30 de jul. de 2009

Anhangüera dá Samba XXV

Uma coisa é incontestável: o samba sempre nos proporciona uma surpresa, um sentimento diferente. Após dois anos de samba toda última sexta do mês no Anhangüera, constato: sempre presencio uma cena daquelas inacreditáveis. Maurinho de Jesus, nosso parceiro e amigo, a quem convidamos para ser a atração do mês de Junho, chega numa beca impecável - nunca, em dois anos, e suspeito que nem nos oitenta anos da agremiação, alguém esteve tão elegante - e vai direto para o balcão. Ele, que não é um abstêmio - acho que posso dizer assim -, me pede uma água. Batemos um pouco de papo e ele, visivelmente emocionado, me crava as mãos nos ombros: "-Favela, ainda não acredito que estou aqui como convidado especial, e logo após Wilson Moreira!". Ficamos ali comemorando até o malandro ser convocado.

Estava nos conformes até Fernando Szegeri, o maior mestre de cerimônias da paróquia, começar a falar. É sabido que quando o Szegeri fala todos escutam; mas naquele dia até o vento deu trégua. Maurinho, que já estava tendo arroubos de alegria, começou a tentar conter as lágrimas que lhe escapavam toda vez que olhava para sua mãe ou para os seus irmãos. Foi assim do começo ao fim da roda. Aliás, foi desde o dia em que o convidei. Taí uma puta - com o perdão da palavra! - satisfatição minha. Uma imagem, para os céticos.

Maurinho cantou um repertório fino, coisas que ele traz na manga. E, sendo um dos grandes talentos de sua geração, desfiou sambaços de sua autoria. Fiquem com um vídeo:


Amanhã é dia de machucar o jiló novamente. Dorina é a bola da vez. E vem com seus batuques e pontos. Diretamente do Irajá, mostrará um pouco do repertório do último cd “Samba de Fé”, seu mais recente trabalho, que traz participações de Beth Carvalho e Mauro Diniz. Dorina tem cinco cds gravados. Pelo Cd de estréia “Eu canto samba” a cantora ganhou o prêmio Sharp de cantora revelação. Em seguida vieram “Samba.com”(2001) e em 2004 o disco “Sambas de Almir” em que ela interpreta composições de Almir Guineto. Atualmente, Dorina também comanda o programa Ponto do Samba na rádio Nacional do Rio de Janeiro.

O ponto alto da noite promete ser a homenagem ao grande compositor Luiz Carlos da Vila, falecido este ano, que foi seu companheiro no show Suburbanistas. Enfim, amanhã promete ser mais uma grande noite! Deixo Dorina cantando Amanhã Ninguém Sabe, do monstruoso Chico Buarque. Para ouvir, clique aqui.

Até amanhã!

24 de jul. de 2009

Moisés, uma lenda do futebol

Currículo


A minha apresentação diz que este é um espaço que se destina às velhas histórias e ao cotidiano de anônimos. Dentre os anônimos, os primeiros da lista são os jogadores. Mas este espaço tem sido pouco varzeano ultimamente.

Quando publiquei o currículo de Dirceu Datti este blog ficou em polvorosa. É, de fato, o currículo mais respeitável que eu já vi. Datti é o maior glutão do planeta, tendo saído vencedor em todas as disputas que entrou. Agora trago outro currículo imponente, dessa vez de um futebolista – pra mim, muito mais que “futebolista”, e vou expor o porquê – imprescindível do Brasil. Um homem consagrado nos campos da cidade e do mundo.

Moisés Moreira é uma lenda, tendo atuado em 74 times ao longo de seus sessenta anos de idade, um número inimaginável e até duvidoso, é verdade. Mas quem conhece a várzea de São Paulo o reconhece e confirma este feito. Deixo abaixo, então, a vasta lista de camisas que Moisés envergou, sempre atuando na meia cancha. Dessa vez, porém, não vou me conter em apenas publicar seu notório currículo. Os próximos textos contarão um pouco da história deste grande homem, um sujeito irriquieto a ponto de encerrar uma carreira promissora por um ideal; um negro consciente das diferenças obnubiladas pela máquina que a nós todos engole...


Casa Verde:
Ponte Preta; Fluminense; Guarani; Vasco; Elite; Saldanha; Cruz da Esperança; Paulista; Saad; Centenário; Iapó; São Paulinho; São Bento; Juventude Radiante; Santos; Cruzeiro; Ordem dos Músicos; Viracopos; União Casa Verde; Baruel; Morro da Casa Verde; e Volta Redonda.

Barra Funda e Bom Retiro:
Tomas Edson; Carlos Gomes; Anhangüera; Sulamericano; Corinthians; Bola Preta; Alfredo Maia e Camisa Verde e Branco.

Outros Bairros e cidades:
Sereno e América (Centro); Araras (Freguesia do Ó); AMC (Água Branca); 7 de Setembro e Eldorado (Diadema); Estrela Vermelha (Vila Nivi); Frum (Vila Maria); Tanabi (Vila Palmeiras); Centro da Coroa (Vila Guilherme); Cruzeiro (Vila Galvão); União Mogi e Comercial (Mogi das Cruzes); Santa Cruz (Guaianazes); Encapre (Canindé).

Times de empresas:
Ford (São Bernardo do Campo); Bradesco; Pão de Açúcar; Minibox; Superbox; Jumbo Eletro; Goodyear (Vila Maria); PissoPetro, Pinhopar, Di Giorgio e Casas Joby (Casa Verde); Santa Brígida, Pelicano e Polenghi (Barra Funda).

Categorias de Base:
Corinthians; São Paulo; Palmeiras; Juventus; Nacional e Portuguesa.

