24 de jan. de 2008

Bicho-Bom

Um texto do meu amigo Eduardo Goldenberg, desta semana, me bombardeou de lembranças que repousavam há tempos em minha cuca. Lembranças das mais remotas, que remontam meus tempos de infância, dos 3 ou 4 anos de idade. O texto do Edu revela o orgulho do pai ao ver desabrochar o instinto do pequeno filho, que, nos desfiles de blocos carnavalescos do Rio de Janeiro, sob forte influência dele, tascava a mão nas polpudas nádegas de exuberantes mulatas. Daí, lendo o texto, vi o Seu Isaac se transformando em Mimi, meu pai, e o Edu já era eu.

Minha primeira musa foi a Cláudia Raia, na novela Roque Santeiro. Eu era bem pequeno. Quando ouvia a música de abertura, saía correndo e grudava os olhos na TV, esperando a Ninón aparecer. O velho enchia o peito orgulhoso diante da iminente virilidade do pequeno filho. Não me lembro disso; minha mãe é quem conta. No entanto, a recordação que me veio é que eu e o Angelo (o Bruno era um bebê ainda), no auge dos 4 anos, éramos tarados pelas Vitaminas do Chacrinha, as gloriosas Chacretes. Meu pai nos chamava: “Vem cá, Arthur! Angelo, vem ver.”. Nós íamos babando e o velho, sutil e delicadamente, nos revelava essas coisas mundo. Apontando para a Roseli Dinamite, para a Fernanda Terremoto ou para a Leda Zepelin, dizia: “Olha o bicho-bom! Isso é o bicho-bom, entenderam?”. Tanto entendemos que usávamos a expressão. Ele se gabava quando alguma mulher passava na rua e nós o puxávamos pela calça, gritando: “Pai, olha aí o bicho-bom!”. Pouco tempo depois ele deixou de usar essa expressão e nós também a esquecemos. Voltando ao Chacrinha, às vezes eu me imaginava entrelaçado nas pernas da Valéria Mon Amour ou da Esther-Bem-me-Quer, embora para mim a Índia Poti fosse imbatível. Não tinha pra ninguém.

Mais que tudo, no entanto, as alcunhas das Chacretes mexiam com a minha tenra inocência:

- Pai, por que o nome dessa aí é Erica Selvagem?
- É que ela veio do mato, meu filho.

Angelo também destilava a sede de saber sobre as donzelas:

- Pai, por que Regina Polivalente?
- É que ela faz de tudo, filhão. Barba, cabelo e bigode. – Ficávamos imaginando a Regina fazendo a barba de marmanjos num salão tão espelunca quanto ao do Osvaldo, nosso barbeiro.

Após alguns anos, naturalmente, viemos a entender algumas coisas e endoidamos quando foi lançado pelo Miele o programa Cocktail, em que deliciosas garotas mostravam os peitos. Cada uma das moças era uma fruta. A cereja era a minha preferida. Nessa fase, o Bruno, então com uns 4 de idade, recebeu o ensinamento que eu e Angelo tivemos com as Chacretes; mas dessa vez nós, os irmãos mais velhos, é quem levávamos – escondidos da minha mãe – o pirralho pra ver aqueles seios de todos os tamanhos. Lembro-me bem que uma das raparigas, a que representava o limão, tinha fartura de peitos; que exuberância. O Bruno vidrava nas turbinas da Mulher-Limão!

Escrevi isso porque outro dia, almoçando com o Bruno, aconteceu dessas coisas que parecem naturais, mas que tem explicação. Meu irmão, certamente, nem sabe disso.

A cena que se deu foi a do Bruno, esfomeado, espremendo um limão inteiro num prataço de arroz-com-feijão. Após misturar os grãos com o azedo, saboreando a primeira garfada e empunhando o limão, prestou a reveladora homenagem à fruta com um adjetivo que, certamente, ficou encravado em sua memória na época em que borrava as fraldas:

- Ô bicho-bom!

