não tem direito a chororô. O caso do Panda, por exemplo. Durante anos – antes de se mudar para o interior -, Panda foi o maior cliente do Sinval. Bebia horrores, e diariamente. Uma fonte nada confiável contou-me que Sinval entregava ao Panda, todo santo mês, o boleto do aluguel do estabelecimento, da luz, da água.
E foi, inacreditavelmente, o cliente mais maltratado que eu já pude ver. Era escorraçado pelo Sinval, dono de um humor de montanha russa. Eu presenciei, no ano retrasado, várias vezes a cena cômica quando os dois ficaram sem se falar por incríveis sete meses. Panda, que não deixou de bater o ponto um dia, chegava calado, sentava-se e lá vinha o Sinval trazendo, de cara amarrada, sua vodca com fanta. Acabava a dose, Sinval trazia outra. Na data do acerto mensal, Sinval deixava a conta na mesa, Panda deixava o cheque e ia embora. Sete meses sem uma palavra.
Mas Sinval, mesmo cobrando juros exorbitantes sabe, acima de tudo, para quem liberar um prazo aqui e outro ali; saca de longe o sujeito que vai pagar e o que não vai; experiência de sobra no ramo e a malícia necessária. Sinval sabe falar não, coisa que o Cabeção, por sua vez, não fez.
Cabeção, nascido e criado no Bom Retiro, é associado Anhangüera há mais de trinta anos e diretor há doze, foi nosso presidente em dois mandatos consecutivos: 2003-2004 e 2005-2006. Exerceu em um período concomitante à presidência outra nobre função, até de maior importância: a de tocar o bar. O desemprego que o aplacara um ano antes, e a saída de Braga, que arrendava o bar do clube, deram espaço para que Roberto Martins, o Cabeção, ficasse com o bar. E foi, de longe, o bar mais melancólico em que já bebi. A derrocada do boteco começou no dia em que Cabeça o assumiu. Por um único e mortal motivo; o traiçoeiro fiado. Não há nada mais perigoso que o fiado. Não há amizade que resista ao fiado, nem mesmo aquelas de infância. Não há moral, nem ética, que sejam maiores que um fiado acumulado, gordo e desavergonhado.
Nunca me esqueci do primeiro dia do Cabeção à frente do nosso simpático bar do clube. Deu um tapa geral nas instalações. Trocou as geladeiras, o balcão, a estufa, o fogão, brilhou a cozinha e deitou bebida, não faltou nada. E os petiscos? Um bolinho de bacalhau - feito pelo próprio - que era um pecado. Pastéis, salgados variados, porções, lanches, tudo. E o mais prestativo funcionário que um bar pode ter: o Bugalu. Tudo redondo!
No começo, Cabeção, goleiro titular dos veteranos, parou até de jogar. O bar era prioridade, era seu ganha pão. Houve, então, uma espécie de mutirão pró-Cabeção, e a campanha “vamos gastar” foi aderida instantaneamente. As mesas todas ficaram forradas, comeu-se e bebeu-se desbragadamente. No primeiro domingo foram trinta caixas de Brahma, incontáveis porções e lanches; o Bugalu teve que sair para comprar pão três vezes. Mas a fartura consumida seria paga, por muitos, na próxima semana, dia 05, que é quando cai o salário. Com uma incrível desfaçatez, a maioria nem perguntou se podia pendurar. Era um que saía gritando de longe: “Cabeção, domingo que vem eu acerto!”, era nêgo com cara de coitado: “Hoje tô sem nenhum, deixa marcado que depois te acerto”, e Cabeção recebeu no primeiro domingo, sem negar fiado a muitos camaradas, 10% do faturado.
Fato é que não se pode misturar as bolas, e o Cabeção ficou sem capital pras reposições. Precisava, logicamente, receber a bolada do domingo passado. Então alguns jogadores “se contundiram” do nada, no meio da semana e não apareceram. Passado um mês, já não tinha mais o bolinho de bacalhau que fizera tanto sucesso. No segundo, não tinha mais porção nenhuma; pra morder, só misto frio. Após mais um mês, só salgadinhos isopor de saquinho. O estoque das bebidas foi minguando; o conhaque, o vinho, a vodca, o uísque viraram saudade; só sobrou a pinga coquinho que o Agostino dava de galão pro Cabeção e a cerveja. Um bar tem que ter, no mínimo, cerveja. E o bar do Cabeção agonizou durante dois anos à base de coquinho e cerveja, sempre pagando o Bugalu e quase nunca sobrando nada para ele. Os que pagavam, e não marcavam, ou seja, o parco dinheiro que o Cabeção recebia, dava, com muito custo, para pagar a Brahma e só. Quando chegou nesse ponto, o fala-fala já era enorme. “Como pode um bar não ter nada?”, “Temos que tirar o Cabeção daí”, mas pagar a dívida acumulada, pouca gente.
Quando um sujeito, que devia os tubos, resolveu levar um litro de uísque de casa, Cabeção ficou emputecido. Os uns-e-outros continuaram a pedir cerveja e Cabeção, o resignado que nunca havia falado nada, que jamais tinha cobrado alguém, cansado de vender e não receber mudou sua postura. Começou a esfregar nas fuças devedoras a pilha das marcações que resultaram na precária situação do bar e na morte de suas expectativas. Mostrava, pra quem quisesse ver, os nomes dos inadimplentes; e cobrava: “pague o que você deve”. Ora, não era possível, os caloteiros teriam que cair em si e pagar a quem gentilmente lhes vendia fiado.
Pois Cabeção perdeu o dinheiro – que não tinha -, o bar, alguns amigos, e o clube sofreu uma debandada de associados jamais vista.
2 Comentários:
Tem gente que acha que fiado é que nem dever pra mãe. Agora, já pensou se malandro resolve pagar com beijo na bochecha?
Abraço, mano véio!
Arthur, Boa Tarde!!!
Excelente, não devo nada no Bar.rsrsrs Acertei tudo.rsrsrs
Queria fazer um pedido, podeira escrever sobre o meu maior idolo do futebol no AAA, o Sr Neco??
Acredito que um titulo sugestivo seria :
"O 10 de todos os 10"
Valeu Cabra!!!
Marcel De Loretto
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