19 de nov. de 2008

Praga genética - Parte I

No último domingo, como sempre, joguei meu futebol no sagrado gramado do Anhangüera e depois almocei em família o melhor bolinho de mandioca do mundo, o da minha mãe. A tarde jogou o Palmeiras. Durante o jogo, estava eu deglutindo umas costelas de porco, umas picanhas, muitas cervejas e jogando conversa fora com Seu Zé, o aniversariante, debaixo das frondosas árvores de todos os tipos na casa nova dos queridos Szegeri, Stefânia e Rosa. Todos os tipos, não. Falta, principalmente para as crianças, uma árvore que já está sendo providenciada pelo meu bom amigo. A jabuticabeira. A infância sem uma jabuticabeira não é completa. Uma criança precisa, de vez em quando, ver o mundo lá embaixo se fartando de jabuticaba.

Seu Zé faz parte de um seleto grupo - ao lado de Zulu, Cirilo e Almeida - de homens honrados, porém são-paulinos. Fico pelejando, tentando entender o motivo que fez com que houvesse tal desvio. Enfim, acabo não levando isso em conta e deixando pra lá. Estávamos na casa de um palmeirense fanático. Zé, a cada quinze minutos ia à sala onde os alviverdes assistiam ao jogo e voltava atualizando o resultado. Toda vez que vinha, empunhando seu copo-balde de vodca com Dolly-Coca, o placar era outro, sempre jogando o Palmeiras na vala, um dois três quatro cinco. O Flamengo foi quem deu o tiro de misericórdia. Destruiu, liquidou, arrasou, enterrou o sonho da porcada de um já improvável título.

Estou contando tudo isso pra fazer, de público, uma confissão aterrorizante. Fiquei ligeiramente triste com a derrocada da porcada; e não foi a primeira vez que senti essa coisa pavorosa. Sei que este estranho sentimento pode soar inacreditável para a maioria, inaceitável para outros tantos e até leviano para uns, mas afirmo: sou vítima de uma praga genética que sempre temi que a mim me pegasse e que poderia até tardar – não tardou -, mas jamais falharia. Um fardo que carrego desde meu nascimento, que não demoraria a se manifestar. Como meu avô e meu pai, fui o que seguiu a uma regra oculta; uma imposição, eu diria, extraordinária.

Meu avô, Osvaldo Tirone, meu personagem mais constante por aqui, ao lado do Zulu, nasceu em 18, na Rua do Bosque, Barra Funda. O quinto dos nove filhos de Nicola e Ana, italianos, e vivendo em um dos maiores redutos italianos da cidade, o velho deu um bico na obviedade. Seus irmãos, no entanto, só souberam ser ele o único irmão corinthiano no dia da histórica goleada de 33. Palestra Itália 8, Corinthians zero. Naquele dia, Baldo – em casa era chamado assim, com sotaque carregado – e Antonio, seu primeiro irmão mais velho, com 15 e 16 respectivamente, assistiram a peleja na arquibancada de madeira do Parque Antártica. Pularam o muro, como sempre faziam, e viram Romeu Pellicciari e Luis Imparato imporem a mais humilhante goleada do clássico. Baldo chorou, revelando seu sangue alvinegro, ao ver o grande goleiro Onça indo buscar a bola na rede tantas vezes.

A próxima geração veio chegando. Cada um de seus oito irmãos tendo vários filhos, todos palestrinos. O Antonio e o Roque (o segundo dos nove) viraram diretores do Palestra e toda a sobrinhada que nascia ganhava da tia Mariquinha o fardamento completo do alviverde. Foi o que aconteceu com meu pai.

Vladimir Tirone, meu pai, nascido em 55, apelidado ainda bebê de Mimi, sofreu fortíssimo assédio alviverde dos tios, tias e primos. Quarto e último filho do Velho Tirone, era muito mais novo que os irmãos. Wande era de 41, Wagner de 45, e Walquíria de 49. Os irmãos mais velhos, os dois boleiros. Wande, considerado até hoje o melhor jogador já visto pelos campos da região; Wagner, um tremendo atleta. Treinava todo dia. No corredor de fora da casa, meu pai com cinco, seis anos o via correndo de lá pra cá. Pendurava uma bola bem no alto, dava distância, corria e pulava pra cabecear. Wagner, legítimo Tirone, filho do primo do poderoso diretor de esportes Arnaldo, acabou jogando todas as categorias de base no Palmeiras, chegando ao profissional, na reserva de Ferrari. Ficou alguns jogos no banco e logo encerrou a carreira após uma briga com o técnico Mario Travalini. O futebol não dava mais dinheiro que o trabalho. Durante seus dois anos no juvenil, porém, meu pai era o mascote do time, na época em que os times tinham um, apenas um mascote. A cara do moleque de 6 anos estampou, nos anos de 61 e 62, o finado A Gazeta Esportiva várias vezes.