22 de jan. de 2008

Biotônico Fontoura


Meus irmãos e eu nunca fomos crianças frescas à mesa; nem tivemos frescuras para comer. Não fomos frescos porque comíamos os legumes e verduras mais odiados pelos fedelhos de todo o mundo (pelo menos os que têm para comer). Não tivemos frescuras porque não exigíamos os melhores doces, os melhores biscoitos e nem nada que aparecia nos “reclames” da tevê. Aliás, adorávamos ir com nossos pais a uma fábrica de biscoitos que não era conhecida para comprar toneladas de bolachas defeituosas vendidas ao preço de um pífio pacote de qualquer lançamento da São Luiz. Após a comida nos entupíamos de gordura trans; nova vilã que vem sendo propagada por ser tão nociva que não sei nem como estou vivo.

Os mais velhos tinham o costume de enfiar clara de ovo batida nos filhos. Minha mãe até hoje sofre arrepios – dos fortes estremecimentos involuntários, acompanhados de horríveis caretas – ao lembrar-se de quando minha avó, à força, apertava suas bochechas para abrir sua boca e botar aquela colher de clara batida, para após gritar: “Não faz cara de nojo! Engole! Se cuspir apanha, hein.”. A traumatizante experiência fez com que eu me salvasse dessa; fato que não passava em branco para minha outra avó, que insistia para a minha mãe: “Dê ovo de pata para os meninos! Eles ficarão fortes.” ou ainda: “Essas crianças precisam comer mais. Compre Biotônico Fontoura (a gente adorava!) para abrir o apetite. Mas cuidado, dê só uma colherzinha, hein!”.

Era praxe, há anos – ainda hoje é pra quem mantém o costume -, bebericar um quebra-jejum antes do almoço. A cana abre o apetite. Pensando nisso, o farmacêutico e biriteiro Cândido Fontoura, inventou em 1910 uma fórmula fortificante para que sua mulher, que andava doente, se alimentasse direito. Com a desculpa esfarrapada de fornecer ferro para o sangue e fósforo para os músculos, a esposa do cachaça se convenceu a beber o tônico e, mais tarde, com o jingle Bê, á, bá. Bê, e, bé. Bê, i, Bi..otônico Fontoura!, a coisa virou mania. A verdade é que o troço só abria o apetite por causa dos 9,5% de álcool etílico em sua fórmula original. Bom, o truque.

Graças ao Cândido, numa quarta feira de Março de 1.962, a partir da Rua do Bosque, um episódio incomum tomou de assalto as ruas do bairro; cinco pessoas saíram bêbadas, de fogo, cambaleando e caindo pelas sarjetas. Está certo que em São Paulo tem um boteco em cada esquina e, só naquele pedacinho da Rua do Bosque que comportava o Fecha Nunca, o Nunca Fecha e o Sempre Aberto, toda noite era um monte de beberrão fazendo barulho. O incomum do fatídico dia é que nenhum dos cinco paus-d´água – Mimi (meu pai), Jeancarlo, Domé, Saião e Charuto - tinha mais de nove anos de idade. A porranca começou na dispensa da casa do Nono Nicola, o avô de meu pai, quando os pivetes entraram escondidos antes de ir pra aula e mataram, em goladas cavalares, todo o estoque de Biotônico Fontoura. Cerca de 3 litros.

Ao saírem da casa do Nono, os cinco pirralhos, trançando as pernas e se escorando, causaram risos nos primeiros transeuntes que os viram, por acharem que os meninos atuavam. “Eles imitam perfeitamente um bebum! Incrível.”, era o comentário mais comum. As pessoas começaram a perceber quando as conseqüências do porre, que foram muito mais cômicas que trágicas, aconteceram. Mimi cismou que era o Nacional Kid e deu de querer sair voando. Ralou-se inteiro após suas “asas” não funcionarem ao saltar de um muro de 3 metros. Jeancarlo caiu e dormiu na sarjeta. Domé vomitou até as tripas. Saião, com uma crise de soluço interminável, chorou. Charuto cantava, com a língua enrolada, o hino do Corinthians. Uma beleza!

