15 de dez. de 2008

Pela segunda vez, quase

O II Campeonato de Veteranos, para craques com mais de 50 anos, chegou no sábado passado ao seu final. Um torneio que privilegia a técnica, o toque de bola e a categoria. Uma peleja em que quem corre mais é a bola. A organização mais uma vez foi precisa, comprovando o tino do rubro negro da Barra Funda, um clube competente em tudo o que se propõe a fazer. A louvável iniciativa de Luiz Sardinha no ano passado teve sua reedição neste e já é, de longe, a maior competição de futebol veterano da cidade.

Maior não no número de times, mas sim na qualidade, na técnica e, sobretudo, na emoção. Sábado, por exemplo, a final. Foi um jogo daqueles de matar do coração. Houve um torcedor afoito que sentiu dores no peito, falta de ar e terríveis crises nervosas de tremedeira. Falando em torcida, havia tempo que eu não via o campo tão cheio. Uma arquibancada até que cairia bem! Tinha gente forrando todo o alambrado, nas laterais, nos fundos. Três fileiras de gente; nego subindo no outro pra ver um lance de mais perigo.

O Campeonato durou três meses, com doze times. Na primeira fase, duas chaves de seis. A segunda com duas de quatro. Depois semi-final e final. Sempre aos sábados, o que acabou interrompendo a tradicional caxeta na grande mesa redonda, em preto e vermelho.

Como sou parcial e fanático, falarei aqui da campanha da Associação Atlética Anhangüera. Uma caminhada bem diferente do ano passado, quando ruímos na semi final. Montamos, em 2007, um esquadrão, ganhávamos todos os jogos. Ninguém questionava nosso favoritismo. Porém, na semi, invictos, perdemos e caímos fora. Uma tragédia do porte daquela canarinho vinte e cinco anos antes.

Este ano, porém, desde o começo, foi o contrário. Arnaldo, o técnico, assumiu o cargo exclusivamente para o campeonato e conseguiu, aos trancos e barrancos, levar o time à finalíssima. Com um quadro infinitamente mais vulnerável que o do ano passado, o Anhangüera alçou a camisa. O ponto alto do time foi a garra e, mais, a sorte. O último jogo da segunda fase é o maior exemplo. Ganhávamos de um a zero do Paulista, o campeão da primeira edição, e jogávamos pelo empate para classificar à semi. Virou o jogo e o time pareceu ter um mau-súbito. Sem fôlego, sem forças, encurralados na nossa área, vimos o time do Lalo empatar com um gol de pênati. No último minuto outra penalidade que nos eliminaria com justiça porque o Paulista jogava mais. O tiro na trave me deu a certeza de que seríamos campeões.

A semi-final, contra o Vasquinho da Casa Verde (o time de Serginho Chulapa e Mossoró), também não foi um prélio para cardíacos. Dois a dois no tempo normal e cinco a três para nós nos pênaltis, com o becão Cabeção arrombando a rede em um deles. Estávamos no jogo decisivo, mas do outro lado, na decisão, o Olaria da Casa Verde Alta, considerado o bicho-papão deste ano. Os caras montaram um time de jogadores históricos da várzea paulistana, verdadeiros craques, boleiros de fina estirpe. Isso já era um fator psicológico, uma vantagem. Onde morou outro problema: o rubro-negro vinha, a cada partida, perdendo um, dois atletas lesionados. O Nariz, nosso presidente, que é o cérebro do meio campo, sofreu uma pontada aguda no ciático ao amarrar a chuteira, minutos antes do jogo. Ficou de fora; assim como Donizete, artilheiro do campeonato, que estava suspenso justamente para o jogo de maior importância, uma perda irreparável.

Arnaldo, sabendo da implacabilidade da linha adversária, armou um time defensivo, com três volantes: Ville, Moisés e Tiquinho, deixando o Marquinho, que é uma espoleta, no banco. Começou o jogo e o que se viu foi, que eu me lembre, a pior atuação dos nossos veteranos. O Anhangüera estava, visivelmente, em choque. A linha do Olaria, com Nica, Pelé, Pelezinho e Marginal estava, pra piorar, inspiradíssima. Um parêntese, que só percebi agora, ao descrever a linha do time celeste. Um time que tem dois Pelés não perderia jamais. Montar uma esquadra com Pelé e Pelezinho definiu o campeonato antes mesmo dele começar.

