11 de mar. de 2009

O grande clássico - Parte I

Nessas terras brejeiras da Barra Funda, há muito revestidas por inúmeras camadas de asfalto, já não se vê mais os bailes de outrora, os carroções de burro, as alfaiatarias e os cordões carnavalescos. Resta ainda, para nosso bem, a maior das tradições; o futebol varzeano, já tão combalido, tão relutante, tão teimoso. Daqui da sacada do sobrado da casa de meu pai na Rua Cruzeiro quase esquina com a Lusitana (hoje Norma Pieruccini Giannotti) não consigo mais ver os oito campos que veria há quarenta anos. Dentre eles o do extinto Carlos Gomes, onde hoje funciona um Sacolão Municipal.

A Associação Atlética Anhangüera é uma dissidência do finado Carlos Gomes. Foi o maior clássico, a maior rivalidade que já se viu por estas plagas! Entre as duas agremiações aconteceram apenas dois embates – e nenhum chegou ao final da peleja. O segundo jogo, em 1947, resultou na epopéia “O Tirone e os Cabeleira”, que escrevi ano passado, em cinco partes. Neste arrazoado falarei sobre o primeiro clássico.

Como o jogo foi realizado há mais de oitenta anos, não há uma só testemunha viva para contar a história há minimamente vinte anos. Não havia registros do prélio em lugar algum, o que lançava o jogo definitivamente no lodo do esquecimento. Meu avô, que na época era um infante, sempre ouvira falar que o Anhangüera venceu, mas havia quem afirmasse ter empatado.

Eis que, há um mês, Pepe, nosso meia esquerda do segundo quadro encontra, num velho baú de sua casa, um pequeno livro de atas de reunião dos primórdios da sociedade rubro negra. Pepe é a terceira geração de anhangüeristas da família de fina linhagem. Seu avô, Saverio Russo, foi um dos fundadores da agremiação. Seu pai, Roberto Russo, foi, é, e será sempre, nosso presidente de honra. Nosso CDC (Clube da Comunidade), ou seja, a praça de esportes do Anhangüera, leva seu nome. Durante vinte e seis anos ininterruptos sendo presidente, nas décadas de 60, 70 e começo de 80, Robertinho foi a figura que mais lutou pela agremiação nos últimos cinqüenta anos. Tinha entrada livre na Câmara dos Vereadores e, graças a este bom relacionamento, nosso campo não sucumbiu há muitos anos. Se hoje batemos nossa bolinha, jogamos nosso truco e temos uma praça esportiva de respeito é porque, em 1970, Robertinho, com mãos de ferro, foi quem a logrou. O Presidente cantou pra subir há doze anos.

Mas para se abordar o grande clássico é preciso voltar no tempo, antes mesmo da fundação do Anhangüera, no primeiro dia de 1.928. A famosa dissidência do Carlos Gomes que levou ao nascimento do Anhangüera pode ser creditada a duas figuras: Bartholomeo Maggi, o Barthô, e Saverio Russo. Eram, os dois, jogadores, com uma diferença: Barthô era craque, o maior jogador das bandas na época; e Saverio era meia boca. O motivo que os levou a fundar uma nova agremiação se distinguiam. Saverio queria um time para jogar já que não tinha bola pra jogar nos times da região. Barthô, por sua vez, era o grande nome do time do Carlos Gomes e o rapaz mais formoso do bairro, com mil donzelas a seus pés. O problema é que o Carlos Gomes era uma agremiação exclusivamente futebolística e, não tendo nenhum aparato social, só tinha macho.

Como eram os dois jovens, precisariam de gente mais experiente para a missão e, se aproveitando de uma confusão entre a diretoria do Carlos Gomes, convenceram dois diretores, os irmãos Antonio e Miguel Vignola, grandes bailarinos, a fundarem uma agremiação que prezasse, além do football, os bailes.

No final de 1.927 já estava tudo preparado para fundação. Antonio e Miguel Vignola convocaram para a diretoria nomes de respeito no bairro como Miguel Clemente, Francisco Portella, Jerônimo Caetano Ferro, Adolpho Lascher, João Cidro, Antonio Chieregatti, João Gianotti, Luiz Tamburro, Antonio T. de Carvalho, Ezio Marchetti, Armando Lima, Miguel Satriani, Delphim da Silva e o poderoso Matheus Sabatine.

No final de 1.928, ano da fundação, o Anhangüera tinha mais de duzentos associados, ultrapassando em números o tradicional Carlos Gomes. E o pior: o craque Barthô, que causara a dissidência, vestia a camisa rubro negra.

No dia 22 de Outubro deste ano realizava-se uma reunião de diretoria do Anhangüera na primeira sede, à Rua do Córrego, nº. 5 quando, já no final, entra na secretaria o Sr. José Paulo Baddini, dono de pequenas fábricas. Um homem influente, politizado. Já era associado do clube, apenas freqüentando os bailes. Veio com uma missão: convidar, em nome do Partido Democrático da Barra Funda, o Anhangüera a participar do festival promovido pelo partido, justamente contra o Carlos Gomes F.C.

A princípio toda a diretoria foi contra, mas como dizer não ao Sr. Baddini? Antonio Vignola, nosso presidente, resolveu enviar uma comissão à sede do Partido com o único fim de aceitar o convite. Estava marcado o prélio!

Os fundadores em moldura da década de 30.

(Continua)

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