Com este causo, deixo aqui minha homenagem a Cândido Fontoura que, ensinando as crianças, ajudou a manter o genuíno costume de se tomar um iaiá-me-segura antes da refeição. Eu, renitente desde que foi proibida pela Anvisa, em 2001, a utilização do marafo no produto - norma que infelizmente acabou de vez com sua nobre serventia, que é apenas a de abrir o apetite – sinto por meus filhos (que ainda virão) não desfrutarem dessa tradição que vem de três gerações.

16 de jan. de 2008

A Gazeta Esportiva

Todos os relatos deste blogue – os que eu não presenciei por ainda não ter nascido - são colhidos na base do tête-à-tête. São causos contados a mim pelos mais velhos. Além de imortalizar passagens que julgo merecerem tal privilégio, tenho me dedicado à função de colher registros de coisas da Barra Funda. Mas, em relação à Associação Atlética Anhanguera, não tanto quanto meu gêmeo, o Angelo. Há uns cinco ou seis anos que Angelo, num trabalho doentio de persistência, reativou o arquivamento das gloriosas súmulas de todos os jogos do rubro-negro. Toda semana, graças a este trabalho, o mural está atualizado com resultados, artilheiros e comentários dos jogos.

Trampo árduo, mas graças a isso, sabemos que o artilheiro do Anhanguera no ano passado foi o Paulinho, com 35 gols. Destes, 30 de cabeça. Nos outros 5, a bola bateu nele e entrou. Paulinho, o Leivinha da várzea, é o maior cabeceador que eu já pude ver. Sabemos também que o Bororó, confirmando as expectativas, foi o jogador mais violento do ano pela quarta vez consecutiva, com 29 expulsões, sendo 13 devido às suas acrobáticas voadoras. Porém, por causa das súmulas desaparecidas, pairam algumas dúvidas. Uma delas, quanto aos gols de Tostinha, grande artilheiro das décadas de 80 e 90. Segundo suas contas, foram 514 gols pelo Anhanguera. Há quem diga que as contas incluem até os gols no pebolim e no botão.

Além de súmulas, Angelo encontrou vários documentos, fotos e atas de reunião, que também virão à tona. Há um ano, o incansável escreveu: “Podem ter certeza de uma coisa: reescreverei a história do Anhanguera desde 1 de janeiro de 1928 quando os srs Saverio Russo e Bartholomeu Maggi fundaram a A A Anhanguera na Rua do Córrego, n° 5.”, e tem se dedicado com afinco raro. Hoje pela manhã recebi dele, por e-mail, esta reportagem de A Gazeta Esportiva, de 1.949. Na foto, entre outros diretores, está o Durão (o primeiro da esquerda), que já foi tema meu. Nesta notícia são abordados o futebol, os bailes dançantes e os nomes dos diretores, incluindo o de pingue-pongue, esporte disputadíssimo na sede do clube na época, do qual ainda contarei umas histórias boas. Clique na foto para ler.

9 de jan. de 2008

Sou mais os treineiros

Alguns treinadores de futebol acabam chamando a atenção da assistência e dos jornais mais que a maioria dos jogadores. Seja pela capacidade estratégica, pela sorte, pela irreverência, carisma ou qualquer outra coisa. O fato é que algumas figuras marcam época e cada um destaca-se pela qualidade mais marcante e inusitada de lidar com situações e pessoas. Hoje eles ocupam desmedido espaço em programas televisivos, alcançam status de guru, dão palestras de auto-ajuda do tipo “Seja um vencedor!”, recebem salários estratosféricos e participam do gerenciamento do departamento de futebol, dos lucros na compra e venda de atletas, entre outras regalias. Esses troços vêm de alguns anos pra cá, desde que a filosofia de futebol-empresa é quase unanimidade entre jornalistas e torcedores.

Uma prática comum dos grandes clubes é a de enviar à várzea gente conhecedora de futebol que tenha sensibilidade para descobrir novos talentos, os famosos olheiros. Eu poderia citar uma porrada de craque que veio da várzea e das peladas de bairro, mas neste texto vou expor meu inconformismo; os profissionais do futebol não sabem que cometem uma exorbitante injustiça com os treinadores varzeanos, os populares treineiros. Eu vi (e ouvi relatos), na várzea, os melhores treinadores do Brasil. Não tenho dúvidas.

