31 de ago. de 2010

Serra vai acabar votando Dilma

Conheci Fernando Henrique Borgonovi em meados de 2003, na saudosa roda de samba do CUCA, na Rua Anhangüera. Os Inimigos do Batente, sob a coordenação da UNE comandavam a batucada todas as sextas. Borgonovi era um daqueles jovens estranhos – pelo menos pra mim -, os quais eu jamais tinha visto, que chegaram com tudo na minha área, a velha e combalida Barra Funda. Eles vinham aos bandos e tomavam de assalto o “parquinho”, apelido carinhoso dado pela molecada do bairro da década de 60 ao espaço Raul Tabajara, um parque esportivo idealizado por Mario de Andrade.

Aquela turba provocou uma verdadeira reviravolta na vida do meu bairro – ainda ninguém sabia que aquilo impactaria toda a cidade e o samba paulistano. A começar pelas moças; quanta beldade num só ambiente! Pra quem não sabe, a Barra Funda é um bairro autenticamente velho. Não há mais donzelas formosas, nem sirigaitas oferecidas que freqüentem estes ambientes varzeanos. As poucas, quando saem de casa, rumam pra fora, em busca de um lugar menos hostil. Lembro-me da primeira vez em que vi aquela moçada toda – todos branquinhos, limpinhos e, aparentemente, frágeis – cantando umas coisas lindas do arco da velha; e a Railídia mandando Clara Nunes, pra delírio da negrada da Camisa Verde e Branco que começou a chegar.

Borgonovi era um bêbado inveterado, e talvez por isso acabei simpatizando com a figura. Aos poucos fomos ficando amigos, bebendo juntos no Ó do Borogodó, no Puppy e em outros bares da região da Paulista – sem ele, uma mesa de bar sofre tremendo desfalque, muito embora sempre acabe, irremediavelmente, dormindo em público. Se me perguntarem quando ficamos amigos, não sei. Tenho a sensação de que há muito tempo. Comunista, militante aguerrido, trabalhador incansável, tem como maior defeito ser palmeirense. E trata-se de um caneta terrível, dotado de feroz sagacidade. É daquele tipo que tem as grandes tiradas. Um camarada do peito, enfim, a quem se deve respeitar.

Digo tudo isso do meu amigo porque ele publicou - já tem um tempinho - um texto no Vermelho que quero deixar registrado aqui. Só o título bastaria pra escancarar a verve do autor. Há assuntos que os meus escrevem por mim – leiam os caboclos que eu indico aí ao lado. E fiquem com o imprescindível Borgonovi, brasileiro e suburbano de altíssimo quilate!


SERRA VAI ACABAR VOTANDO DILMA

Eis o fato. Em entrevista a uma rádio do Recife, José Serra criticava o patamar da taxa de juros, dizia ainda outra vez que é de esquerda e ladainhas outras. De repente, ao desviar dos assombrosos índices de popularidade de Lula, tal como o peixe, morreu pela boca. "O Lula está acima do bem e do mal. Não me compare com ele", afirmou o candidato de oposição.

É impressionante como falta de discurso, a inexistência de projeto para o país acabou produzindo um tipo de candidatura sui generis: aquela que para tentar derrotar Lula precisa convencer o eleitorado que é mais lulista do que o próprio.

Tática um tanto perigosa para eles. Vá lá que martelassem o engodo do "pós-Lula". Mas agora o oportunismo chegou ao descaro completo: fingem adorar, como um santo no altar, o presidente que tentaram derrubar em 2005, a quem fizeram sistemática oposição nestes quase oito anos.

O cristão novo não é só o candidato a presidente. Aos poucos a linha vai angariando adeptos no restante de seu partido. Quando confrontado com a afirmação de Serra, o ainda senador Sérgio Guerra saiu-se com essa: "Temos as nossas restrições, mas o fato concreto é esse. Não é oportunismo dizer que Lula está acima do bem e do mal."

Se não há oportunismo, então há conversão, catequese. Sendo assim deveriam admitir de público os êxitos do presidente e do governo. Deveriam ainda se penitenciar para comprovar o arrependimento, afinal a humildade é uma das virtudes cristãs.

Ironias à parte, fiquemos por hoje com a opinião dos próprios tucanos. E, se Lula escolheu a Dilma, espera-se que os novos devotos também o sigam.

18 de ago. de 2010

O peso da camisa


Domingo passado jogaram, pelas semifinais dos Jogos da Cidade, Anhangüera contra Nacional do Bom Retiro. O prélio aconteceu no campo do Nacional, que fica de frente para o Anhangüera, na Rua Anhaia.

Antes de falar do jogo, é preciso fazer algumas considerações. A primeira é que o futebol varzeano é infinitamente mais interessante que o profissional, e não vou perder tempo explicando o porquê – sobre isso já escrevi várias vezes.

