Entrando na surra
Considero uma frescura a orientação para pais não baterem nos filhos com a alegação de que umas tapas podem causar traumas irreversíveis e transformar a personalidade do fulano, tornando-o tímido, introspectivo e sofrer de síndrome do pânico ou de perseguição, essas doenças “mudernas”. É claro que não precisamos voltar aos tempos da vara de marmelo, do cabo de vassoura e do milho para se ajoelhar, mas às vezes um simples beliscão ou um puxão de orelha se faz necessário. Eu mesmo cansei de levar homéricos beliscões de mamãe. Era doído! Já meu pai nunca deu uma bordoada em mim e nem em meus irmãos, mas só o olhar de reprovação dele era capaz de nos fazer mijar nas calças e nos transformar rapidamente em santos.
E para fazer valer essa introdução, vou falar de alguém que eu já falei por aqui, ícone maior da gentileza, respeito em forma de gente, malandragem nata e destreza etílica impressionante, o grande Zulu. Zulu é a prova incontestável de que umas cachaporradas em casa não fazem mal, pelo contrário. As qualidades deste notável homem chancelam o que quero dizer sobre as cacetadas paternas – no caso dele maternas. Vou exemplificar dois relatos, mas antes, curtos comentários para melhor entendimento: Zulu nasceu no final da década de quarenta e foi criado apenas pela mãe. Seu pai falecera quando ele era um recém-nascido. Moravam numa “casa de família” (abominável denominação) na Rua Eduardo Prado, nos Campos Elíseos, bairro de moradia da elite branca – também ponto de encontro de malandros e bambas do samba -, em que Dona Maria, sua mãe, era a cozinheira da casa, que ainda contava com mais quatro funcionárias. Todas negras.
A molecada toda do bairro brincava na rua e era subdividida por idades. Tinha a turma dos pirralhos de seis a oito anos (da qual o Zulu fazia parte essa época), a turma dos moleques de nove até uns doze e também a dos moleques maiores, até uns quinze. O Zezinho, que tinha doze, era terror dos pivetes. Judiava, batia, irritava a pirralhada. Numa certa tarde, Zezinho e mais dois amigos amarraram num poste o Zulu e mais dois meninos de seis anos. Porém, quando Zulu estava sendo amarrado, avistou Dona Maria vindo com uma sacola de compras na direção dele. A sensação de alívio bateu. Ele via se aproximando sua redentora particular e pensava: “Minha mãe está chegando e vai me proteger. Vai pegar o Zezinho!”. Dona Maria passou batida e fingiu que não o viu. Foi pra casa. Após muito custo, Zulu conseguiu se desvencilhar das amarras e foi pra casa. Chegando lá, levou uma surra.
O problema é que o Zezinho continuava aprontando e um dia, após tanto sofrimento, a bacurizada resolveu rebelar-se e armaram um plano. O plano era extremamente complexo. Dez moleques estavam devidamente amocambados. Um atrás de um poste, três no armazém do seu Mané, três atrás de um muro, dois dentro da lata de lixo, e até dentro do bueiro tinha um escondido. Era uma bela emboscada para pegar o Zezinho. E não deu outra. Quando o Zezinho passou, uma horda furiosa de pirralhos de sete anos o atacou. Conseguiram jogá-lo no chão e arrastá-lo pelo asfalto por vários metros, o que causou terríveis e ardidas escoriações nas costas do fedelho e surpresa para os pirralhos, que viram marca de sangue do Zezinho no chão, correram pras suas casas. A mãe do Zezinho, tremenda barraqueira, queria tirar satisfação com algum responsável por aquele ato bárbaro e escolheu, justamente, a mãe do único pretinho da turma, Dona Maria. Tocou a campainha e já foi logo dizendo: “Olha aí o que o teu filho fez com o meu!”. Zulu, já se encolhendo, sabia que viria chumbo do grosso. Ia apanhar legal da mãe de novo! Dona Maria apenas respondeu: “Seu filho, que amarrou o meu filho no poste outro dia, desse tamanho, apanhou? Então agora eles estão quites!”, e botou a mulher pra correr e não bateu no Zulu!
Alguns anos se passaram. Zulu estava com doze anos quando começou a fumar. E já trabalhava também. Certo dia, dona Maricota, a maior fofoqueira do bairro, o viu tragando um cigarro. Ele sabia que daria merda. Uma semana depois, num sábado, Zulu ajudava sua mãe com as compras na quitanda da Ribeiro da Silva, quando entrou a Maricota e, sem pestanejar e para o desespero de Zulu, disparou: “Dona Maria, a senhora sabia que seu filho está fumando? Eu vi.”. Quando Zulu pensava que apanharia bonito, ouviu a resposta da mãe, que já recolhia as sacolas para ir pra casa: “Meu filho trabalha e sustenta o vício dele e a senhora não tem nada a ver com isso. Passar bem!”. A sensação de alívio foi enorme para Zulu, que viu a fofoqueira de cara no chão. Saiu da quitanda todo pomposo e saltitante. No caminho, Dona Maria o repreendeu enérgica: “Eu tenho que saber as coisas por você, não pelos outros.”. Ao chegar em casa, o latebroso fumante levou uma senhora surra!