Pelé, um negrão robusto que ano passado jogou o campeonato para nós (e foi alvo da torcida, que o chamava de traíra), meteu um golaço - numa grande jogada de Nica - aos dez minutos de jogo, despertando a total falta de noção e excesso de coragem do Marginal, o ponta esquerda, que saiu gritando um “chupa!” para a assistência da Barra Funda, que estava atrás do gol. Passou a ser então o alvo único, a obstinação da massa, que num primeiro momento tentou pular o alambrado para esgoelá-lo. Ao ser impedida, gritava para Cabeção e Mimi quebrarem o Marginal no meio.

Mais três minutos e, numa falha da nossa zaga, dois a zero. A turma da Casa Verde Alta, que não gosta da Barra Funda, comemorava com galhardia. Nós, amuados, mudamos o rumo dos nossos berros para Arnaldo, exigindo mudanças no time. Virou o jogo assim, com o rubro negro tremendo nas bases e o Olaria desfilando. O time azul seguia aos comandos e o ritmo de Pelezinho, o homem do jogo, uma figura de extrema classe e um ímpeto assustador. Aos 59, o pretinho magérrimo corre como um menino, dá passes de calcanhar, de letra, de três dedos. Dominou o meio de campo de um jeito que eu jamais vi. Parecia ser dois, três, aquele puto! Era o Pelezinho pegar na bola pra tensão tomar conta do nosso time e da torcida. Não havia uma segunda bola, uma sobra, que a redonda não o procurasse.

Com a entrada de Marquinho e Tadeu no segundo tempo, ganhamos em vontade. Num escanteio, com uma bobeada do goleirão, diminuímos o placar e a esperança voltou, junto dos gritos de incentivo. Ville, na minha opinião um jogador necessário, o único que intimidava o adversário, tanto pelo futebol como pela cara feia, se machucou e saiu. Quem adivinhar quem entrou em seu lugar ganha um doce. Ele, Sidnei Caran, o Nariz. Não agüentando apenas assistir, nosso presidente, com arroubo de salvador da pátria se trocou no intervalo. Mesmo torto, com “as cadeira” comprometida, deu outra cara ao time. Seus passes fizeram o Anhangüera ter mais penetração e ser mais incisivo. Não fosse a colossal barriga do nosso ponta esquerda Beto Carioca, que o desequilibrou no momento crucial do chute, teríamos empatado. Por um momento o Olaria se perdeu em campo. Mas numa arrancada de Nica, Cabeção, além de enfiar-lhe a botinada por trás, o pisou e foi pro chuveiro mais cedo.

No banco, Tatu aguardava o momento de entrar. Na torcida, alguém profetizou que seria ele, Tatu, do alto de seu um metro e meio, que salvaria o Anhangüera com um gol de cabeça. Mas o baixote entrou e nada fez, se não errar uns passes. A verdade é que o Olaria se recompôs e voltou a jogar. Na zaga, o capitão Zelão era uma muralha inexpugnável. No meio campo, dando suporte à Pelezinho, Mosca marcava, combatia, se esganava. E nós acabamos desmoronando na tentativa desesperada do empate. Nos contra-ataques, Nica fez o terceiro e Pelezinho o quarto, definindo o título.

Há que se reconhecer a superioridade absoluta do adversário. Grêmio Recreativo Olaria da Casa Verde Alta Futebol e Samba é hoje o grande time de veteranos da cidade, do país, do mundo! E ano que vem estaremos lá, empunhando a bandeira rubro negra, soltando rojões e esperando o título que passou perto.

Por fim, como acontece em toda final de campeonato, durante um bom tempo após o jogo a torcida entristecida comentava o duelo, cornetava o técnico e ainda xingava o Marginal – que depois se desculpou. Entre um e outro comentário, recostado no alambrado, Marinho Italianinho, grande ponta de lança do Anhangüera, no auge dos seus trinta e oito anos, lamentou não ter podido participar do campeonato: “Ai, que saudade dos meus cinqüenta anos”...

3 Comentários:

Blogger Felipe Quintans disse...

Deve ter sido emocionante a partida, de acabar com as unhas. O importante é que o time da Barra Funda está sempre lá, deve ser uma equipe muito temida. A hora vai chegar.

Beijo, meu irmão.

16 de dezembro de 2008 às 09:21  
Blogger Craudio disse...

Só o fato de existirem esses jogos e esses causos já fazem do Anhangüera um grande vitorioso. Salve a várzea!

E saca só o naipe do moleque que meteu um golaço na porcada no Jogo das Barricas...

Abraço, mano véio!

P.S.: não vai prestar tu trabalhando do lado do Bar do Bigode hahahahahahahha...

16 de dezembro de 2008 às 11:17  
Anonymous Anônimo disse...

Que postagem, que postagem... corre até uma lágrima ao ler, de saber que esse tipo de coisa ainda existe na várzea. Abraços!

18 de fevereiro de 2009 às 20:06  

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