13 de nov. de 2008

Ê, ô, ê, ô, o Anhanguera é um terrô

Este título é o título de um texto sobre o Anhangüera escrito há mais de três anos que encontrei outro dia, meio sem querer. Tentei, em vão, contato com o autor, que não responde e-mails. Após ler o texto, conclui que o episódio aconteceu entre fins da década de 70 e meados de 80. Isso porque foi a época que Toninho Sem-Braço apitava os jogos aos domingos. Todo o relato é verdadeiro, mas, antes, é preciso fazer algumas observações importantes. A primeira é que, se o Toninho era chamado de “Polvo”, era apenas pelos velhinhos da bocha, que já estão todos empacotados e não podem confirmar o apelido. Ninguém na Barra Funda o chamava assim, por isso acredito que o autor se valeu da imaginação; a segunda: Toninho, que não era alto e forte, não foi o primeiro negro no Anhangüera; tivemos muitos bem antes dele. Aliás, o Sem Braço era um mulato quase se passando por moreno - sobre essa coisa do racismo dos velhinhos italianos, tenho uns causos bons pra relatar por aqui ainda; a terceira é que o autor, que cresceu em outro bairro – provavelmente nas Perdizes, sonho daquela classe branca ascendente à época - e foi pouquíssimas vezes ao clube, comete um erro grosseiro ao classificar o Anhangüera alvi-rubro. Somos rubro-negros, ora. No mais, faço um pedido a meu gêmeo Angelo, o grande pesquisador da história do nosso clube: vasculhe, mano, nos seus achados, alguma ficha cadastral, alguma ata de reunião, alguma foto ou documento em que apareçam Ercole Norogna, avô do autor, Luigi, pai do autor ou Guy, tio. Publico abaixo o texto na íntegra.

Meu pai cresceu em família de 10 irmãos –se incluirmos nonno Ercole e nonna Herminia no cômputo, ele constituía minúscula e oprimida minoria corinthiana num lar dividido entre tricolores e palestrinos. Sêo Luigi e quase todos os irmãos eram jogadores razoáveis de futebol, e bons dançarinos (um deles, Guy, continua, passados os 60, a ser um exímio pé de valsa). Para o clã Norogna, futibór era coisa muito séria, e a paixão pelo esporte infectou a geração que se seguiria –tanto eu quanto meus primos éramos torcedores fanáticos desde moleques e, porque a história se repete em fezzo, passei a ser a minoria corinthiana oprimida em meio a um mar de palmeirenses e são-paulinos. Com duas diferenças essenciais, though: quando o babbo, nascido em 1941, virou corinthiano, o time ganhava tudo, enquanto eu passei a infância naquela longa seca de títulos que valeu ao escrete mosqueteiro o apelido “faz-me rir”. Plus, eu sempre fui grosso. Terminalmente. Em qualquer posição. Em qualquer modalidade das lides ludopédicas –campo, salão, várzea, gol a gol no quintal da tia- Uncle Filthy sempre viu a bola nascer quadrada.

Nonno Ercole era assíduo freqüentador de um clube de futebol de várzea da Barra Funda, o velho bairro operário paulistano em que a família vivia, e quase todos os seus filhos passaram pelo lendário esquadrão do Anhanguera, presença imprescindível nos torneios matutinos do CMTC Clube. A divisão de interesses dos freqüentadores do clube era claríssima –os mais jovens jogavam bola, os mais velhos jogavam boccia, todo mundo bebia pra cacete, mulher não entrava e qualquer pretexto servia pra convencer os silvícolas a sair na porrada. Se bem meu pai e meus tios sonhassem ver os respectivos filhos honrando a camisa vermelha e branca do “Bambambam da Barra Funda” (marchinha carnavalesca que servia de hino ao Anhanguera), quase nenhum deles continuou morando no bairro depois de casado, e com isso minhas visitas ao clube foram poucas –se bem infalivelmente divertidas.