A Dona Maria, hoje com quase noventa, sabe das coisas!
E para fazer valer essa introdução, vou falar de alguém que eu já falei por aqui, ícone maior da gentileza, respeito em forma de gente, malandragem nata e destreza etílica impressionante, o grande Zulu. Zulu é a prova incontestável de que umas cachaporradas em casa não fazem mal, pelo contrário. As qualidades deste notável homem chancelam o que quero dizer sobre as cacetadas paternas – no caso dele maternas. Vou exemplificar dois relatos, mas antes, curtos comentários para melhor entendimento: Zulu nasceu no final da década de quarenta e foi criado apenas pela mãe. Seu pai falecera quando ele era um recém-nascido. Moravam numa “casa de família” (abominável denominação) na Rua Eduardo Prado, nos Campos Elíseos, bairro de moradia da elite branca – também ponto de encontro de malandros e bambas do samba -, em que Dona Maria, sua mãe, era a cozinheira da casa, que ainda contava com mais quatro funcionárias. Todas negras.
A molecada toda do bairro brincava na rua e era subdividida por idades. Tinha a turma dos pirralhos de seis a oito anos (da qual o Zulu fazia parte essa época), a turma dos moleques de nove até uns doze e também a dos moleques maiores, até uns quinze. O Zezinho, que tinha doze, era terror dos pivetes. Judiava, batia, irritava a pirralhada. Numa certa tarde, Zezinho e mais dois amigos amarraram num poste o Zulu e mais dois meninos de seis anos. Porém, quando Zulu estava sendo amarrado, avistou Dona Maria vindo com uma sacola de compras na direção dele. A sensação de alívio bateu. Ele via se aproximando sua redentora particular e pensava: “Minha mãe está chegando e vai me proteger. Vai pegar o Zezinho!”. Dona Maria passou batida e fingiu que não o viu. Foi pra casa. Após muito custo, Zulu conseguiu se desvencilhar das amarras e foi pra casa. Chegando lá, levou uma surra.
O problema é que o Zezinho continuava aprontando e um dia, após tanto sofrimento, a bacurizada resolveu rebelar-se e armaram um plano. O plano era extremamente complexo. Dez moleques estavam devidamente amocambados. Um atrás de um poste, três no armazém do seu Mané, três atrás de um muro, dois dentro da lata de lixo, e até dentro do bueiro tinha um escondido. Era uma bela emboscada para pegar o Zezinho. E não deu outra. Quando o Zezinho passou, uma horda furiosa de pirralhos de sete anos o atacou. Conseguiram jogá-lo no chão e arrastá-lo pelo asfalto por vários metros, o que causou terríveis e ardidas escoriações nas costas do fedelho e surpresa para os pirralhos, que viram marca de sangue do Zezinho no chão, correram pras suas casas. A mãe do Zezinho, tremenda barraqueira, queria tirar satisfação com algum responsável por aquele ato bárbaro e escolheu, justamente, a mãe do único pretinho da turma, Dona Maria. Tocou a campainha e já foi logo dizendo: “Olha aí o que o teu filho fez com o meu!”. Zulu, já se encolhendo, sabia que viria chumbo do grosso. Ia apanhar legal da mãe de novo! Dona Maria apenas respondeu: “Seu filho, que amarrou o meu filho no poste outro dia, desse tamanho, apanhou? Então agora eles estão quites!”, e botou a mulher pra correr e não bateu no Zulu!
Alguns anos se passaram. Zulu estava com doze anos quando começou a fumar. E já trabalhava também. Certo dia, dona Maricota, a maior fofoqueira do bairro, o viu tragando um cigarro. Ele sabia que daria merda. Uma semana depois, num sábado, Zulu ajudava sua mãe com as compras na quitanda da Ribeiro da Silva, quando entrou a Maricota e, sem pestanejar e para o desespero de Zulu, disparou: “Dona Maria, a senhora sabia que seu filho está fumando? Eu vi.”. Quando Zulu pensava que apanharia bonito, ouviu a resposta da mãe, que já recolhia as sacolas para ir pra casa: “Meu filho trabalha e sustenta o vício dele e a senhora não tem nada a ver com isso. Passar bem!”. A sensação de alívio foi enorme para Zulu, que viu a fofoqueira de cara no chão. Saiu da quitanda todo pomposo e saltitante. No caminho, Dona Maria o repreendeu enérgica: “Eu tenho que saber as coisas por você, não pelos outros.”. Ao chegar em casa, o latebroso fumante levou uma senhora surra!
A Dona Maria, hoje com quase noventa, sabe das coisas!