No freio não
Sou dos que não considera o automobilismo esporte. Entrar no carro e pisar fundo não é exercício físico. E para os que acham que é, digo que a direção do meu Fiesta 2005 me faz suar como estivesse dentro de um cockpit apertado. Assim como a equitação só pode ser considerada esporte se for para o cavalo.
Voltando ao automobilismo. A grande escola, o nascedouro, a mumunha das pistas, dizem, se dá no Kart – Rubinho, por exemplo, foi um grande piloto nesta modalidade. É em cima daquele carrinho pequeno, com a bunda quase queimando no chão, que o sujeito pega a prática do volante, das curvas, é lá que aprende sobre a mecânica, as peças, a rebimboca da parafuseta.
Tenho um amigo, o Jair, um cinqüentão gente fina, que sempre foi fã de velocidade, daqueles de passar de 200km/h nas estradas. Segundo o próprio, é mais forte do que ele a vontade de pisar, de sentir a adrenalina – coisas que eu, por exemplo, jamais senti. Uma noite, com o pé no fundo, quase passou por cima de um motoqueiro após uma fechada de um caminhão na Dutra; o milagre que salvou o motoqueiro não deu conta de um cachorro que andava pelo acostamento. O episódio abateu Jair, que decidiu mijar toda sua adrenalina numa pista de verdade, com regras, equipamento de segurança e o escambau. Recebeu indicações de amigos, comprou um kart e se inscreveu num campeonato que já estava em andamento. Era um clubinho de pessoas que, como ele, tinham sede de velocidade e paixão por carros.
No primeiro dia, Jair chegou ao local ao lado de seu filho e se deparou com uma cena inesperada: os outros competidores dispunham de mecânicos, treinadores, puxa-sacos, torcida; um deles tinha até psicólogo. Foi bem recebido (como um bom “café-com-leite” que era), fez uma volta e se classificou para a última fila – ainda estava se adaptando ao novo “brinquedo”.
A corrida contava com mais de vinte competidores, e a intenção do Jair era chegar entre os dez primeiros. Ao largar, percebeu que, na melhor das hipóteses, teria que lutar para não ser o último colocado – o que seria uma humilhação para um “pitoto” como ele. Mirou no cara que estava à sua frente e decidiu que seu embate seria com este fulano. Na oitava volta, Jair passou o sujeito e acreditou que podia mais. Sentia a adrenalina lhe correndo as veias. Ainda concentrado em seu oponente, percebeu que dois karts em altíssima velocidade passaram voando à sua frente. Puto dentro do macacão por ter sido ultrapassado, começou então nova perseguição. Esta, muito mais violenta e pujante. Jair não quis deixar barato e se pôs a caçar os dois. Na primeira curva, uma curva aberta, os dois fizeram o natural, que era abrir por fora. Jair só viu uma alternativa para ultrapassá-los: fechou por dentro, bateu o jogou os dois carros pra fora da pista.
A sensação foi de pleno gozo quando viu, pelo retrovisor, os dois insolentes fora da prova. Nosso piloto acelerou descontrolado, como se nada pudesse lhe impedir de erguer o troféu no alto do pódio. Quando foi completar a volta, viu tremular uma bandeira azul. Seguiu, como se não fosse com ele. Ao passar onde os dois infelizes foram jogados pra fora, viu uma muvuca fazendo gestos obcenos em sua direção. Só aí percebeu que fez cagada. Passou mais uma volta e a bandeira agora era vermelha. Jair seguia em frente, sem se importar, livre para voar, ultrapassando a todos os outros competidores, com perigosíssimas manobras. Na próxima volta, o homem na linha de chegada, já no meio da pista, balançava desesperado uma enorme bandeira preta para o nosso campeão, que quase o atropelou e continuou.
Começaram a voar objetos na direção do seu kart. Os outros pilotos abandonaram a corrida, e só conseguiram parar o homem quando a própria torcida entrou na pista com o firme intuito de lhe dar uma coça. Jair, um retardatário inconformado, havia jogado pra fora o primeiro e segundo colocados da prova, comprometendo suas posições no campeonato. Saiu escoltado pela polícia e um tempo depois vendeu o kart.
Fiquei sabendo que na semana passada comprou um par de esqui.