Segundo é que, para falar de tal embate, é preciso remontar a história dos times. Não resta dúvida de que, há alguns anos, Anhangüera e Nacional sejam, de fato, os maiores rivais um do outro. Por um simples motivo: não há mais times na região! O fato de o Anhangüera estar localizado desde 1970 naquele espaço jamais alterou sua posição geográfica: somos um time da Barra Funda, e ali dentro é Barra Funda. Nosso grande rival sempre foi o Carlos Gomes, e tivemos outros como Grajaú, XV de Novembro e Faísca. Havia rivalidade com os times do Bom Retiro, mas aí a questão não remete à camisa, mas ao bairro. Jogar contra o Nacional ou contra o Junqueira, por exemplo, era a mesma coisa. No caso deles, a mesma regra.

Com o fim dos campos e, conseqüentemente, das instituições, sobraram, de maneira sofrida e não sem muito esforço estes dois times, tradicionalíssimos. O Nacional é de 1913 e talvez figure entre os dois ou três mais antigos da cidade, o Anhangüera é de 1928. Aí reside, na minha opinião, o charme do jogo.

Os dois clubes nunca foram times de função – também não estou disposto a explicar aos não-iniciados o que isso significa, já que este é um texto exclusivamente para os anhangüeristas -, a diferença é que o Anhangüera tinha muita visibilidade na região por causa de seus responsáveis corpos diretivos e pelos bailes e eventos sociais acachapantes. E assim a coisa perdurou, até que, há poucos anos, o Nacional sofreu uma intervenção da prefeitura e perdeu o direito de comandar o clube.

Aí começa outro processo histórico. Com o fim dos times da região nos últimos anos, a saída pra quem ficou sem pai nem mãe era ir para um ou para outro. O Anhangüera, no entanto, com uma postura mais conservadora, preferiu não abrir espaço pra muita gente, e passou por um racha interno que deu fim ao nosso primeiro quadro. O Nacional, como franco-atirador, abraçou essa gente, principalmente jovens do bairro entre 15 e 25 anos, incluindo alguns ex-jogadores do Anhangüera.

No campo, domingo passado, a configuração das torcidas era mais ou menos a seguinte: 70 torcedores do Anhangüera, com média de 50 anos, e 150 torcedores do Nacional, com média de 20 anos. Prefiro a primeira. E no campo, mais do nunca, confirmei a célebre frase de Nelson Rodrigues, que dizia que todo jovem é um cretino fundamental. O alambrado de um campo varzeano não é arquibancada do Pacaembu e a Quadrilha Maluca – é esse o nome da “torcida organizada” do Nacional; não confundam com a turma do Dedé Santana – não é a Gaviões da Fiel.

Tirante este assunto menor, vamos ao jogo.

Foi um senhor jogo, com chances para os dois lados. O fator campo sem dúvida fez uma diferença e o time alvi-negro deu uma pressão no começo. Depois dos 15 minutos, foi lá e cá, com o goleiro deles, com incríveis 1,60m, fazendo duas defesas inacreditáveis, com direito à acrobacias e piruetas. Um baita goleiro!

O Nacional vinha com a linha de frente a conferir: Ricardo e Nei, os dois ex-jogadores nossos, reconhecidamente bons atletas, o segundo tendo se criado no rubro negro, sob a batuta do velho Dinão. Ricardo vinha parado – pasmem! – há seis meses. Começo aqui a delinear o objetivo do texto, que está lá em cima, no título.

A camisa rubro-negra não é mole. É peso!

No final do primeiro tempo, gol do Nacional. De cabeça, Nei abriu o placar. O fato de ter jogado anos no Anhangüera o fizera várias vezes dizer que, contra nós, não jogaria; balela. Jogar contra nós, todo mundo quer; a nosso favor, ainda mais. No começo do segundo tempo empatamos com um golaço de Toni e sufocamos, até o time perder o volume depois da saída do mesmo, machucado, e do dia ruim do Pepe, nosso meia esquerda. Aliás, é preciso dizer que o camisa 10 do time do Nacional é, disparado, o melhor jogador deles.

O jogo ganhava toda a pinta de pênaltis quando, num vacilo em bola parada, a três minutos do fim, outro gol de cabeça; o mesmo Nei. No primeiro gol, havia comemorado de maneira tímida, quase pedindo desculpas. No segundo, sob a histeria da Quadrilha Maluca – meu Deus! -, um pulo ignóbil no alambrado, à la Ronaldo Fenômeno, denotou sua recorrente pequenez, numa demonstração patética e infantil de auto-valorização.

O jogador que fez os dois gols contra nós jamais decidiu em jogo decisivo a nosso favor. Trinta quilos a mais, vestindo a rubro-negra. A camisa que ilustra o texto não é pra qualquer um. Foi boa, a faxina!
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