Os velhos italianos que formavam a base de sócios eram todos, claro, muito racistas, ainda que os muitos anos de Brasil tivessem servido pra que aprendessem a conviver bem com os afrodescendentes que começaram a ocupar o bairro e, com o tempo, conquistar vagas no time do Anhanguera –afinal, os jovens italianinhos tinham todos se mudado para bairros “granfa”, como diziam os nonnos com desdém. O primeiro negro a se tornar sócio do clube, e provavelmente o primeiro negro a descer bordoada em um italiano e ser aplaudido pelos velhinhos, era um sujeito forte, alto, ferroviário aposentado prematuramente depois de um acidente de trabalho. Quando abandonou a cancha, se tornou juiz oficial dos jogos do Anhanguera, e seu fino senso de patriotismo local rendeu muitos pênaltis dúbios e impedimentos inexistentes em benefício das hostes alvi-rubras. Porque o juiz tinha perdido um braço em infeliz encontro etílico com uma locomotiva, obviamente os velhos corneteiros italianos o apelidaram “Polvo”.

Na última vez em que fui ao Anhanguera eu tinha uns 14 anos. O jogo era um “contra”, e os adversários eram moleques de uma metalúrgica do ABC, todos excelentes jogadores. Apesar dos melhores esforços do Polvo e do uso liberal do jiu-jitsu pela zaga do Anhanguera, o jogo já estava três a zero pros visitantes no primeiro tempo quando o juiz se viu obrigado a marcar uma falta contra o time da casa. O faltoso, um moleque mulato com cara de mau caráter, imediatamente xingou o juiz de “aleijado filha da puta”, e o Polvo usou a mão que lhe restava para aplicar-lhe sonora bolacha. O time adversário imediatamente se escondeu atrás do gol, perto do tapume, e o time do Anhanguera pôs fim ao jogo brigando entre si, metade defendendo o juiz, metade acusando-o do hediondo crime da imparcialidade. No meio da confusão, o que mais se ouvia eram os palavrões que o Polvo bradava, em italiano impecável –era “figli puttane” pra cá, “affanculo” pra lá. Meu avô sorriu com a bola de boccia na mão: “É por isso que eu amo esse clube”. Quando morreu, só de sacanagem, deixou instruções severas para que o Polvo fosse um dos carregadores do caixão -do lado em que não tinha braço, claro.

Para ler o original, clique aqui.

7 Comentários:

Anonymous Anônimo disse...

Cabra, boa tarde.

Não estou com as atas das reunniões comigo, porém em fotos e cadastros antigos não encontrei nenhum associado com o sobrenome Norogna, infelizmente, porque apesar de alguns enganos a história é excelente.

De onde saiu esse blog ? Como você descobriu ? Esse é um cara que deve ser convidado a participar do clube, na parte social, porque no futebol o próprio já decretou falência.

Vou deixar aqui alguns dos sobrenomes mais famosos do AAA antigo: Russo; Maggi; Sabatini; Vignola; Dias; Tirone; Olivieri; Furtado; Ciola; Maiotto; Cecchi; Pette; Bertolani; Brum; Tagliapetra; Pietoso; Gaggini; de Medeiros; Giordano; Fracarolli; Chiochetti; Sandonato; Marques; Viscardi; Victorino; Pontes; Marquez; Marchetti; Minardi; Giglioti; Marasco; de Lucca; Guerino; Trota; Martins; Montanari, entre muitos Silvas, Santos etc...

Mais uma bela história.

Abs,

Angelo

13 de novembro de 2008 às 18:13  
Anonymous Anônimo disse...

malandro ... que achado hein ?!
Belo texto, parabens pro cara !!

abraços!

14 de novembro de 2008 às 08:37  
Blogger mARIA disse...

www.cacholadamaria.zip.net

16 de novembro de 2008 às 02:56  
Anonymous Anônimo disse...

Favela, essa história me lembra os causos do Juó Bananere. Angelo, corre atrás dos dicumento!

17 de novembro de 2008 às 21:35  
Blogger Arthur Tirone disse...

Zé Sergio, isso porque ainda não publiquei por aqui nenhuma ata de reunião das décadas de 20 e 30, época do Gandidato.

18 de novembro de 2008 às 09:20  
Blogger Rê e Thatá disse...

Olá Arthur,
Estava a procura de figuras e acabei encontrando alguns relatos aqui no seu blog sobre torcedores que merecem esse título. Gostaria de saber se você teria o contato de algum deles (ou todos, rs).
Trabalho na TV Cultura e estou colecionando figuras para um quadro que faremos aqui...
Aguardo o seu contato. E parabéns pelos textos...
beijos.
Thaissa Duarte

18 de novembro de 2008 às 14:01  
Blogger Arthur Tirone disse...

Olá, Thaissa. Não sei à quais figuras você está se referindo. Mande-me um e-mail: arthur.tirone@gmail.com
Beijos.

18 de novembro de 2008 às 14:34  

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