Plínio foi treineiro do Anhanguera durante a década de 40. O maior estrategista da várzea. Visionário de maior quilate. Dizem que Vanderlei Luxemburgo, com toda sua marra de gênio, levaria um indecoroso nó tático no embate direto com o Plínio. Um dia, pesquisando algumas súmulas da época, percebi que o Tonel, grande alfo-direito que defendeu o rubro negro da Barra Funda, marcou 7 tentos em 1942. Nota-se que, antes mesmo de os melhores laterais do mundo, os Santos Djalma e Nilton, o último apelidado de Enciclopédia, causarem furor ao ultrapassar a linha média, o Tonel já corria pro abraço.

Alex Ferguson é técnico do Manchester United, da Inglaterra (não pensem que explicar que o time é inglês é desnecessário, pois na várzea paulistana, assim como Vai Quem Qué, Sapeco Futebol e Samba, Vâmo que Vâmo, Vida Lôka e É Nóis na Fita, tem times como Ajax, Arsenal, Milan, Celtic, River Plate, entre outros), e o mundo inteiro o exalta por estar há 23 anos no comando da equipe. Aceito que ele merece reconhecimento, mas deixo registrado que o Zózimo do Nacional do Bom Retiro permaneceu por inabaláveis 31 anos à beira do gramado.

Emerson Leão, afamado por ser linha dura com seus subordinados, perto de Hércules, do Guarany do Brás, não passa de um gato siamês. Um bichano. Hércules, ao final dos jogos, enfiava a mão em jogador que jogasse mal ou pior ainda, que tirasse o pé em jogadas desleais. No quesito reclamar com o juiz Leão também é considerado o maior. Declaro que o Hércules desmaiou na porrada mais de 20 árbitros e o Zé Bocão, do Classe A, simplesmente mandou trocar mais de 100 durante os jogos por estarem, segundo ele, prejudicando seu time.

Luiz Felipe Scolari é querido por seus atletas por ser paizão e por transformar qualquer time que treine na chamada “Família Scolari”. O Moisés, atual técnico do primeiro do Anhanguera, um dos maiores corações de que se tem notícia, já “adotou” 26 jogadores que passaram em suas mãos. Na Casa Verde o Moisés, um negrão de 58, é querido demais e adorado pela malandragem justamente por contribuir com a formação de tanta criança que vive a esmo. O Scolari perto do Moisés é um padrasto ruim.

Oswaldo de Oliveira é sereno e tenta motivar seus jogadores com conversas junto a psicólogas e com nutricionistas especializadas em alimentos e suplementos que contenham substâncias saudáveis. O Rei, do extinto time de função Poder Negro, chefe de bocada, motivava os atletas com cerveja, pó e putas. O Poder Negro deteve a impressionante invencibilidade de 12 anos sem perder um jogo. E jogando só fora de casa! Talvez se as psicólogas e nutricionistas que o Oswaldo de Oliveira contrata tivessem relações mais íntimas com os marmanjos, a carreira dele teria sido menos bisonha.

Somente do Anhanguera eu poderia citar vários outros, como o japonês Tottio, que durante 8 anos como treineiro jamais deu sequer uma instrução pra jogador nenhum. Tomaselli, que em 7 anos perdeu míseros quatro jogos. Walter era chamado de “pulso firme” por ser mandado e desmandado e mesmo assim teve a sorte de permanecer bons tempos invicto. Daniel – ele, o Gordo – jamais dirigiu o time sóbrio e inclusive oferece cachaça pra patuléia ainda no vestiário antes dos jogos. O Dedé, que fazia mandingas mil e “assistia” aos jogos de costas...

Enfim, minha síntese é que, longe de toda a profissionalização, do marketing, de ternos de grife, psicólogos e palestras, num campo de várzea qualquer ainda vivem Carlito Rocha, Oswaldo Brandão e tantos outros treineiros...
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