Profissionais - Brasil:
América (São José do Rio Preto); Votuporanguense; Coritiba; Juventude (Caxias); E.C.São José dos Campos.

Profissionais – Portugal:
Boa Vista; Paços Ferreira; Acadêmico; Belenenses

14 de jul. de 2009

Criança mente!

Para desespero da Milena, sou um entusiasta da sabedoria popular, dos ditos chavões. Mais por costume e formação do que propriamente pela crença neles. Minha avó Antonia se comunicava assim; falava todos os velhos ditados. Quando meu avô, o Velho Tirone, ficou velho, por exemplo, virou um homem carinhoso e passou a tratá-la com toda a pompa, bem diferente daquele boêmio machista de outrora. E a velha: “Relógio que atrasa não adianta!”. Como meus avós moravam conosco, minha infância foi carregada dessas sabedorias.

- Vó, até que enfim decorei a tabuada no nove!
- Água mole em pedra dura tanto bate até que fura.

- Não gostei deste par de meias de ursinho que ganhei de aniversário da tia Norma. Coisa de maricas!
- A cavalo dado não se olha os dentes.

Antes de continuar, preciso falar de uma coisa que sempre me intrigou. Minha avó foi registrada como Josepha Niola. Era este o seu nome. Na certidão de casamento, vinte e três anos depois, consta: Josepha Antonia Niola Tirone. Ela, que não gostava do Josepha e era devota de Santo Antonio alterou, à revelia, o próprio nome no dia do casório.

Aos poucos fui pegando a mania da velhinha Antonia. No auge dos meus dez anos bradava ditados mil para outros pirralhos. Exibindo meu vasto repertório, fui alçado à categoria de presidente dos Coiotes, a gangue desses moleques que só faziam jogar bola e infernizar a vizinhança apertando todas as campainhas e correndo serelepes. Lembro-me bem de uma vez em que jogávamos na Rua Boracéia quando a bola remendada estourou. Rápido no gatilho, peguei uma latinha de refrigerante amassada, driblei um, passei por outro e emendei um petardo. Saí imitando o Neto; em pleno asfalto queimando no sol ralei feio meus joelhos na comemoração. Um dos moleques se pôs a gritar que o gol não valeu. Eu, impávido, saquei da manga: - Quem não tem cão caça com gato! – Fui embora puto. Só fui chorar de dor quando dobrei a esquina e os garotos não me viam mais. No outro dia soube que a molecada – depois que eu fui embora - atazanou umas cinco vidas de um gato vira-latas. De certo, interpretaram mal minha frase.

Falando em criança, eis que chego enfim ao meu objetivo neste texto. Quero contar uma passagem que fez cair por terra um dos ditados mais famosos e indiscutíveis do Brasil. O de que criança não mente. Basta eu ouvir alguém arrotar isso que eu me arrepio inteiro. Criança mente, e mente indecorosamente. Abusam de um estatus de intocável no imaginário popular para desferir as mais deslavadas lorotas.

Sei, por exemplo, de um pirralho de três anos que apronta coisas jamais suspeitas. A família, espírita ao cubo, acredita que o petiz tem uma mediunidade atroz. O menino, que já sacou o troço faz tempo, não pensa duas vezes. Depois de aprontar as piores artes como cagar em público e chutar canelas alheias, começa a dar piruetas olímpicas e falar com gente invisível. Tem um amigão, o Marquinhos, que ninguém vê, só ele. A mãe, quando chega fula pra lhe aplicar umas boas palmadas, percebe que o debate entre ele e o Marquinhos está pegando fogo. E o que faz mãe? Corre pra acender uma vela e rezar para o erê deixar seu filho em paz. Estratégia melhor até hoje nunca vi!

Eu, de minha parte, tive uma experiência nada agradável. Com uns dezessete anos, andava com uns coroas – amigos de meu pai - que me ensinavam os meandros da noite. Certa feita estava eu na quadra da Camisa Verde e Branco com Paulinho do Cavaco, Domé e Gilmar. Estávamos, na verdade, do lado de fora, bebendo na barraca do Coquinho, onde se aglomera o maior número de vagais por metro quadrado do mundo. Em determinado momento, acendo um cigarro. Jogando conversa fora, sinto alguma coisa que passa zunindo e me derruba o cigarro da mão. Era um petiz endiabrado que corria de lá pra cá. Parecia, inclusive, com o moleque dos cigarrinhos Pan.

O fedelho esbarrou no meu cigarro, parou, olhou pra mim, esfregou a mão no braço e começou a chorar. A brasa o havia queimado. Isso tudo foi num instante. Eu chamei o moleque, mas ele não veio. Fui até ele, precisava acalmá-lo. Ele correu; zuniu novamente.

Depois de pouco tempo vejo de longe, no meio da multidão, o garoto de mãos dadas com uma mulher, provavelmente sua mãe, me apontando. Eu fiquei meio preocupado, mas continuei bebendo – já estava meio embriagado, é preciso registrar. Súbito, sinto uns toque no meu ombro, como se batessem numa porta. Viro-me e dou de cara com o peito de um homem. O crioulo tinha a altura de um sobrado.

- Foi você quem queimou meu filho, seu puto?

Daí pra frente, pra convencer o “da pesada” que focinho de porco não é tomada foi um “güai”. Quem me salvou foi o saudoso Hélio Bagunça que, quando me viu nessa gelada, chegou sorrateiro e comprou a briga. O negrão três por quatro, que era bicho solto – fui saber depois – não se atreveu a discutir com o maior e mais respeitado malandro das bandas, que emendou, pra acabar com a conversa, um provérbio do qual jamais duvidarei:

- Névoa baixa, sol que racha!
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