Elevado a uma categoria de amuleto, o moleque se deixou envenenar e, a partir de então, era um palmeirense ferrenho como poucos que vi até hoje.

Juvenil do Palmeiras, 1961. Wagner é o terceiro em pé da esquerda para a direita. Meu pai, o mascote.

(Continua)

8 Comentários:

Anonymous Anônimo disse...

Cabra, boa noite

Foram 4 gols do Pelliciari, 3 do Gabardo e um do Imparato (de mão).

O texto será forte...e de uma coisa eu me orgulho: não nasce BAMBI na família...graças a Deus !

Abs,

Angelo

19 de novembro de 2008 às 21:27  
Anonymous Anônimo disse...

Mto bom o texto.
Adorei Athú.

Obs: Meu, como o tio Mimí era parecidissimo com o Angêlo pequeno, meu deus ... é pra confundir, certeza. hehe

Aqui tb, n tem e não nasce bambi Angelo.
Relevo meu pai, corinthiano nato, porém único da família. Já basta. hahahaha.

Beijos, parabéns pelo textoo.

20 de novembro de 2008 às 05:23  
Anonymous Anônimo disse...

obs²: esse blog me consome pós baladas. Incrível. ahahahahahaha ... 05:24 da matina, e eu aqui !!! ta-merda !

20 de novembro de 2008 às 05:24  
Anonymous Anônimo disse...

Palestra, que coisa linda!
Esse time é diferenciado.
Mesmo perdendo e nunca mais ganhando um título eu sou palmeirense até morrer.
O São Paulo pode ganhar 300 mil mundiais, que sempre será o terceiro time de São Paulo, pois o maior clássico que existe no mundo é Palmeiras X Corinthians, que por sinal desde que os dois existem o Corintians nunca passou o Palmeiras em vitórias, ou seja, freguesia total.

Abraço Arthur e desculpe a sinceridade sobre o futebol, rsrs

Bruno Tirone

20 de novembro de 2008 às 14:34  
Anonymous Anônimo disse...

Agora sim tive uma prova cabal que vc e o Angelo sao gemeos, catso !!
O Angelo é o Mimi mais novo ... e vc o Mimi de hj !! hahahahaha

sobre o Palestra, vou parafrasear Joelmir Betting: " Explicar a emoção de ser palmeirense, a um palmeirense, é totalmente desnecessário. Explicar a quem não é palmeirense... É simplesmente impossível! "
SÓ QUEM É SABE KID !!!
HAHAHAHHAAHA

Nao farei comentarios sobre a bixarada pq nao vale a perda de tempo ...

abraços !!!

21 de novembro de 2008 às 09:48  
Blogger Felipe Quintans disse...

Coitado do Zé Szegeri. Agora, não há dúvidas que tens nas veias o sangue futebolístico. Isso deve ser passado para outras gerações, para seus filhos e sobrinhos, na intenção de que num futuro próximo também possam estufar o peito contando histórias belas como esta.

Beijo.

21 de novembro de 2008 às 10:18  
Anonymous Anônimo disse...

E santista, não nasce na família, não?

Abração

Piruca

21 de novembro de 2008 às 11:25  
Blogger Arthur Tirone disse...

Angelo e Carol: É realmente um motivo de orgulho não ter bambi na família!

Bruno: sobre isso, o Filipe respondeu na Parte II deste texto.

Glauton: Somos gêmeos mesmo. Não há dúvidas, né?

Felipinho: Valeu, velho. A gente é assim, eu vejo você com teu sobrinho. Passemos a bola pra frente!

Piruca: Não, nenhum. Só Corinthians e Palmeiras.

24 de novembro de 2008 às 12:49  

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